Irmãos que olham para o pai. Unidade entre várias
gerações
O Papa Francisco fala com frequência sobre a necessidade de
gerar uma maior unidade entre as diferentes gerações. A parábola do filho
pródigo, o irmão mais velho e o pai, relatada por Jesus, pode nos ajudar a
aprofundar neste tema.
25/01/2021
Naqueles últimos dias, Jesus tinha passado muito tempo entre
aqueles que, aos olhos da sociedade, pareciam estar mais longe de Deus. O
evangelista são Lucas nos conta que “todos os publicanos e pecadores” (Lc 15,1)
se aproximavam para ouvir os seus ensinamentos. Este movimento de gente fez com
que os que se consideravam os guardiães da lei mosaica começassem a murmurar
entre si. O Mestre, então, decide narrar três parábolas destinadas a purificar
a imagem de Deus que eles tinham, muitas vezes distorcida por uma mentalidade
legalista, que perde de vista o amor divino. O terceiro destes relatos é aquele
famoso, sobre um pai e seus dois filhos (cfr. Lc 15, 11-32): o menor, que pede
a herança para gastá-la longe de sua casa e o mais velho, que permanece no lar,
mas sem sintonizar realmente com o pai.
O esquecimento dos dois filhos
Ao ler a parábola, podemos supor que os dois irmãos levavam
muito tempo distraídos, afastados da gratuidade com que seu pai os amava. O
mais novo sonhava com lugares onde supunha que seria mais feliz. A dispersão
chegou-lhe pela cabeça – talvez um pouco desocupada – e pela imaginação –
talvez mais viva – até se convencer de que poderia comprar o amor: “Pai, dá-me
a parte da herança que me cabe” (Lc 15,12). O mais velho, por sua parte, tinha
o seu coração adormecido, porque aparentemente cumpria bem as suas responsabilidades:
estava satisfeito, não dava desgostos ao seu pai. No entanto, por alguma
fresta, o frio havia penetrado em sua alma. Talvez tenha se enredado em planos
que, ainda que parecessem muito próximos, não incluíam a quem tanto o amava.
Enfim, nenhum dos dois concebia – ainda que fosse de maneira inconsciente – que
seria possível alcançar uma autêntica felicidade estando em família. Enquanto o
mais novo a procurava longe, o mais velho sonhava com ela em uma festa para os
seus amigos. Nenhum dos dois imaginava que poderia alcançar uma vida plena
junto ao seu pai.
Ainda que, como destaca São João Paulo II, todos tenhamos
dentro de nós, ao mesmo tempo, alguma coisa de cada irmão[1],
talvez não seja casualidade que Jesus tenha deixado explícita a idade de ambos.
Pode ser que escolhesse o mais velho para ilustrar atitudes mais frequentes
entre pessoas que levam muito tempo procurando e relacionando-se com Deus. Este
irmão, certamente, conseguia cumprir as suas tarefas com perfeição. Seu pai não
poderia repreendê-lo por quase nada. Desta forma estava tranquilo, não devia
nada a ninguém. No entanto, não era totalmente feliz. Por outro lado, o filho
mais jovem, idealista e apaixonado, pode representar atitudes mais comuns nas
etapas iniciais da vida. Talvez fosse mais vulnerável à atração de uma
liberdade que se dirige a bens que, no final, não saciam. Fugir, escapar e
divertir-se pode ser apetecível, mas não se pode rejeitar indefinidamente a
própria identidade. Cedo ou tarde aparecem carências que somente Deus é capaz
de satisfazer plenamente. O filho mais novo também não era feliz.
Os dois irmãos viviam a sua realidade de maneira incômoda.
Nessa atmosfera, era difícil que o amor crescesse, lançasse raízes na ternura,
que ambos conseguissem ver como o pai estava orgulhoso pela vida dos dois e o
muito que contava com eles. Seus sonhos estavam desfocados. Talvez não fosse o
egoísmo que os cegasse, mas é possível que tenham cedido a uma tentação sutil:
preocupar-se somente do que tinham em mãos, esquecendo-se de se deixar amar por
aquele que lhes tinha dado tudo. Talvez, sem o perceberem, tinham posto uma
barreira a esse amor. Enquanto o jovem imaginava o que poderia fazer longe de
seu lar, o mais velho contabilizava o que já tinha entesourado. Os dois
pensavam que tinham um patrimônio, mas, na realidade, o estavam guardando em
bolsas furadas. O mais velho suportava a vida, à espera do prêmio que
acreditava merecer, enquanto o mais novo não quis esperar e pediu a herança. No
final, ambos pediam o mesmo: a sua recompensa.
A alegria paterna de tê-los perto
Os dois irmãos, prisioneiros de suas seguranças, eram
incapazes sequer de desconfiar o que acontecia a tão pouca distância, no
coração de seu pai. Talvez os dois, cada um à sua maneira, tivessem considerado
o diálogo com o pai como uma tarefa a mais a cumprir. Talvez algo parecido
possa acontecer conosco. Temos tantas atividades todos os dias, na maioria
boas, que podemos gastar toda a nossa energia em executá-las. Inclusive os
momentos em que queremos dialogar com Deus podem se converter simplesmente em
uma tarefa a mais. Ao irmão mais jovem possivelmente lhe custasse muito essa
rotina, necessitava de algo mais intenso e sensível. O mais velho, por outro
lado, a havia incorporado regularmente na sua vida, mas não saboreava isso. A
crise era iminente e é desencadeada pelo regresso do mais novo. Esse é o
momento em que todos mostram suas cartas.
Então, enquanto o mais novo só se atreve a pedir que possa
voltar como um servo, mesmo que seja o último, somos informados que o maior não
se sentia bem pago. Mas o pai tem uma jogada de mestre: enquanto premia o mais
novo com uma festa como nunca se havia celebrado, lembra ao mais velho que, na
realidade, tudo pertence a ele. O pai procura reconciliar os seus filhos. Não
lhe dói o pecado de um ou de outro por si mesmo, mas pelo que eles sofrem: “não
choreis sobre mim, mas chorai (...) sobre vossos filhos” (Lc 23,28). O pai os
coloca frente a frente para que aprendam a amar-se com o amor com que ele os
ama.
Romper a nossa bolha e ver como o Senhor se comove é voltar
à casa paterna. É reconhecer que, mais que uma tarefa, a relação com o nosso
Pai Deus é um dom. Nenhum dos dois filhos tinha sido capaz de apreciar esse
esbanjamento de ternura do pai até que ambos comprovam o frio que congela e a
solidão que oprime. Bastou um pequeno gesto para que compreendessem como são
amados: “e, movido de compaixão, correu-lhe ao encontro, o abraçou e o beijou”
(Lc 15,20); “filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu” (Lc
15,31). Seu pai se sente orgulhoso deles, apesar de não terem dado motivos. Nas
palavras de cada um, trazidas pela parábola, vemos somente o que eles fazem,
sentem ou pensam. Nas palavras do pai, ao contrário, fica plasmada a alegria de
tê-los perto.
São Josemaria era muito consciente deste tipo de situações,
tão comuns, mas, às vezes, ocultas. Podemos ansiar por novas sensações como o
filho mais novo ou ficar um pouco adormecidos como o filho mais velho. No
entanto, o fundador do Opus Dei via o mais terno carinho neste diálogo
cotidiano com o pai: “Plano de vida: monotonia? Os mimos de uma mãe...,
monótonos? Não dizem sempre a mesma coisa os que se amam? Quem ama cuida dos
detalhes”[2].
Por meio destes encontros nos concentramos na alegria de Deus por ter-nos
perto.
Uma aliança desejada
“Não é emancipando-nos da casa do Pai que somos livres, mas
abraçando a nossa condição de filhos”[3] e,
portanto, de irmãos. Pode ser que o mais novo saísse para procurar o irmão.
Talvez o mais velho tenha cedido, entrado e terminado por abraçar o mais novo,
a quem com certeza não tinha deixado de amar. A felicidade não seria completa
se a reconciliação com o pai não implicasse também o perdão pelos agravos,
reais ou imaginários, entre irmãos. O Papa Francisco nos confiou um de seus
grandes desejos: “ultimamente levo no coração um pensamento. Sinto que é isso o
que o Senhor quer que eu diga: que se faça uma aliança entre jovens e idosos”[4].
Para o mais jovem, era difícil compreender o valor da perseverança do seu
irmão: anos e anos cumprindo com sua obrigação. Ao mais velho parecia
incompreensível a insensatez do mais novo. Acontecia com eles exatamente o
contrário do que acontecia com seu pai, que não entendia a vida sem seus
filhos. Ambos lhe faziam falta, cada um com a sua forma de ser e de amar.
Se tivessem chegado a olhar-se entre eles com os olhos
paternos, teriam se sentido contemplados de outra forma, porque nesse olhar não
cabem os juízos nem as reprimendas. Talvez, com o tempo, as bolotas dadas aos
porcos chegariam a ser motivo de brincadeiras familiares. Talvez o pai, pouco
depois, organizaria um banquete surpresa para seu filho mais velho e seus
amigos, sem mais motivo que demonstrar-lhe seu carinho e, inclusive, o mais
novo ajudaria a prepará-lo. Nenhum dos dois consegue ser feliz até encontrar
com seu pai e compreender o irmão. Aprendem a deixar-se amar, amando-se um ao
outro como são.
Enquanto o filho mais novo se concentrou em receber amor, o
mais velho se concentrou em cumprir a sua parte do trabalho. Nenhuma das duas
atitudes é valiosa em si mesma. Cumprir sem amor cansa e desgasta até que, no
final, a corda arrebenta. Por outro lado, desejar ser amado sem corresponder é
impossível, e assim a corda também acaba se arrebentando. Por isso, seu pai os
ensina a viver juntos e integrar fidelidade e amor. Cada um deles pode aprender
tanto do outro! Por meio do relacionamento com seu pai, intuem como se pode
fazer as coisas por amor, livremente, porque querem. Ninguém como Cristo,
verdadeiro irmão mais velho, conseguiu unir os dois aspectos com tanta
fidelidade e felicidade. “Não houve na história da humanidade um ato tão
profundamente livre como a entrega do Senhor na Cruz”[5].
Os dois irmãos se necessitam. Separados, naufragam na amargura e o pai sofre.
Juntos, fazem-no feliz. O jovem tem toda a força e o ímpeto de seus desejos de
receber carinho. Está estreando o amor. “Lembro-me – dizia são Josemaria de que
tive uma grande alegria quando soube que os portugueses chamam aos jovens os
novos. E é o que são”[6].
O mais velho, por sua parte, lutou muitas batalhas e, ainda
que a princípio não se alegra, seu coração não negará o pedido de seu pai. O
mais novo, no fundo, talvez agradeça que o irmão mais velho tenha lhe tenha
dado cobertura e nunca tenha abandonado o lar. Concentrar-se no amor é a
solução para os dois: olhar seu pai, receber o seu Espírito, e amar a quem ele
ama com a sua liberdade, porque o desejam de verdade. “O amor de nossos irmãos
e irmãs nos dá a segurança de que necessitamos”[7] para
continuar lutando por amar mais o nosso pai Deus.
* * *
Podemos obter a força para superar a mesquinhez do nosso
coração no banquete em que aprendemos de verdade a ser filhos: “Talvez nos
tenhamos perguntado algumas vezes como podemos corresponder a tanto amor de
Deus; talvez nesses momentos tenhamos desejado ver claramente exposto um
programa de vida cristã. A solução é fácil e está ao alcance de todos os fiéis:
participar amorosamente da Santa Missa, aprender na Missa a ganhar intimidade
com Deus, porque neste Sacrifício se encerra tudo o que o Senhor quer de nós”[8].
Em Cristo, Filho único do Pai, ambos são capazes de
portar-se como filhos e, portanto, como irmãos. Participando juntos no banquete
do novilho cevado, calçam as sandálias novas para percorrer o mundo inteiro,
vestem a túnica com o perfume de sua casa e colocam o anel da fidelidade do seu
pai. Então começa a festa, na que nunca mais deixarão de cantar louvores a um
pai que cuida deles e os compreende.
Talvez nos tenha chamado a atenção alguma vez que não
aparecesse a mãe dessa família. Não sabemos a razão, mas talvez possamos
imaginar que a Virgem Maria, mãe de Deus e nossa mãe, sempre nos ajuda a ter o
olhar colocado no amor do Pai. Para voltar para casa, para concentrar-nos no
essencial, nada melhor que deixar-nos levar no colo de uma mãe que sussurra em
nosso ouvido: “Olhe como Deus ama você”.
Diego Zalbidea
Tradução: Mônica Diez
Foto: Maria Lindsey Multimedia Creator (Pexel)
[1] Cfr.
São João Paulo II, ex. ap. Reconciliatio et Paenitentia, nº 5-6.
[2] São
Josemaria, Guia de uma palestra, 22-VIII-1938. Citado en Caminho.
Edição Comentada, Quadrante, São Paulo, 2016, p.229.
[3] Mons.
Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 9-I-2018, nº 4.
[4] Francisco,
prólogo do livro A sabedoria das Idades, Editora Santuário, São
Paulo.
[5] Mons.
Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 9-I-2018, nº 3.
[6] São
Josemaria, Amigos de Deus, nº 31.
[7] Mons.
Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 1-XI-2019, nº 17.
[8] São
Josemaria, É Cristo que passa, nº 88.