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segunda-feira, 24 de novembro de 2025

A impressionante lista dos 117 santos mártires assassinados por ódio à fé no Vietnã

Nheyob / CC BY-NC 2.0

Aleteia Brasil - publicado em 24/11/17 - atualizado em 24/11/25

E são apenas os que puderam ser identificados...

A evangelização chegou ao Vietnã no século XVI e, enquanto muitos acolheram Jesus Cristo com alegria logo de início, também começou rapidamente uma perseguição brutal contra os cristãos.

Milhares de vietnamitas foram martirizados, entre eles bispos, sacerdotes, religiosos e leigos, incluindo alguns missionários espanhóis e franceses; embora muitos deles tenham sido enterrados de forma anônima, a sua lembrança ainda permanece bem viva na comunidade católica.

Desse grupo de valentes cristãos, São João Paulo II canonizou 117 católicos cujos nomes foram identificados. A canonização foi celebrada em 1988 e a festa litúrgica desses mártires foi fixada no dia 24 de novembro.

Dos 117 mártires canonizados, 75 foram decapitados, 22 estrangulados, 6 queimados vivos, 5 esquartejados e 9 condenados a morrer na cadeia, sofrendo torturas.

Public Domain

Esta é a impressionante lista desses 117 santos mártires do Vietnã:

1. André DUNG-LAC, Sacerdote 21-12-1839

2. Domingos HENARES, Bispo O.P. 25-06-1838

3. Clemente Inácio DELGADO CEBRIAN, Bispo O.P. 12-07-1838

4. Pedro Rosa Úrsula BORIE, Bispo M.E.P. 24-11-1838

5. José Maria DIAZ SANJURJO, Bispo O.P. 20-07-1857

6. Melchior GARCIA SAMPEDRO SUAREZ, Bispo O.P. 28-07-1858

7. Jerônimo HERMOSILLA, Bispo O.P. O1-11-1861

8. Valentim BERRIO OCHOA, Bispo O.P. 01-11-1861

9. Estevão Teodoro CUENOT, Bispo M.E.P. 14-11-1861

10. Francisco GIL DE FEDERICH, Sacerdote O.P. 22-O1-1745

11. Mateus ALONSO LECINIANA, Sacerdote O.P. 22-O1-1745

12. Jacinto CASTANEDA, Sacerdote O.P. 07-11-1773

13. Vicente LE OUANG LIEM, Sacerdote O.P. 07-11-1773

14. Emanuel NGUYEN VAN TRIEU, Sacerdote 17-09-1798

15. João DAT, Sacerdote 28-10-1798

16. Pedro LE TuY, Sacerdote 11-10-1833

17. Francisco Isidoro GAGELIN, Sacerdote M.E.P. 17-10-1833

18. José MARCHAND, Sacerdote M.E.P. 30-11-1835

19. João Carlos CORNAY, Sacerdote M.E.P. 20-09-1837

20. Vicente DO YEN, Sacerdote O.P. 30-06-1838

21. Pedro NGUYEN BA TUAN, Sacerdote 15-07-1838

22. José FERNANDEZ, Sacerdote O.P. 24-07-1838

23. Bernardo VU VAN DUE, Sacerdote 01-08-1838

24. Domingos NGUYEN VAN HANH (DIEU), Sacerdote O.P. 01-08-1838

25. Santiago Do MAI NAM, Sacerdote 12-08-1838

26. José DANG DINH (NIEN) VIEN, Sacerdote 21-08-1838

27. Pedro NGUYEN VAN TU, Sacerdote O.P. 05-09-1838

28. Francisco JACCARD, Sacerdote M.E.P. 21-09-1838

29. Vicente NGUYEN THE DIEM, Sacerdote 24-11-1838

30. Pedro VO BANG KHOA, Sacerdote 24-11-1838

31. Domingos TUOC, Sacerdote O.P. 02-04-1839

32. Tomás DINH VIET Du, Sacerdote O.P. 26-11-1839

33. Domingos NGUYEN VAN (DOAN) XUYEN, Sacerdote O.P. 26-11-1839

34. Pedro PHAM VAN TIZI, Sacerdote 21-12-1839

35. Paulo PHAN KHAc KHOAN, Sacerdote 28-04-1840

36. José DO QUANG HIEN, Sacerdote O.P. 09-05-1840

37. Lucas Vu BA LOAN, Sacerdote 05-06-1840

38. Domingos TRACH (DOAI), Sacerdote O.P. 18-09-1840

39. Paulo NGUYEN NGAN, Sacerdote 08-11-1840

40. José NGUYEN DINH NGHI, Sacerdote 08-11-1840

41. Martinho TA Duc THINH, Sacerdote 08-11-1840

42. Pedro KHANH, Sacerdote 12-07-1842

43. Agostinho SCHOEFFLER, Sacerdote M.E.P. 01-05-1851

44. João Luís BONNARD, Sacerdote M.E.P. 01-05-1852

45. Felipe PHAN VAN MINH, Sacerdote 03-07-1853

46. Lourenço NGUYEN VAN HUONG, Sacerdote 27-04-1856

47. Paulo LE BAo TINH, Sacerdote 06-04-1857

48. Domingos MAU, Sacerdote O.P. 05-11-1858

49. Paulo LE VAN Loc, Sacerdote 13-02-1859

50. Domingos CAM, Sacerdote T.O.P. 11-03-1859

51. Pedro DOAN LONG QUY, Sacerdote 31-07-1859

52. Pedro Francisco NERON, Sacerdote M.E.P. 03-11-1860

53. Tomás KHUONG, Sacerdote T.O.P. 30-01-1861

54. João Teofano VENARD, Sacerdote M.E.P. 02-02-1861

55. Pedro NGUYEN VAN Luu, Sacerdote 07-04-1861

56. José TUAN, Sacerdote O.P. 30-04-1861

57. João DOAN TRINH HOAN, Sacerdote 26-05-1861

58. Pedro ALMATO RIBERA, Sacerdote O.P. 01-11-1861

59. Paulo TONG VIET BUONG, Leigo 23-10-1833

60. André TRAN VAN THONG, Leigo 28-11-1835

61. Francisco Javier CAN, Catequista 20-11-1837

62. Francisco DO VAN (HIEN) CHIEU, Catequista 25-06-1838

63. José NGUYEN DINH UPEN, Catequista T.O.P. 03-07-1838

64. Pedro NGUYEN DicH, Leigo 12-08-1838

65. Miguel NGUYEN HUY MY, Leigo 12-08-1838

66. José HOANG LUONG CANH, Leigo T.O.P. 05-09-1838

67. Tomás TRAN VAN THIEN, Seminarista 21-09-1838

68. Pedro TRUONG VAN DUONG, Catequista 18-12-1838

69. Paulo NGUYEN VAN MY, Catequista 18-12-1838

70. Pedro VU VAN TRUAT, Catequista 18-12-1838

71. Agostinho PHAN VIET Huy, Leigo 13-06-1839

72. Nicolau BUI DUC THE, Leigo 13-06-1839

73. Domingos (Nicolau) DINH DAT, Leigo 18-07-1839

74. Tomás NGUYEN VAN DE, Leigo T.O.P. 19-12-1839

75. Francisco Javier HA THONG MAU, Catequista T.O.P. 19-12-1839

76. Agostinho NGUYEN VAN MOI, Leigo T.O.P. 19-12-1839

77. Domingos Bui VAN UY, Catequista T.O.P. 19-12-1839

78. Estevão NGUYEN VAN VINTI, Leigo T.O.P. 19-12-1839

79. Pedro NGUYEN VAN HIEU, Catequista 28-04-1840

80. João Batista DINH VAN THANH, Catequista 28-04-1840

81. Antônio NGUYEN HUU (NAM) QUYNH, Leigo 10-07-1840

82. Pedro NGUYEN KHAC Tu, Catequista 10-07-1840

83. Tomás TOAN, Catequista T.O.P. 21-07-1840

84. João Batista CON, Leigo 08-11-1840

85. Martinho THO, Leigo 08-11-1840

86. Simão PHAN DAc HOA, Leigo 12-12-1840

87. Inês LE THi THANH (DE), Leiga 12-07-1841

88. Mateus LE VAN GAM, Leigo 11-05-1847

89. José NGUYEN VAN Luu, Catequista 02-05-1854

90. André NGUYEN Kim THONG (NAM THUONG), Catequista 15-07-1855

91. Miguel Ho DINH HY, Leigo 22-05-1857

92. Pedro DOAN VAN VAN, Catequista 25-05-1857

93. Francisco PHAN VAN TRUNG, Leigo 06-10-1858

94. Domingos PHAM THONG (AN) KHAM, Leigo T.O.P. 13-01-1859

95. Lucas PHAM THONG (CAI) THIN, Leigo 13-01-1859

96. José PHAM THONG (CAI) TA, Leigo 13-01-1859

97. Paulo HANH, Leigo 28-05-1859

98. Emanuel LE VAN PHUNG, Leigo 31-07-1859

99. José LE DANG THI, Leigo 24-10-1860

100. Mateus NGUYEN VAN (NGUYEN) PHUONG, Leigo 26-05-1861

101. José NGUYEN DUY KHANG, Catequista T.O.P. 06-11-1861

102. José TUAN, Leigo 07-01-1862

103. José TUC, Leigo 01-06-1862

104. Domingos NINH, Leigo 02-06-1862

105. Domingos TORI, Leigo 05-06-1862

106. Lourenço NGON, Leigo 22-05-1862

107; Paulo (DONG) DUONG, Leigo 03-06-1862

108. Domingos HUYEN, Leigo 05-06-1862

109. Pedro DUNG, Leigo 06-06-1862

110. Vicente DUONG, Leigo 06-06-1862

111. Pedro THUAN, Leigo 06-06-1862

112. Domingos MAO, Leigo 16-06-1862

113. Domingos NGUYEN, Leigo 16-06-1862

114. Domingos NHI, Leigo 16-06-1862

115. André TUONG, Leigo 16-06-1862

116. Vicente TUONG, Leigo 16-06-1862

117. Pedro DA, Leigo 17-06-1862

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Fonte: https://pt.aleteia.org/2017/11/24/a-impressionante-lista-dos-117-santos-martires-assassinados-por-odio-a-fe-no-vietna/

Papa aos Servos de Maria: sejam sinais de paz num mundo marcado por conflitos

Papa Leão XIV com membros dos Servos de Maria (@Vatican Media)

"Ser Servos em um mundo polarizado, construir o que nos une valorizando as diferenças" é o tema do Capítulo Geral dos Servos de Maria, Ordem quase única na história das congregações religiosas, pois não nasceu em torno de um único fundador, mas de um grupo de sete amigos.

Vatican News

O Papa Leão XIV recebeu em audiência na manhã desta segunda-feira, 24 de novembro, os participantes do Capítulo Geral de número 215 dos Servos de Maria. Todo evento do gênero, afirmou o Pontífice em seu discurso, constitui um retorno às fontes e, ao mesmo tempo, um olhar para o futuro. As duas coisas não podem ser separadas: quanto mais se volta às origens, mais capaz se torna de criatividade e profecia.

Retornar às fontes significa recuperar três dimensões: o Evangelho, a Regra - neste caso a de Santo Agostinho - e o clamor dos pobres, expresso pelo tema do Capítulo: "Ser Servos em um mundo polarizado, construir o que nos une valorizando as diferenças".

Papa discursa aos Servos de Maria   (@Vatican Media)

Portadores de amizade e paz

E para que possam viver esse retorno triplo ao máximo, não só nestes dias, mas sempre, o Santo Padre recomendou três meios, típicos da própria tradição: fraternidadeserviço e espiritualidade mariana.

Quanto à primeira, a fraternidade, Leão XIV ressaltou o fato de que a Ordem dos Servos de Maria é um caso quase único na história das congregações religiosas, pois não nasceu em torno de um único fundador, um  líder carismático, mas em torno de um grupo de sete amigos: um verdadeiro grupo evangélico.

“Em um mundo como o nosso, isso é sinal de uma tarefa e vocação particulares: viver e trazer fraternidade, especialmente onde as pessoas estão divididas por conflitos, riqueza, diferenças culturais, raça ou religião. Em todos esses contextos, vocês são chamados a serem portadores de amizade e paz, assim como os "Sete" que, em suas cidades, embora divididos por ódios fratricidas, tornaram-se portadores de reconciliação e caridade.”

A vida segundo o Evangelho

E isso leva ao segundo meio: o serviço. É significativo ter escolhido ser e se chamar "Servos", e que a fundação tenha dado seus primeiros passos no contexto de um hospício para os pobres: o Hospital Fonte Viva del Bigallo. Lá, seus fundadores se colocaram a serviço dos doentes, peregrinos, mulheres pobres: em suma, os últimos de seu tempo. A vida segundo o Evangelho é assim, disse o Papa: “é a paixão por Deus e pelo homem, que nos leva a amar o céu e a terra com a mesma intensidade”.

Leão XIV encorajou os membros da Ordem em seu serviço aos pobres – imigrantes, presos, doentes – assim como em seu compromisso de promover uma ecologia integral para a proteção da criação e das pessoas nos lugares onde trabalha.

Por fim, o terceiro meio: espiritualidade mariana. O Pontífice enalteceu o trabalho realizado por meio da Faculdade Teológica Marianum, bem como pelo cuidado pastoral dos muitos santuários marianos que lhe foram confiados.

“Queridos amigos, que Maria, presente na Cruz, forte e fiel, mostre a vocês como estar ao lado das inúmeras cruzes onde Cristo ainda sofre em seus irmãos e irmãs, para trazer conforto, comunhão, ajuda e o precioso pão do afeto”, concluiu o Santo Padre, concedendo a todos a sua bênção apostólica.

Papa Leão XIV com membros dos Servos de Maria (@Vatican Media)
Papa Leão XIV com membros dos Servos de Maria (@Vatican Media)
Papa Leão XIV com membros dos Servos de Maria (@Vatican Media)

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt/

JOÃO PAULO I: Aquele encontro em Fátima (Parte 2/2)

Albino Luciani com Monsenhor Mario Senigaglia, secretário do Patriarca de setembro de 1969 a outubro de 1976, em Veneza, em 1970 | 30Giorni.

JOÃO PAULO I

Arquivo 30Dias nº 01 – 2007

Aquele encontro em Fátima

Em julho de 1977, Albino Luciani conheceu a Irmã Lucia. Como aconteceu esse encontro e como ele se desenrolou? Pela primeira vez, o secretário do Patriarca Luciani relata e revela... Uma entrevista com Monsenhor Mario Senigaglia.

Entrevista com Mario Senigaglia por Stefania Falasca

Ela encontrou Luciani ao retornar de Fátima. O que ele lhe disse?
SENIGAGLIA: Lembro-me de entrar em seu escritório e ele dizer: "Sente-se". Isso significava que ele estava disposto a conversar. Ele me contou sobre a viagem, a atmosfera de oração autêntica e os comoventes atos de penitência que presenciou em Fátima. Sobre os peregrinos que fizeram a longa jornada descalços sobre as pedras da esplanada , sob o sol, e sobre as mulheres piedosas que, quando necessário, tratavam os pés desses peregrinos na chegada. Falamos então sobre a diferença com Lourdes e depois novamente sobre essas diferentes formas de piedade, e conforme a conversa prosseguia, em certo momento, perguntei-lhe sobre Coimbra: "Sei que o senhor esteve lá e também teve a oportunidade de conhecer a Irmã Lúcia..." E ele disse: "Sim, sim, eu a vi... Ah! ' Essa freira bendita '", disse-me ele, "ela pegou minhas mãos nas suas e começou a falar..." Ele ficou ali parado, pensando por um instante, com as mãos juntas, e continuou: "... Essas freiras malditas, uma vez que começam a falar, nunca mais param..." Ele me disse, porém, que não havia falado sobre as aparições e que apenas lhe perguntara algo sobre a famosa "dança do sol".

E depois?
SENIGAGLIA: E foi isso. Chegamos ao cerne da questão veneziana. Antes de encerrar o assunto, porém, eu lhe disse, já que eu era o editor da Gente Veneta na época : "Sua Eminência, por que o senhor não escreve um artigo sobre esse encontro?" E ele disse: "Está bem, com prazer, farei isso." E foi isso que ele escreveu em seguida.

Ele se refere ao relatório publicado em 23 de julho de 1977...
SENIGAGLIA: Exatamente. E lá ele escreveu o que havia me mencionado e tudo o que tinha em mente dizer sobre o assunto. Ele escreveu, não sem seu habitual bom humor , sobre a natureza jovial e a fala rápida da pequena freira, que insistia com tanta energia e convicção na necessidade de freiras, padres e cristãos com cabeças fortes hoje, e sobre o interesse apaixonado que ela demonstrava, em seu discurso, por tudo o que dizia respeito à Igreja e seus problemas urgentes. Ele então escreveu que as revelações, mesmo as aprovadas, não são artigos de fé, que se pode pensar o que quiser sobre o assunto sem prejudicar a própria fé, e concluiu com o que sempre repetia sobre o significado desses lugares marianos, ou seja: que aparições, não aparições, mensagens, não mensagens, os santuários estão lá apenas para nos lembrar do ensinamento do Evangelho, que é orar.

Ele alguma vez voltou a abordar esse assunto com ela?
SENIGAGLIA: Não. Terminou aí. E, para ser honesta, eu nem estava curiosa o suficiente para perguntar mais nada. Mesmo que houvesse oportunidades, se quiséssemos. No dia 26 daquele mesmo mês, partimos juntas para o santuário mariano de Pietralba, no Alto Adige, como fazíamos todos os anos. E ficamos lá até 5 de agosto. Dez dias. Lembro-me de que passamos esses dias tranquilamente, fazendo longas caminhadas nas montanhas.

E a Marquesa, teve a oportunidade de vê-la novamente depois? O que ela lhe disse sobre esse encontro?
SENIGAGLIA: Eu a vi novamente em Veneza, em setembro, durante a Bienal. Ela me disse que havia ficado satisfeita com a peregrinação. Que a Irmã Lúcia também havia ficado satisfeita e que, conversando com ela depois, a freira lhe disse que achava Luciani uma pessoa maravilhosa.

Ela fez alguma outra referência às palavras da Irmã Lúcia?
SENIGAGLIA: Não.

Mas isso não significa que eles não quisessem relatar outra coisa... Luciani anotava fatos e reflexões estritamente pessoais?
SENIGAGLIA: Diários pessoais... Ele não mantinha nenhum. Nem mesmo o tipo de diário espiritual, como os diários da alma de Roncalli, por exemplo. Deixe-me contar um episódio.

Histórias...
SENIGAGLIA: Após a morte do Cardeal Urbani, antecessor de Luciani na Sé de Veneza, de quem eu era secretário e cujo testamento fui nomeado executor, me vi com uma grande quantidade de seus escritos particulares com referências a pessoas, coisas e até eventos delicados. Então, fui pedir conselhos a Luciani sobre como deveria proceder a esse respeito. Ele me deu seus conselhos e, em seguida, comentou rindo: "Dom Mario, não se preocupe, no que me diz respeito, nunca lhe darei esses problemas."

Portanto, não há anotações particulares sobre esse encontro...
SENIGAGLIA: Esse tipo de escrita não era exatamente da sua natureza, do seu estilo. Metódico e organizado, ele possuía, no entanto, um vasto arquivo de anotações e esboços de suas leituras. Uma rica biblioteca de notas, na qual os tópicos eram divididos em temas e que ele continuamente reabastecia com critérios jornalísticos. Elas eram rabiscadas em diários antigos e naqueles cadernos que ele usava antes, com linhas, capa preta e borda vermelha. E esse arquivo era usado por ele para preparar sermões, discursos ou artigos de jornal. Quando foi a Roma para o conclave, ligou para mim e pediu que eu lhe enviasse os diários nos quais havia anotado suas observações sobre os documentos do Concílio. Quando fez seus primeiros discursos como Papa, eu poderia dizer de qual diário e qual página ele havia retirado as informações: eram os escritos dos quais ele tantas vezes se inspirava para seus discursos. Portanto, para entender seus pensamentos e sua postura, inclusive em relação aos eventos de Fátima, basta observar o que ele disse e escreveu publicamente.

Ele já havia falado sobre os eventos de Fátima?
SENIGAGLIA: Sim. Extensivamente. Mesmo no septuagésimo aniversário das aparições. Ele revisitou a história delas, a atitude da Igreja e a atitude que os fiéis deveriam ter em relação a esses eventos. Seu pensamento era marcado por extrema cautela, que também considerava inadequados aqueles que, aceitando as aparições como verdadeiras, as exploravam, distorcendo-as para servir a propósitos políticos ou similares, sem relação com as próprias aparições. Em suma, esses escritos nos falam sobre sua maneira de avaliar e julgar os eventos, e também sobre sua maneira de ser, de se relacionar, que é a de um homem impermeável a sugestões, equilibrado, focado no essencial e que observa com uma ironia sutil, aguda e desmistificadora. Ele desmistificava tudo. Até mesmo a si próprio e seus próprios encontros.

Um ano depois, em março de 1978, porém, houve um episódio que esteve na raiz de declarações subsequentes sobre aquele encontro em Fátima. Luciani contou ao irmão, Edoardo, que havia conhecido a Irmã Lúcia e, vendo-o transtornado, Edoardo associou esse fato às previsões que a freira havia feito sobre o seu futuro…
SENIGAGLIA: Essas são impressões, hipóteses, deduções pessoais que Edoardo expressou imediatamente após a morte do irmão. E para as quais não posso responder. Edoardo, porém, não sabia como essa circunstância havia se desenrolado. Luciani apenas lhe disse que havia conhecido a Irmã Lúcia. Nada mais.

O cardeal Albino Luciani atravessa a Praça de São Marcos, que está inundada pela cheia | 30Giorni.

Mas essa inquietação permanece...
SENIGAGLIA: Mas quantas vezes, quando fomos visitar as freiras enclausuradas em Veneza, eu o ouvi comentar depois: "Essas mulheres abençoadas... elas nunca saem e não perdem nada... elas conhecem os problemas da Igreja melhor do que nós!" Ele conversou com a Irmã Lúcia sobre essas coisas em geral. Sobre a Igreja com seus problemas atuais e agudos, o perigo da apostasia. Ele disse isso. E então ele pode ter voltado a refletir sobre isso, não sem preocupação.

Em resumo, você nunca deu importância a esse encontro, nunca o relacionou à eleição de Luciani e à sua morte repentina...
SENIGAGLIA: Não. Nem antes nem depois de sua morte. Eu lhe disse. Veja, eu vi Luciani novamente naquela manhã, quando ele saiu de Veneza para o conclave. Ele estava preparado para o que aconteceria naquele conclave; ele sabia, estava ciente disso. Assim como os outros. Nenhuma surpresa. Bispos e cardeais de todo o mundo vieram visitá-lo em Veneza. Todos o conheciam, todos o respeitavam. Afinal, ele já havia sido escolhido em 1972. Aqui mesmo, em Veneza, Paulo VI colocou a estola sobre seus ombros. É sabido. Aquilo foi mais do que uma verdadeira profecia ad personam . E diante dos olhos de todos. Mais do que isso... não havia necessidade de mais nada. Então, isso é tudo, no que diz respeito a Luciani. Quanto a Cadaval...

Quanto a Cadaval?
SENIGAGLIA: Ela morreu quase centenária em 1997. Vinte anos depois daquele encontro em Coimbra, portanto. E até o fim permaneceu ativa e lúcida. Ela nunca fez qualquer alusão, nem eu jamais intuí, por suas palavras, o menor indício da premonição ou das profecias da Irmã Lúcia a respeito de Luciani. No ano anterior à morte de Cadaval, em junho de 1996, enquanto eu estava em Fátima para exercícios espirituais, celebrei missa no convento de Coimbra com outro sacerdote, e a Marquesa também nos permitiu encontrar brevemente a Irmã Lúcia. Ela até gentilmente nos ofereceu um carro para nos levar e trazer de volta. Isso também diz muito sobre a amizade que se desenvolveu e continuou ao longo do tempo com ela, e sobre quantas oportunidades eu tive, em todos esses anos desde a morte de Luciani, de vê-la e conversar com ela.

Com licença... mas por que você nunca me contou todas essas coisas antes?
SENIGAGLIA: ...Eles não me perguntaram. Se tivessem perguntado, eu teria respondido. Se tudo se transforma em um conto de fadas, estamos apenas perdendo tempo perseguindo fantasias.

Fonte: https://www.30giorni.it/

NEUROCIÊNCIA: Estudo revela que ter amigos é bom para a saúde

Amigos se abraçando: quanto mais fortes os vínculos, mais lento se mostra o envelhecimento celular - (crédito: Freepik)

Pesquisa mostra como a construção e o acúmulo de laços sociais fortes e profundos servem como uma espécie de "conta de aposentadoria biológica", gerando benefícios à saúde por toda a vida.

Por Isabella Almeida

postado em 23/11/2025 04:50

Cultivar bons laços sociais e amizades fortes não é somente uma questão de bem-estar emocional, mas pode ser, também, um fator determinante para a saúde física e o funcionamento do cérebro. Estudos recentes reforçam que conexões profundas e duradouras influenciam desde processos biológicos fundamentais do envelhecimento até padrões de comportamento e atividade neural.

Uma pesquisa publicada na revista Brain, Behavior and Immunity Health, baseada em dados de mais de 2.100 adultos, revelou que o acúmulo das chamadas vantagens sociais ao longo da vida — que vão do afeto parental na infância às relações comunitárias, de fé e de amizade na vida adulta — está associado a um envelhecimento biológico mais lento. 

Os pesquisadores, liderados por Anthony Ong, professor de psicologia da Universidade Cornell, observaram que indivíduos que desenvolveram mais vínculos sólidos apresentaram perfis mais jovens.

Essa vantagem também se refletiu em níveis mais baixos de inflamação crônica, incluindo concentrações reduzidas de interleucina-6 — molécula associada a doenças cardíacas, diabetes e neurodegeneração. No entanto, os cientistas não encontraram relações significativas entre essas vantagens sociais e marcadores de estresse de curto prazo, como o hormônio cortisol, sugerindo que o impacto positivo dos vínculos sociais ocorre por vias biológicas mais duradouras.

O professor Ong destaca que o diferencial do estudo foi a abordagem multidimensional das relações. Em vez de considerar fatores isolados — como ser casado ou ter muitos amigos —, os pesquisadores analisaram a trajetória completa dos elos. "A vantagem social cumulativa está ligada à profundidade e à amplitude das suas conexões ao longo da vida. Esses recursos se somam e se reforçam, moldando a saúde de maneiras mensuráveis." Para o autor principal, investir cedo e continuamente em vínculos significativos funciona como "uma conta de aposentadoria biológica": quanto mais sólida, mais lento o processo de envelhecimento celular.

Isolamento envelhece

Fernanda Rasia, psiquiatra do instituto Inki, conta como, de acordo com alguns estudos, o isolamento social, ou a perda de vínculos afetivos significativos, acelera o envelhecimento celular por meio do aumento da ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) — que atua na regulação neuroquímica e hormonal. "Isso acaba causando uma elevação sustentada de cortisol, além de uma maior produção de citocinas pró-inflamatórias e a desregulação de neurotransmissores."

Conforme Rasia, esses processos aumentam a vulnerabilidade a transtornos psiquiátricos, tanto por mecanismos diretos de neuroinflamação e estresse oxidativo, quanto pela deterioração da plasticidade neural. "De forma oposta, as amizades de longo prazo parecem atuar na modulação da atividade do sistema nervoso autônomo, na liberação de neuromoduladores como oxitocina e dopamina. Relações sociais estáveis reduzem a ativação crônica do HHA, o que diminui o risco de inflamação sistêmica."

Outra pesquisa, publicada na revista JNeurosci por Jia Jin e colegas da Universidade de Estudos Internacionais de Xangai, na China, complementa esse panorama ao investigar como as amizades influenciam o cérebro e o comportamento. Em experimentos com 175 participantes e neuroimagem de 47 voluntários, os cientistas descobriram que amigos tendem a avaliar produtos de maneira mais parecida e que essa semelhança aumenta conforme o vínculo se aprofunda.

Sincronização neural

As imagens cerebrais revelaram sincronização de atividade neural enquanto amigos assistiam a anúncios juntos. As áreas ativadas estavam ligadas a percepção visual, atenção, memória, julgamento social e processamento de recompensas. Mais surpreendente ainda, padrões de atividade cerebral podiam prever não só as intenções de compra do próprio participante, mas também as de seus amigos próximos.

Segundo os autores, essa convergência neural ajuda a explicar como relações sociais influenciam comportamentos cotidianos, especialmente no consumo. Quanto mais forte a amizade, maior a tendência de alinhamento entre escolhas e preferências.

Conforme Izabelle Santos, psicóloga hospitalar do Hospital Anchieta, em Brasília, as evidências científicas reforçam que cuidar das relações é uma forma de olhar para a própria saúde. "Investimentos consistentes em vínculos sociais trazem benefícios emocionais e biológicos. Envelhecer bem envolve manter-se saudável e conectado, já que o afeto acolhe, fortalece e também protege o corpo."

PALAVRA DE ESPECIALISTA

Cuidado integral

A qualidade das amizades exerce um papel determinante no bem-estar emocional e físico. Isso ocorre porque conexões afetivas de qualidade fortalecem a sensação de apoio emocional, regulam respostas ao estresse e influenciam processos fisiológicos essenciais, contribuindo para uma vida mais saudável e equilibrada. As intervenções psicológicas têm um papel fundamental no fortalecimento das redes de apoio. A meia-idade e a velhice são períodos marcados por mudanças, perdas e redefinições que podem favorecer o isolamento. No consultório, o psicólogo pode auxiliar o paciente no desenvolvimento de habilidades sociais, na ressignificação de vínculos e no engajamento em atividades que favoreçam a convivência. Estratégias terapêuticas que incentivam a participação comunitária e o reconhecimento das próprias necessidades emocionais ajudam a reconstruir laços e a ampliar o senso de pertencimento. Dessa forma, o indivíduo se conecta novamente a relações que sustentam não somente a saúde emocional, mas também a fisiológica.

Izabelle Santos, psicóloga hospitalar do Hospital Anchieta

Remédio para o envelhecimento

Ajudar um amigo de forma prática, auxiliando nas atividades domésticas, preparando uma refeição ou buscando alguma encomenda pode ajudar no bom humor dos idosos. É o que revelou uma nova pesquisa da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, publicada recentemente na revista Research on Aging, que se aprofundou no impacto emocional do apoio da amizade na terceira idade. 

Crystal Ng, coautora do estudo e pesquisadora da Universidade de Miami, destacou que, apesar da resistência masculina, as amizades têm benefícios únicos para ambos os sexos, algo que nem mesmo a família não consegue substituir. "Como os amigos são escolhidos e geralmente trazem alegria, eles podem ser especialmente importantes para o bem-estar emocional na terceira idade, particularmente para aqueles que são solteiros, viúvos, divorciados ou não têm filhos", disse ela.

Na terceira idade, amizades ajudam a fortalecer senso de pertencimento(foto: Freepik)

A pesquisa é uma das primeiras a examinar, em contextos cotidianos, como a convivência com amigos próximos influencia o humor diário de pessoas mais velhas e como essas relações variam entre homens e mulheres. Para o estudo, os pesquisadores entrevistaram 180 idosos com idade média de 74 anos, que relataram suas interações de apoio e humor a cada três horas, durante cinco ou seis dias. 

O amparo emocional liderou a lista de formas pelas quais os idosos ajudam seus amigos, segundo o estudo, seguido por conselhos e assistência prática. "Existe o estereótipo de que, na velhice, os idosos geralmente só recebem apoio por serem frágeis, mas muitos idosos ainda oferecem ajuda", disse Ng. 

Conexão ativa

As descobertas destacaram novas chances para alimentar o bem-estar e a conexão na terceira idade. Segundo Ng, ações práticas podem refletir um envolvimento ativo e externo e, muitas vezes, envolvem esforço físico ou cognitivo, o que pode reforçar o senso de propósito e utilidade dos idosos. Para os homens mais velhos, em particular, promover essas formas ativas e práticas de ajudar pode se revelar especialmente valioso a longo prazo. 

Para a psicóloga e psicanalista Silvia Oliveira, de Brasília, quando se fala de apoio emocional na velhice, se aborda também o legado. "Muitos idosos desejam deixar marcas positivas em seus vínculos, mas esbarram em modelos rígidos que seguiram por décadas. Reconhecer essas barreiras é o primeiro passo para construir relações mais acolhedoras."

E prossegue: "Vale lembrar: nunca é tarde para aprender novas formas de cuidar e ser cuidado". Segundo ela, o desenvolvimento emocional continua ao longo de toda a vida, e pequenas mudanças de postura podem transformar profundamente a qualidade das relações e a saúde mental na idade avançada.

Além do apoio social diário aos amigos, os pesquisadores planejam examinar no futuro a generosidade baseada na amizade. Além disso, pretendem investigar em pesquisas futuras quem motiva os amigos a prestar cuidados.

Isabella Almeida +

Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/ciencia-e-saude/2025/11/7296158-estudo-revela-que-ter-ter-amigos-e-bom-para-a-saude.html

As "mil Ave-Marias", uma antiga devoção mariana

O abade Mechitar e Nossa Senhora | Vatican News.

A oração da Ave-Maria, que nasceu no Ocidente entre os séculos XIV e XV e foi difundida entre os armênios, graças ao Servo de Deus, abade Mechitar, ainda existe na Ordem Mechitarista dos Padres Armênios, em Veneza, e em algumas aldeias católicas armênias na Geórgia.

Padre Kevork Sarkissian, OMM

No percurso da vida há sinais indicativos, que designam o caminho certo. Para os que pertencem à Igreja de Cristo, o próprio Deus deu uma Mãe para guiar, ensinar e acompanhar todos ao longo de suas vidas, pois, sem esta Mestra amorosa, o homem pode se perder. A maternidade da Virgem Maria é uma graça indefinível para todos os cristãos que a acolhem filialmente. Em 1970, o Papa São Paulo VI, em um discurso, no santuário de Bonaria, Sardenha, disse: “Se quisermos ser chamados cristãos, devemos ser marianos, ou seja, devemos reconhecer a relação essencial, vital e providencial, que une a Virgem Maria a Jesus, que nos abre o caminho que conduz a Ele”.

Do Ocidente ao Oriente

O Servo de Deus, Abade Mechitar (1676-1749), fundador da Ordem Mechitarista e renovador do monasticismo armênio, foi um dos promotores da devoção mariana, sobretudo, a oração do Santo Rosário, entre os povos do mundo oriental. Assim, em 1735, publicou, em língua armênia, o Tetrak Rosari ou Caderno do Rosário.

Mechitar, "grande entre os grandes", como o descreveu o escritor armênio, Shavarsh Narduni, consagrou a sua Congregação à Santíssima Virgem Maria, quando a fundou em 1700. O biógrafo de Mechitar, Padre Stepanos Akonz, em seu livro intitulado "História da vida e obras de Mechitar de Sebaste", define assim a identidade da sua Ordem: “Ao sair da oração, repletos de consolação divina, unidos, uns aos outros, no Senhor e com seu superior e, em uníssono, num só corpo e numa só alma, estiveram unidos no serviço ao Senhor e à sua Mãe. Desde então, pela graça da Santíssima Virgem, passaram a adotar a seguinte inscrição, como próprio sigilo, em quatro letras iniciais: “Filhos adotivos da Virgem, Mestres (Vardapet) da Penitência Ո Կ Վ Ա, que indicam o carisma específico da Ordem fundada por intermédio da Bem-aventurada Virgem Maria”. A vida peregrina e os hinos do Fundador são um bom exemplo de seu amor e devoção filial mariana.

A visão da Virgem

Esta materna proteção começara já em 1692, quando Mechitar, ainda jovem diácono, estava no mosteiro de Sevan, Armênia, onde recebera o dom de uma visão da Virgem Maria, que lhe perguntou: "O que você quer, Mechitar?" E ele respondeu: "O que a Senhora quiser". E a Mãe acrescentou: "Assim seja". Eis o ponto central da devoção mariana de Mechitar, como explica o Padre Stepanos Akonz: “Desde então, a imagem maravilhosa desta visão jamais se dissipou em sua mente e sempre a tinha diante dos olhos da mente em todas as suas orações. Para ele, esta imagem sempre foi também uma consolação diante de todos os sofrimentos e tribulações, pelos quais passou em sua vida”. Mas, o carisma e o coração do pensamento e da vida de Mechitar sempre foram cristocêntricos, como ele mesmo explica em seu testamento espiritual, na introdução do Dicionário armênio: “Desde o início, a minha missão e a da nossa Congregação sempre foi estar a serviço do povo armênio e da glória de Cristo nosso Deus, bendito para sempre”.

Maria, presente "sempre e em todo lugar"

Assim, Mechitar mantinha a Virgem Maria presente sempre e em todo lugar. Ele ensinou aos seus seguidores a Oração da Ave-Maria, que aprendera, ainda criança, com dois monges do eremitério de Lim, uma ilha no Lago Van, hoje na Turquia. Como escreve o Padre Torossian, os dois eremitas deixaram "nada mais que os exemplos de virtude e o bom costume de rezar, todos os dias, esta Saudação angélica”. Desde então, a piedade mariana passou de Mechitar aos Mechitaristas e, através deles, de seu exemplo constante e da publicação de seus textos, difundiu-se entre o povo, até os dias de hoje.

A antiquíssima devoção das “Mil Ave-Marias” nasceu no Ocidente, entre os séculos XIV e XV. Segundo a tradição, na noite de Natal de 1445, enquanto Santa Catarina de Bolonha recitava as Mil Ave-Marias, recebeu a aparição da Virgem Maria com o Menino Jesus, que lhe concedeu a graça de segurar o Menino Jesus em seus braços, por quinze minutos. Esta devoção mariana de rezar “Mil Ave-Marias” continuou com as Filhas da Santa, no Mosteiro de Corpus Christi, até certo ponto da história.

Uma devoção que continua

Hoje, esta devoção mariana continua ainda entre os Padres Mechitaristas e em algumas aldeias católicas armênias na Geórgia. A tradição local da aldeia é a seguinte: “Todas as famílias, das crianças aos idosos, reúnem-se e se ajoelham e rezam esta piedosa oração, sobretudo, em preparação ao Santo Natal. A família, que os Padres do Concílio Vaticano II chamam "igreja doméstica", ainda existe no Extremo Oriente”. Este Rosário meditativo-afetivo, sensível e materno, destaca quatro características de Maria: Mãe, dar à luz, amamentar e beijar seu Filho. Desta forma, Jesus, na totalidade do amor materno de Maria, é envolvido pelo abraço, nutrido com leite puro e, por fim, acariciado com seu santo beijo.

As dezenas do Rosário

O Santo Rosário tem início no dia 29 de novembro e termina com as “Mil Ave-Marias” em 23 de dezembro, ou seja, durante todo o período de Advento. No entanto, em 24 de dezembro, véspera de Natal, são contemplados os Mistérios Gozosos. A oração mariana divide-se em 25 dias: 40 Ave-Marias em cada dia, com um acréscimo especial para cada dezena. Na tradição armênia, este número de Ave-Marias também é chamado “Rosário de Ouro”, que os fiéis recitam, até hoje, nas festas marianas, ao longo do Ano litúrgico.

Para cada dezena, acrescenta-se, a cada Ave Maria, um suplemento na seguinte ordem:

Primeira dezena: “Bendita a hora, ó Virgem Maria, em que vos tornastes Mãe de Deus” (10 Ave-Marias).

Segunda dezena: “Bendita a hora, ó Virgem Maria, em que deste à luz o Filho de Deus” (10 Ave-Marias).

Terceira dezena: “Bendita a primeira gota de leite, ó Virgem Maria, com a qual o Filho de Deus se alimentou em vosso ventre” (10 Ave-Marias).

Quarta dezena: “Bendito aquele primeiro beijo, ó Virgem Maria, que destes nos divinos lábios do Filho de Deus” (10 Ave-Marias).

Na véspera de Natal, após a reza dos Mistérios Gozosos do Santo Rosário, a corrente dourada da piedosa tradição conclui-se com uma oração dedicada à Santíssima Virgem Maria.

Oração da família e pela família

Aqui, o convite a todas as famílias cristãs de rezar esta humilde, bela e simbólica devoção mariana, repleta de espiritualidade e afeto. Como o Papa São João Paulo II disse em sua Carta apostólica “Rosarium Virginis Mariae”: “O Rosário é uma oração da família e pela família”. Devemos ser educados e formados na sensibilidade materna de Maria, "a mulher da perfeita alegria". Que ela interceda por nós e peça ao seu Filho Jesus que nos conceda um coração de escuta, oração, paz e comunhão.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Santos André Dung-Lac e Companheiros (mártires do Vietnã)

Santos André Dung-Lac (A12)
24 de novembro
Santos André Dung-Lac e Companheiros (mártires do Vietnã)

Hoje faz-se memória de um grupo de 117 mártires do Vietnã. Deste número, 96 eram vietnamitas, 11 espanhóis, da Ordem dos Pregadores, e 10 franceses da Sociedade de Missões Estrangeiras de Paris, entre sacerdotes, religiosos e leigos. A maioria viveu e pregou entre os anos 1830 e 1870. Destacando-se neste grupo, canonizado por São João Paulo II em 1990, aparece o padre dominicano Santo André Dung-Lac, que, provavelmente, era o mais conhecido.

Tran An Dung era filho de pais muito pobres, que por isso o confiaram desde pequeno à guarda de um catequista. Foi batizado com o nome de André, e veio a ordenar-se sacerdote. Durante seu apostolado, foi vigário e missionário em diversas partes do Império. Em 1833 foi preso pela primeira de várias vezes, e, resgatado por alto valor em dinheiro, mudou o nome de Dung para Lac, tencionado chamar menos atenção e, assim, aventurar-se a evangelizar as províncias mais perigosas de Hanói e Nam-Dihn.

 A praxe do pagamento de resgates não agradava a André, e ele percebeu a necessidade de enfrentar o martírio. No seu último aprisionamento, recusou-se a ser resgatado e a negar a fé, e foi decapitado em 24 de novembro de 1839, em Hanói.

Colaboração: Padre Evaldo César de Souza, CSsR
Revisão e acréscimos: José Duarte de Barros Filho

Reflexão:

Desde o começo da sua evangelização por missionários europeus, no século XVI, foi muito dura a perseguição aos católicos no Vietnã. Lá a Igreja sofreu quatro séculos de perseguições terríveis e sangrentas. Milhares de cristãos foram assassinados, martirizados e massacrados, indistintamente bispos, padres, catequistas, pais e mães de família, jovens, seminaristas... de 1645 a 1886, morreram 113 mil fiéis. Durante 70 anos, houve um período de calma, quando a Igreja se reorganizou e centenas de milhares de cristãos fervorosos, inspirados pelo sangue de seus mártires, formaram várias dioceses. Mas os martírios e assassinatos de cristãos pelo simples fato de o serem voltaram com o comunismo. No ano de 1955 chineses e russos destruíram todas as instituições cristãs, e o governo comunista prendeu e matou bispos, padres e leigos de maneira cruel e sem limites. Alguns poucos conseguiram fugir através da única maneira possível, em embarcações frágeis que na maioria das vezes naufragaram matando outros milhares de católicos. Muitos ainda se iludem com a “tolerância” comunista à Igreja Católica. Esta ideologia, ateísta, sempre perseguiu os cristãos, em todos os continentes, embora de forma mais disfarçada e menos sangrenta no Ocidente. O comunismo foi reiteradamente condenado pela Igreja, como se vê claramente nos seus documentos oficiais, pois se baseia em princípios meramente materialistas e moralmente condenáveis (apesar da proposta de pretensa justiça social, os meios para este fim são incompatíveis com a doutrina de Cristo). Quem deseja ser fiel a Deus deve estar atento para não se deixar enganar por estas ideias, muitas vezes disfarçadas na política e na cultura; basta lembrar que em 1917 Nossa Senhora, nas aparições em Fátima, explicitamente alertou para os erros e perseguições que esta ideologia desencadearia.

Oração:

Deus de misericórdia, que na Vossa bondade escolhestes Santo André e tantos outros para propagar Vosso Evangelho em terras hostis, dai-nos a disposição necessária para realizar o mesmo apostolado em nossas comunidades, e pela solicitude de Vossa Santíssima Mãe protegei a todos dos enganos e perseguições das falsas ideologias. Por Cristo Nosso Senhor. Amém.

Fonte: https://www.a12.com/

domingo, 23 de novembro de 2025

TEXTO COMPLETO: Carta apostólica de Leão XIV "In unitate fidei" sobre o concílio ecumênico de Niceia

Papa Leão XIV. Imagem de arquivo. | Daniel Ibáñez/EWTN

Por Papa Leão XIV

23 de nov de 2025 às 10:25

A poucos dias de sua viagem apostólica à Turquia para comemorar o 1700º aniversário do concílio ecumênico de Niceia, o papa Leão XIV publicou uma carta apostólica reafirmando “na unidade da fé” a resposta dos padres conciliares que “confessaram que Jesus é o Filho de Deus”. Segue abaixo o texto completo de In unitate fidei (Na unidade da fé).

1. Na unidade da fé, proclamada desde os primórdios da Igreja, os cristãos são chamados a caminhar em concórdia, guardando e transmitindo com amor e alegria o dom recebido. Isto é expresso nas palavras do Credo: «Cremos em Jesus Cristo, Filho unigénito de Deus, que desceu do céu para a nossa salvação», formuladas pelo Concílio de Nicéia, primeiro evento ecuménico da história da cristandade, há 1700 anos.

Ao preparar-me para realizar a Viagem Apostólica à Turquia, com esta carta desejo encorajar em toda a Igreja um renovado impulso na profissão da fé, cuja verdade – que há séculos constitui o património comum dos cristãos – merece ser confessada e aprofundada de maneira sempre nova e atual. A este respeito, foi aprovado um precioso documento da Comissão Teológica Internacional: Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador. O 1.700º aniversário do Concílio Ecuménico de NicéiaRemeto-me a ele, porque oferece perspectivas úteis para aprofundar a importância e a atualidade não só teológica e eclesial, mas também cultural e social do Concílio de Nicéia.

2. «Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus»: assim São Marcos intitula o seu Evangelho, resumindo toda a sua mensagem precisamente no sinal da filiação divina de Jesus Cristo. Da mesma forma, o apóstolo Paulo sabe que é chamado a anunciar o Evangelho de Deus sobre o seu Filho, morto e ressuscitado por nós (cf. Rm 1, 9), que é o “sim” definitivo de Deus às promessas dos profetas (cf. 2 Cor 1, 19-20). Em Jesus Cristo, o Verbo, que era Deus antes dos tempos e por meio do qual todas as coisas foram feitas – recita o prólogo do Evangelho de São João –, «fez-se homem e veio habitar conosco» (Jo 1, 14). N’Ele, Deus tornou-se nosso próximo, de modo que tudo o que fizermos a cada um dos nossos irmãos, fazemo-lo a Ele (cf. Mt 25,40).

É, portanto, uma coincidência providencial que neste Ano Santo, dedicado à nossa esperança que é Cristo, se celebre também o 1.700º aniversário do primeiro Concílio Ecuménico de Nicéia, que proclamou, no ano de 325, a profissão de fé em Jesus Cristo, Filho de Deus. Isto constitui o coração da fé cristã. Ainda hoje, na celebração eucarística dominical, pronunciamos o Credo Niceno–Constantinopolitano, profissão de fé que une todos os cristãos. E a fé nos dá esperança nos tempos difíceis que vivemos, em meio a muitas preocupações e medos, ameaças de guerra e violência, desastres naturais, graves injustiças e desequilíbrios, fome e miséria sofridas por milhões de nossos irmãos e irmãs.

3. Os tempos do Concílio de Nicéia não eram menos turbulentos. Quando ele começou, em 325, as feridas das perseguições contra os cristãos ainda estavam abertas. O Édito de tolerância de Milão (313), promulgado pelos dois Imperadores – Constantino e Licínio – parecia anunciar o início de uma nova era de paz. No entanto, passadas as ameaças externas, logo surgiram disputas e conflitos internos na Igreja.

Ário, um presbítero de Alexandria do Egito, ensinava que Jesus não é verdadeiramente o Filho de Deus; embora não seja uma simples criatura, Ele seria um ser intermediário entre o Deus inatingivelmente distante e nós. Além disso, teria havido um tempo em que o Filho “não era”. Isso estava em consonância com a mentalidade difundida na época e, sendo assim, parecia plausível.

Mas Deus não abandona a sua Igreja, suscitando sempre homens e mulheres corajosos, testemunhas da fé, e pastores que guiam o seu Povo e lhe indicam o caminho do Evangelho. O Bispo Alexandre de Alexandria percebeu que os ensinamentos de Ário não eram de todo coerentes com a Sagrada Escritura. Como Ário não se mostrava disposto à conciliação, Alexandre convocou os Bispos do Egito e da Líbia para um sínodo que condenou o ensinamento de Ário; enviou então uma carta aos outros Bispos do Oriente para os informar detalhadamente. No Ocidente, entrou em ação o bispo Ósio de Córdova, na Espanha, que já havia se mostrado um fervoroso confessor da fé durante a perseguição sob o Imperador Maximiano e que gozava da confiança do Bispo de Roma, o Papa Silvestre I.

No entanto, os seguidores de Ário também se uniram. Isso levou a uma das maiores crises na história da Igreja do primeiro milénio. O motivo da disputa, na verdade, não era um detalhe secundário. Tratava-se do cerne da fé cristã, ou seja, da resposta à pergunta decisiva que Jesus fez aos discípulos em Cesareia de Filipe: «Quem dizeis que eu sou?» (Mt 16, 15).

4. Enquanto a controvérsia se intensificava, o Imperador Constantino percebeu que, com o risco para a unidade da Igreja, também a unidade do Império estava ameaçada. Convocou então todos os bispos para um Concílio Ecuménico, ou seja, universal – em Nicéia – para restabelecer a unidade. O Sínodo, chamado dos “318 Padres”, decorreu sob a presidência do Imperador: o número de bispos reunidos era sem precedentes. Alguns deles ainda traziam os sinais das torturas sofridas durante a perseguição. A grande maioria deles era proveniente do Oriente, enquanto parece que apenas cinco eram ocidentais. O Papa Silvestre confiou na figura, teologicamente abalizada, do Bispo Ósio de Córdova e enviou dois presbíteros romanos.

5. Os Padres do Concílio testemunharam a sua fidelidade à Sagrada Escritura e à Tradição apostólica, tal como era professada durante o batismo, de acordo com o mandato de Jesus: «Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo» ( Mt 28, 19). No Ocidente, existiam várias fórmulas, entre as quais o chamado Credo dos Apóstolos. [1] Também no Oriente existiam muitas profissões batismais, semelhantes entre si na estrutura. Não se tratava de uma linguagem erudita e complicada, mas sim – como se disse mais tarde – de uma linguagem simples e compreensível para os pescadores do mar da Galileia.

Com base nisso, o Credo Niceno começa professando: «Cremos em um só Deus, Pai onipotente, artífice de todas as coisas visíveis e invisíveis». [2] Com isso, os Padres conciliares expressaram a fé no Deus único. No Concílio, não houve controvérsia a esse respeito. Em vez disso, foi discutido um segundo artigo, que também usa a linguagem da Bíblia para professar a fé em «um só Senhor, Jesus Cristo, Filho de Deus». O debate deveu-se à necessidade de responder à questão levantada por Ário sobre como se deveria entender a afirmação “Filho de Deus” e como ela poderia ser conciliada com o monoteísmo bíblico. Assim, o Concílio foi chamado a definir o significado correto da fé em Jesus como “o Filho de Deus”.

Os Padres confessaram que Jesus é o Filho de Deus na medida em que é «da substância ousiado Pai [...] gerado, não criado, da mesma substância ( homooúsios) do Pai». Com esta definição, a tese de Ário foi radicalmente rejeitada. [3] Para expressar a verdade da fé, o Concílio usou duas palavras, «substância» ( ousia) e «da mesma substância» ( homooúsios), que não se encontram na Escritura. Ao fazê-lo, não quis substituir as afirmações bíblicas pela filosofia grega. Pelo contrário, o Concílio utilizou estes termos para afirmar com clareza a fé bíblica, distinguindo-a do erro helenizante de Ário. A acusação de helenização não se aplica, portanto, aos Padres de Nicéia, mas à falsa doutrina de Ário e seus seguidores.

De forma positiva, os Padres de Nicéia quiseram permanecer firmemente fiéis ao monoteísmo bíblico e ao realismo da encarnação. Eles quiseram reafirmar que o único Deus verdadeiro não está inatingivelmente distante de nós, mas, pelo contrário, aproximou-se e veio ao nosso encontro em Jesus Cristo.

6. Para expressar a sua mensagem na linguagem simples da Bíblia e da liturgia, familiar a todo o Povo de Deus, o Concílio retoma algumas formulações da profissão batismal: «Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro». Assim, o Concílio retoma a metáfora bíblica da luz: «Deus é luz» (1 Jo 1, 5; cf. Jo 1, 4-5). Como a luz que irradia e comunica a si mesma sem se extinguir, também o Filho é o reflexo (apaugasma) da glória de Deus e a imagem (character) do seu ser (hipóstase) (cf. Hb 1, 3; 2 Cor 4, 4). O Filho encarnado, Jesus, é, portanto, a luz do mundo e da vida (cf. Jo 8, 12). Através do batismo, os olhos do nosso coração são iluminados (cf. Ef 1, 18), para que também nós possamos ser luz no mundo (cf. Mt 5, 14).

Finalmente, o Credo afirma que o Filho é «Deus verdadeiro de Deus verdadeiro». Em muitos lugares, a Bíblia distingue os ídolos mortos do Deus verdadeiro e vivo. O Deus verdadeiro é o Deus que fala e age na história da salvação: o Deus de Abraão, Isaac e Jacó, que se revelou a Moisés na sarça ardente (cf. Ex 3, 14), o Deus que vê a miséria do povo, ouve o seu clamor, o guia e o acompanha através do deserto com a coluna de fogo (cf. Ex 13, 21), fala-lhe com voz de trovão (cf. Dt 5, 26) e tem compaixão dele (cf. Os 11, 8-9). O cristão é, portanto, chamado a converter-se dos ídolos mortos para o Deus vivo e verdadeiro (cf. Act 12, 25; 1 Ts 1, 9). Neste sentido, Simão Pedro confessa em Cesareia de Filipe: «Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo» (Mt 16, 16).

7. O Credo de Nicéia não formula uma teoria filosófica. Professa a fé no Deus que nos redimiu por meio de Jesus Cristo. Trata-se do Deus vivo: Ele quer que tenhamos vida e que a tenhamos em abundância (cf. Jo 10, 10). Por isso, o Credo continua com as palavras da profissão batismal: o Filho de Deus que “por causa de nós homens e da nossa salvação, desceu, se encarnou e se fez homem, e padeceu, ressuscitou ao terceiro dia e subiu ao céu, havendo de vir para julgar os vivos e os mortos”. Isto torna claro que as afirmações cristológicas de fé do Concílio estão inseridas na história da salvação entre Deus e as suas criaturas.

Santo Atanásio, que havia participado no Concílio como diácono do Bispo Alexandre e sucedeu-lhe na cátedra de Alexandria do Egito, sublinhou várias vezes e com grande força a dimensão soteriológica expressa no Credo Niceno. Com efeito, escreve que o Filho, descido dos céus, «tornou-nos filhos do Pai e, tornando-se Ele mesmo homem, divinizou os homens. Não tornou-se Deus a partir da sua humanidade, mas a partir da sua divindade tornou-se homem para poder divinizar-nos». [4] Isto é possível somente se o Filho é verdadeiramente Deus: nenhum ser mortal pode, com efeito, derrotar a morte e nos salvar; só Deus pode fazê-lo. Foi Ele quem nos libertou no seu Filho feito homem para que fôssemos livres (cf. Gl 5, 1).

Merece destaque, no Credo de Nicéia, o verbo descendit, “desceu”. São Paulo descreve com palavras fortes este movimento: «[Cristo] esvaziou-se a si mesmo, tomando a condição de servo, tornando-se semelhante aos homens» (Fl 2, 7). De modo semelhante escreve São João no prólogo do seu Evangelho: «o Verbo fez-se homem e veio habitar conosco» (Jo 1, 14). Por isso – ensina a Carta aos Hebreus – «não temos um Sumo Sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, pois Ele foi provado em tudo como nós, exceto no pecado» (Hb 4, 15). Na noite antes da sua morte, inclinou-se como um escravo para lavar os pés dos discípulos (cf. Jo 13, 1-17). E, só quando pôde colocar os dedos na ferida do lado do Senhor ressuscitado, o apóstolo Tomé confessou: «Meu Senhor e meu Deus!» (Jo 20, 28).

É precisamente em virtude da sua encarnação que encontramos o Senhor nos nossos irmãos e irmãs necessitados: «sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40). Assim sendo, o Credo Niceno não nos fala de um Deus distante, inatingível, imóvel, que repousa em si mesmo, mas de um Deus que está perto de nós, que nos acompanha no nosso caminho pelas estradas do mundo e nos lugares mais obscuros da terra. A sua imensidão manifesta-se quando se faz pequeno e despoja-se da sua majestade infinita, tornando-se nosso próximo nos pequenos e nos pobres. Esta realidade revoluciona as concepções pagãs e filosóficas de Deus.

Há outra palavra do Credo Niceno que se torna para nós hoje particularmente reveladora. A afirmação bíblica “fez-se carne”, precisada com a inserção da palavra “homem” após a palavra “encarnado”. Assim, Nicéia distancia-se da falsa doutrina segundo a qual o Logos teria assumido apenas um corpo como revestimento externo, mas não uma alma humana, dotada de intelecto e livre–arbítrio. Pelo contrário, quer afirmar o que o Concílio de Calcedônia (451) declararia explicitamente: em Cristo, Deus assumiu e redimiu todo o ser humano, com corpo e alma. O Filho de Deus fez-se homem – explica Santo Atanásio – para que nós, homens, pudéssemos ser divinizados. [5] Esta inteligência luminosa da Revelação divina foi preparada por Santo Irineu de Lião e Orígenes, desenvolvendo-se depois com grande riqueza na espiritualidade oriental.

A divinização não tem nada a ver com a auto–deificação do homem. Pelo contrário, a divinização nos protege da tentação primordial de querer ser como Deus (cf. Gn 3, 5). O que Cristo é por natureza, nós nos tornamos por graça. Através da obra da redenção, Deus não só restaurou a nossa dignidade humana como imagem de Deus, mas Aquele que nos criou de forma maravilhosa nos tornou participantes, de forma ainda mais admirável, da sua natureza divina (cf. 2 Pd 1, 4).

Logo, a divinização é a verdadeira humanização. É por isso que a existência do homem aponta para além de si mesmo, procura além de si mesmo, deseja algo além de si mesmo e está inquieta enquanto não descansa em Deus: [6] Deus enim solus satiat, só Deus satisfaz o homem! [7] Só Deus, na sua infinitude, pode satisfazer o desejo infinito do coração humano, e por isso o Filho de Deus quis tornar-se nosso irmão e redentor.

8. Dissemos que Nicéia rejeitou claramente os ensinamentos de Ário. Porém, Ário e os seus seguidores não desistiram. O próprio Imperador Constantino e os seus sucessores alinharam-se cada vez mais com os arianos. O termo homooúsios tornou-se ponto de discórdia entre nicenos e antinicenos, desencadeando assim outros graves conflitos. São Basílio de Cesareia descreve a confusão que se produziu com imagens eloquentes, comparando-a a uma batalha naval noturna em uma violenta tempestade, [8] enquanto Santo Hilário testemunha a ortodoxia dos leigos em relação ao arianismo de muitos bispos, reconhecendo que «os ouvidos do povo são mais santos do que os corações dos sacerdotes». [9]

A rocha do credo niceno foi Santo Atanásio, irredutível e firme na fé. Apesar de ter sido deposto e expulso cinco vezes da sede episcopal de Alexandria, ele sempre voltou como Bispo. Mesmo no exílio, continuou a guiar o Povo de Deus através dos seus escritos e cartas. Tal como Moisés, Atanásio não pôde entrar na terra prometida da paz eclesial. Esta graça estava reservada a uma nova geração, conhecida como os “jovens nicenos”; no Oriente, os três Padres Capadócios: São Basílio de Cesareia (aprox. 330–379), a quem foi dado o título de “Magno”; seu irmão São Gregório de Nissa (335–394) e o maior amigo de Basílio, São Gregório Nazianzeno (329/30–390). No Ocidente, foram importantes Santo Hilário de Poitiers (aprox. 315–367) e o seu aluno São Martinho de Tours (aprox. 316–397). Além destes, sobretudo Santo Ambrósio de Milão (333–397) e Santo Agostinho de Hipona (354–430).

O mérito dos três Capadócios, em particular, foi o de levar a cabo a formulação do Credo Niceno, mostrando que a Unidade e a Trindade em Deus não são de forma alguma contraditórias. Neste contexto, foi formulado o artigo de fé sobre o Espírito Santo no primeiro Concílio de Constantinopla, em 381. Assim, o Credo, que desde então passou a ser chamado Niceno–Constantinopolitano, diz: «Cremos no Espírito Santo, que é Senhor e dá a vida, e procede do Pai. Com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, e falou por meio dos profetas». [10]

A partir do Concílio de Calcedônia, em 451, o Concílio de Constantinopla foi reconhecido como ecumênico e o Credo Niceno–Constantinopolitano foi declarado universalmente vinculativo. [11] Ele, portanto, constituiu um elo de unidade entre o Oriente e o Ocidente. No século XVI, também foi mantido pelas comunidades eclesiais surgidas da Reforma. O Credo Niceno–Constantinopolitano é, assim, a profissão de fé comum a todas as tradições cristãs.

9. O caminho que se desenvolveu da Sagrada Escritura à profissão de fé de Nicéia, à sua aceitação nos Concílios de Constantinopla e Calcedônia, passando pelo século XVI e chegando ao nosso século XXI, foi longo e linear. Todos nós, como discípulos de Jesus Cristo, somos batizados, fazemos sobre nós mesmos o sinal da cruz e somos abençoados “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Concluímos sempre a oração dos salmos na Liturgia das Horas com “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo”. A liturgia e a vida cristã estão, portanto, firmemente ancoradas no Credo de Nicéia e Constantinopla: o que dizemos com a boca deve vir do coração, para que seja testemunhado na vida. Devemos, em consequência, perguntar-nos: o que acontece hoje com a aceitação interior do Credo? Sentimos que ele também diz respeito à nossa situação atual? Compreendemos e vivemos o que professamos todos os domingos, e o que significa isso para a nossa vida?

10. O Credo de Nicéia começa professando a fé em Deus, o Todo-Poderoso, o Criador do céu e da terra. Hoje, para muitos, Deus e a questão de Deus quase não têm mais significado na vida. O Concílio Vaticano II salientou que os cristãos são, pelo menos em parte, responsáveis por esta situação, porque não testemunham a verdadeira fé e escondem o verdadeiro rosto de Deus com estilos de vida e ações distantes do Evangelho. [12] Guerras foram travadas, pessoas foram mortas, perseguidas e discriminadas em nome de Deus. Em vez de anunciar um Deus misericordioso, falou-se de um Deus vingativo que castiga e inspira terror.

O Credo de Nicéia convida-nos, então, a um exame de consciência. O que significa Deus para mim e como testemunho a minha fé n’Ele? O único e verdadeiro Deus é realmente o Senhor da vida, ou existem ídolos mais importantes do que Deus e os seus mandamentos? Deus é para mim o Deus vivo, próximo em todas as situações, o Pai a quem me dirijo com confiança filial? É o Criador a quem devo tudo o que sou e tenho, cujos vestígios posso encontrar em cada criatura? Estou disposto a partilhar os bens da terra, que pertencem a todos, de forma justa e equitativa? Como trato a criação, que é obra das suas mãos? Faço uso dela com reverência e gratidão, ou exploro-a, destruo-a, em vez de a guardar e cultivar como casa comum da humanidade? [13]

11. No centro do Credo Niceno–Constantinopolitano está a profissão de fé em Jesus Cristo, nosso Senhor e Deus. Este é o coração da nossa vida cristã. Por isso, comprometemo-nos a seguir Jesus como Mestre, companheiro, irmão e amigo. Contudo, o Credo Niceno pede mais: lembra-nos, com efeito, que não devemos esquecer que Jesus Cristo é o Senhor (Kyrios), o Filho do Deus vivo, que «pela nossa salvação desceu do céu» e morreu «por nós» na cruz, abrindo-nos o caminho para uma vida nova com a sua ressurreição e ascensão.

Seguir Jesus Cristo certamente não é um caminho largo e confortável, mas este caminho, muitas vezes exigente ou mesmo doloroso, conduz sempre à vida e à salvação (cf. Mt 7, 13-14). Os Atos dos Apóstolos falam da nova via (cf. Act 19, 9.23; 22, 4.14-15.22), que é Jesus Cristo (cf. Jo 14, 6): seguir o Senhor compromete os nossos passos no caminho da cruz, que através do arrependimento nos conduz à santificação e à divinização. [14]

Se Deus nos ama com todo o seu ser, então também nós devemos amar-nos uns aos outros. Não podemos amar a Deus, que não vemos, sem amar também o irmão e a irmã que vemos (cf. 1 Jo 4, 20). O amor a Deus sem o amor ao próximo é hipocrisia; o amor radical ao próximo, sobretudo o amor aos inimigos, sem o amor a Deus, é um heroísmo que nos oprime e esmaga. No seguimento de Jesus, a ascensão a Deus passa pelo abaixamento e pela dedicação aos irmãos e irmãs, sobretudo aos últimos, aos mais pobres, abandonados e marginalizados. O que fizemos ao menor destes, fizemos a Cristo (cf. Mt 25, 31-46). Perante as catástrofes, as guerras e a miséria, só podemos testemunhar a misericórdia de Deus às pessoas que duvidam d’Ele, quando elas experimentam a sua misericórdia através de nós. [15]

12. Por fim, o Concílio de Nicéia é atual pelo seu altíssimo valor ecuménico. A este respeito, alcançar a unidade de todos os cristãos foi um dos principais objetivos do último Concílio, o Vaticano II[16] Há exatamente trinta anos, São João Paulo II continuou e promoveu a mensagem conciliar na Encíclica Ut unum sint (25 de maio de 1995). Assim, com o grande aniversário do primeiro Concílio de Nicéia, celebramos também o aniversário da primeira Encíclica ecuménica, que pode ser considerada como um manifesto que atualizou os mesmos fundamentos ecuménicos estabelecidos pelo Concílio de Nicéia.

Graças a Deus, o movimento ecuménico alcançou muitos resultados nos últimos sessenta anos. Embora a plena unidade visível com as Igrejas Ortodoxas e Ortodoxas Orientais e com as Comunidades eclesiais nascidas da Reforma ainda não nos tenha sido concedida, o diálogo ecuménico levou-nos, com base no único batismo e no Credo Niceno–Constantinopolitano, a reconhecer nos irmãos e irmãs das outras Igrejas e Comunidades eclesiais, os nossos irmãos e irmãs em Jesus Cristo e a redescobrir a única e universal Comunidade dos discípulos de Cristo em todo o mundo. Com efeito, compartilhamos a fé no único Deus, Pai de todos os homens, confessamos juntos o único Senhor e verdadeiro Filho de Deus, Jesus Cristo, e o único Espírito Santo, que nos inspira e nos impele à plena unidade e ao testemunho comum do Evangelho. Realmente, o que nos une é muito mais do que o que nos divide! [17] Assim, num mundo dividido e dilacerado por muitos conflitos, a única Comunidade cristã universal pode ser sinal de paz e instrumento de reconciliação, contribuindo de forma decisiva para um compromisso mundial pela paz. São João Paulo II recordou-nos, em particular, o testemunho dos muitos mártires cristãos provenientes de todas as Igrejas e Comunidades eclesiais: a sua memória une-nos e exorta-nos a ser testemunhas e operadores de paz no mundo.

Para podermos desempenhar este ministério de forma crível, devemos caminhar juntos para alcançar a unidade e a reconciliação entre todos os cristãos. O Credo de Nicéia pode ser a base e o critério de referência deste caminho. Propõe-nos efetivamente um modelo de verdadeira unidade na legítima diversidade. Unidade na Trindade, Trindade na Unidade, porque a unidade sem multiplicidade é tirania, a multiplicidade sem unidade é desintegração. A dinâmica trinitária não é dualista, como um aut–aut excludentemas sim um vínculo envolvente, um et–et: o Espírito Santo é o vínculo de unidade que adoramos juntamente com o Pai e o Filho. Devemos, portanto, deixar para trás as controvérsias teológicas, que perderam a sua razão de ser, para adquirir um pensamento comum e, mais ainda, uma oração comum ao Espírito Santo, para que nos reúna a todos numa única fé e num único amor.

Isso não significa um ecumenismo de retorno ao estado anterior às divisões, nem um reconhecimento mútuo do atual status quo da diversidade das Igrejas e das Comunidades eclesiais, mas um ecumenismo voltado para o futuro, de reconciliação no caminho do diálogo, de troca dos nossos dons e patrimónios espirituais. O restabelecimento da unidade entre os cristãos não nos torna mais pobres: ao contrário, nos enriquece. Tal como em Nicéia, este objetivo só será possível através de um caminho paciente, longo e, por vezes, difícil de escuta e acolhimento recíproco. Trata-se de um desafio teológico e, mais ainda, de um desafio espiritual, que exige arrependimento e conversão da parte de todos. Por isso, precisamos de um ecumenismo espiritual de oração, louvor e culto, como aconteceu no Credo de Nicéia e Constantinopla.

Invoquemos, portanto, o Espírito Santo, para que nos acompanhe e nos guie nesta obra:

Santo Espírito de Deus, Vós guiais os fiéis no caminho da história.

Nós vos agradecemos por terdes inspirado os Símbolos da fé e por suscitardes no coração a alegria de professar a nossa salvação em Jesus Cristo, Filho de Deus, consubstancial ao Pai. Sem Ele, nada podemos.

Vós, Espírito eterno de Deus, de época em época rejuvenesceis a fé da Igreja. Ajudai-nos a aprofundá-la e a voltar sempre ao essencial para a anunciar.

Para que o nosso testemunho no mundo não seja inerte, vinde, Espírito Santo, com o teu fogo de graça, para reavivar a nossa fé, para nos inflamar de esperança, para nos inflamar de caridade.

Vinde, divino Consolador, Vós que sois a harmonia, para unir os corações e as mentes dos crentes. Vinde e dai-nos o prazer da beleza da comunhão.

Vinde, Amor do Pai e do Filho, para nos reunir no único rebanho de Cristo.

Mostrai-nos os caminhos a seguir, para que, com a vossa sabedoria, voltemos a ser o que somos em Cristo: uma só coisa, para que o mundo acredite. Amém.

Vaticano, 23 de novembro de 2025, Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo

LEÃO PP. XIV

267º Papa da Igreja, eleito em 8 de maio de 2025.

LEIA A CARTA APOSTÓLICA DO PAPA NA ÍNTEGRA

Fonte: https://www.acidigital.com/noticia/65589/texto-completo-carta-apostolica-de-leao-xiv-in-unitate-fidei-sobre-o-concilio-ecumenico-de-niceia

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF