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quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Cântico dos Cânticos: quando o amor está “além do versículo”

Amor conjugal - Marc Chagall

Entrevista com o biblista padre Francesco Giosuè Voltaggio. A essência do Cântico dos Cânticos não é a posse, mas o desejo. O biblista explica por que o significado literal e alegórico não estão em contraposição, mas em estreita continuidade.

Debora Donnini – Cidade do Vaticano

É curiosa a presença do Cântico dos Cânticos na Bíblia hebraica e cristã. É verdade que o Cântico se inspira em alguns poemas antigos da Mesopotâmia? E quando poderia ter sido escrito? A riqueza deste texto emerge com toda a sua determinação na entrevista com o padre Francesco Giosuè Voltaggio, biblista e professor de Arqueologia e Sagrada Escritura na Terra Santa e também reitor do Seminário Redemptoris Mater da Galiléia.

Pe. Voltaggio: O fundo literário do Cântico deve ser buscado nos cantos de amor egípcios e na poesia nupcial mesopotâmica nas quais se exaltava a beleza dos noivos, chamados “rei” e “rainha”. Foram percebidas também semelhanças entre o Cântico dos Cânticos e um gênero poético árabe, chamado wasf, no qual descreve-se a beleza dos noivos com a descrição poética de seus corpos. Todavia há novidades decisivas no Cântico. Por exemplo, ao contrário dos cantos de amor egípcios que se caracterizam por um monólogo dos protagonistas, o Cântico é um verdadeiro diálogo entre o amado e a amada, com a intervenção de um coro. Portanto, a revelação bíblica assume a humanidade – e também a literatura humana – mas a transfigura, como é o caso, do Cântico que trata do amor humano como humano mas que ao mesmo tempo o transfigura. Com relação à datação ainda há uma discussão entre os estudiosos. Varia entre o século X e o século I A.C. A pesquisa exegética atual é propensa a uma datação perto do final do domínio ptolemaico na Palestina, ou seja, na primeira metade do século III A.C. Também é muito interessante que o texto é atribuído a Salomão. Isso é de fundamental importância para a interpretação do Cântico, porque Salomão significa Sábio por excelência, e na tradição judaica e cristã é uma figura do Messias.

O Cântico dos Cânticos é fundamentalmente um canto de amor, de paixão, mas não um amor efêmero: fala-se de um noivo e de uma noiva. E a característica que talvez torne o amor tão sublime é justamente porque se trata de um amor de eleição, de escolha, um amor que como diz o Cântico é “forte como a morte”. Na sua opinião, há esta característica de amor de eleição que pesa insistentemente no Cântico?

Pe. Voltaggio: Muito. O nome Cântico dos Cânticos em hebraico tem um valor superlativo por isso pode ser traduzido também como o “Cântico mais belo”, o “Cântico sublime”. O amor humano é uma realidade sublime e profunda demais para ser descrita com palavras humanas e por isso recorre-se à poesia. Portanto, saindo de todos os esquemas, o amor situa-se no âmbito do estático, do sublime, do divino, ou seja o amor do Cântico dos Cânticos não é somente de paixão ou de aprazimento, mas é feito de relação e de distância, de proximidade e de afastamento, de palavras e de silêncios, de vida e de morte, etc. Por exemplo, no amor entre os dois amados do Cântico , há duas noites, momentos nos quais o amado e amada se perdem. Mas o amor humano do Cântico é um amor forte como a morte, uma chama do Senhor. Este versículo é o ápice do livro e em hebraico sente-se o som da letra shin que se repete, do fogo, isto é o amor tem o “som” do fogo. Este é o único versículo do Cântico onde de modo velado encontra-se o nome do Senhor. Trata-se de um amor de eleição, que vem do próprio Deus que é – segundo o que diz a Escritura – um fogo devorador e este amor humano entre os noivos é um reflexo do amor apaixonado que Deus tem pela humanidade, porque Deus é o noivo e a humanidade é a noiva, em uma leitura espiritual ou alegórica.

Fonte:  https://www.vaticannews.va/pt

O túmulo de Maria Madalena fica nesta pequena cidade?

Itto Ogami | Wikimedia Commons | CC POR 3,0

Alice Alech - publicada em 19/11/24

Saint-Maximin-La Baume é uma pequena cidade na Provença Francesa, cercada por colinas repletas de olivais e vinhedos. Também abriga um tesouro sagrado.

Saint-Maximin-La Baume pode estar faltando na lista de destinos turísticos populares no sul da França. No entanto, a sua herança católica é única. Abriga a Basílica de Saint-Maximin, às vezes chamada de Basílica de Santa Maria Madalena. Segundo a tradição local, ela e outros discípulos expulsos da Palestina acabaram nesta região.

Edifício impressionantemente preservado, a basílica abriga relíquias, monumentos e uma extraordinária coleção de obras de arte. É enorme – 73 metros de comprimento, 43 metros de largura e 29 metros de altura – e é considerado o maior edifício gótico da Provença.

Basílica de São Maximino | Taljat David | Obturador

Uma descoberta extraordinária

Quando o projeto de escavação de Carlos II de Anjou descobriu o túmulo de Santa Maria Madalena em 1279, Carlos viu o tesouro inesperado como a oportunidade perfeita para homenagear a santa. Autorizadas as relíquias, Sua Santidade o Papa Bonifácio VIII aprovou a construção, que começou em 1295. A construção durou 236 anos.

Por que a construção foi intermitente durante dois séculos? Por que não foi concluído até 1532?

Nossa guia, Florence Humbert, nos lembrou das inúmeras invasões ao longo da turbulenta história da França. Como ela mesma explicou:

"Lembre-se também de que não se tratava de Paris, mas de uma pequena cidade da Provença. Pense nas obras que foram feitas para um edifício deste tamanho naquela época. Depois veio a peste em 1348, uma época terrível para a França, quando a construção parou e não foi retomado até 1404."

No final do século XIII, a igreja tornou-se finalmente um importante centro de peregrinação sob os cuidados dos priores dominicanos.

Relicário com caveira de Santa Maria Madalena |

A cripta e o crânio de Maria Madalena

A atmosfera da basílica é impressionante, com abóbadas altas e vitrais. São 16 capelas dedicadas aos santos, cada uma adornada com pinturas, altar-mor e órgão próprio, púlpito e bancas de madeira entalhada.

Mas o coração da basílica é a cripta. Está localizado abaixo do piso térreo, descendo uma escada estreita. O teto é baixo, com espaço limitado e pouca iluminação. Uma cerca protege o magnífico relicário de 1860 que contém o crânio de Maria Madalena.

Em 2019, dois pesquisadores usaram fotos do crânio para recriar digitalmente uma imagem da cabeça e do rosto de Maria Madalena. Seu trabalho foi tema de um documentário da National Geographic.

Os restos mortais de Maria Madalena foram descobertos no século XIII. Também foram descobertos outros três sarcófagos, que estão expostos na cripta: São Maximino, Santa Sidonia e Santa Marcela.

Quem foi São Maximino?

Quem foi São Maximino? Que importância teve na Igreja Católica?

Florence Humbert nos conta que, segundo a tradição, São Maximino foi um dos 72 discípulos de Cristo. São Maximino acompanhou Maria e seus irmãos na viagem à França: eram todos refugiados que viajavam num barco.

Ao chegar ao país, São Maximino estabeleceu uma comunidade cristã e difundiu a palavra de Deus. Segundo a lenda, Maria Madalena preferiu a solidão, vivendo 30 anos numa gruta do maciço de Saint Baume, na Provença.

Mais tarde, São Maximino tornou-se bispo e organizou o sepultamento de Maria Madalena.

Tesouros musicais

O órgão da basílica foi obra do Irmão Jean-Esprit Isnard, habilidoso frade dominicano e construtor de órgãos, que também contou com a ajuda de seu sobrinho.

O órgão relativamente austero e amplo da basílica foi construído entre 1772 e 1774. Possui um total de 2.960 tubos.

Considerado único na sua concepção, o órgão foi classificado como “monumento histórico” em 1953.

Duas estátuas notáveis ​​com mais de dois metros de altura também estão em exibição. São eles Santa Cecília, padroeira da música, e o rei Davi, músico habilidoso que compôs os salmos da Bíblia.

O órgão foi classificado monumento histórico em 1953.
Cortesia de Florence Humbert

Uma grande reforma

Um projeto muito necessário foi concluído recentemente para restaurar, proteger e melhorar toda a área da abside. Os altos níveis de umidade eram um grande problema, assim como as rachaduras e a deterioração do mármore, das esculturas e da madeira. O projeto durou 18 meses e terminou em abril deste ano.

“Uma enorme lona cobria tudo enquanto eles trabalhavam”, explica Humbert, “mantendo isso em segredo por um tempo. Ninguém conseguia ver o que estava acontecendo”.

Florence Humbert é apaixonada pela herança cultural da basílica. Percebido:

“Os frades dominicanos do século XX esperavam ver a restauração, mas ela só foi plenamente realizada em 2024. Estamos gratos a todos os atores deste grande projeto, que devolve à basílica a sua verdadeira nobreza para as gerações futuras”.

Fonte: https://es.aleteia.org/2024/11/19/esta-la-tumba-de-maria-magdalena-en-esta-pequena-ciudad

Chamei-vos amigos (2): Para iluminar a terra

Para iluminar a terra (Opus Dei)

Chamei-vos amigos (2): Para iluminar a terra

O “mandamento novo” que Jesus nos confiou no fim da sua vida terrena revelou uma nova dimensão da amizade humana: trata-se de autêntico apostolado.

23/06/2020

Os grandes rios geralmente nascem de uma pequena fonte situada no alto das montanhas. Ao longo de seu percurso, vão recebendo água de mananciais e afluentes até que, no final, desembocam no mar. De modo semelhante, um afeto espontâneo ou um interesse em comum constituem as fontes das quais pode brotar uma amizade. Pouco a pouco essa relação segue o seu curso, recebendo correntes que a nutrem: tempo vivido em comum, conselhos de um lado e outro, conversas, risadas, confidências... Da mesma forma que, à sua passagem, os rios fecundam campos, enchem poços e fazem florescer as árvores, a amizade embeleza a vida, cumula-a de luz, “multiplica as alegrias e oferece conforto nas dores”[1]. Além disso, para um cristão, a amizade também fica repleta da “água viva” que é a graça de Cristo (cfr. Jo 4, 10). Esta força dá um novo impulso à corrente: transforma o afeto humano em amor de caridade. Assim, no final do seu curso, esse rio penetra no vasto mar do amor de Deus por nós.

Um coeficiente de dilatação enorme

Nas primeiras páginas da Bíblia, o relato da criação do homem diz-nos que ele foi formado à “imagem” de Deus, feito à sua “semelhança” (cfr. Gn. 1, 26). Este modelo divino está sempre presente na parte mais íntima da alma e, se treinarmos o nosso olhar, poderemos vislumbrar Deus em cada homem e em cada mulher. Por esta altíssima dignidade, todas as pessoas que encontrarmos no caminho – no trabalho, no estudo, no esporte, no nosso ir de um lado para outro – são dignas de ser amadas, embora somente com algumas delas poderemos estabelecer um relacionamento de amizade. Intuímos que, na prática, não é possível ter infinitos amigos, entre outros motivos porque o tempo é limitado; mas o nosso coração, movido por Deus, pode permanecer sempre aberto, oferecendo sua amizade ao maior número de pessoas, “dando mostras de compreensão com todos os homens” (Tt 3. 2).

“O coração humano tem um coeficiente de dilatação enorme” (São Josemaria)

Procurar ter na alma tal disposição, que não “exclui ninguém”, que permanece “intencionalmente aberta a todas as pessoas, com um coração grande”[2], tem certamente um preço. A mãe de São Josemaria, por exemplo, ao ver como seu filho se entregava sem medida às pessoas que o rodeavam, advertiu-o: “Você vai sofrer muito na vida, porque põe todo o coração no que faz”[3]. Abrir-se à amizade tem o seu preço e, no entanto, todos já experimentamos como é um caminho seguro de felicidade. Ao mesmo tempo, a nossa capacidade de amar a cada vez mais amigos pode crescer continuamente. São Josemaria sentiu esta inquietação em seu coração, com o aumento do número de pessoas no Opus Dei: poderei amar a todos os que vierem ao Opus Dei com o mesmo carinho que sinto pelos primeiros? Preocupação que a graça divina resolveu: o seu coração foi sendo continuamente dilatado por Deus, a tal ponto que ele chegou a confessar: “O coração humano tem um coeficiente de dilatação enorme. Quando ama, dilata-se com um crescendo de carinho que ultrapassa todas as barreiras”[4].

Nisto vos conhecerão

Nas páginas do Gênesis revelava-se o amor de Deus ao criar-nos à sua “imagem”, mas com a encarnação do seu Filho, receberíamos revelações mais impressionantes. Os apóstolos de Jesus viveram durante três anos com aquele que era o seu melhor amigo, sem sair do seu lado. Chamavam-no Rabbi – que quer dizer “mestre” – porque além de amigos, eram e se sentiam seus discípulos. Antes de padecer, o Mestre quis que compreendessem que os amava com uma amizade que ia além da morte, que os amava “até o fim” (Jo 13, 1). Este segredo da radicalidade da sua amizade é uma das confidências íntimas que Cristo lhes fez durante a Última Ceia. Lá manifestou também o seu desejo de que esta força se perpetuasse durante os séculos através de todos os cristãos com a proclamação de um novo mandamento: “Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo, 13, 34). E acrescentou: “Nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos” (Jo 13, 35); isto é: os meus amigos serão reconhecidos pelo seu modo de amar aos outros.

Há um acontecimento na história do Opus Dei muito unido a este mandamento. Ao terminar a guerra civil, São Josemaria volta a Madri e se dirige imediatamente à rua Ferraz. No número 16 dessa rua, dias antes do começo do conflito, tinha-se terminado de instalar a nova Residência DYA. Quase três anos depois, encontra tudo destruído pelos saques e bombardeios. Está inutilizável. Entre os escombros, coberto de pó, descobre um quadro que havia estado pendurado na parede da biblioteca. Na tela, que tinha aspecto de pergaminho, estão escritas em latim essas mesmas palavras do mandamento novo que Jesus, como vimos, confiou aos seus apóstolos: “Mandatum novum do vobis...”, “Eu vos dou um novo mandamento...” (cfr. Jo 13, 34-35). Tinham-no pendurado ali porque era uma síntese do ambiente que São Josemaria desejava para os centros da Obra: ”Lugares onde muitas pessoas encontrem um amor sincero e aprendam a ser amigas de verdade”[5]. Depois do desastre da guerra, quando era preciso recomeçar praticamente do zero, o importante continuava de pé: uma das bases fundamentais para reconstruir seria deixar-se guiar por esse doce mandamento de Cristo.

Deste jeito é mais fácil subir

Vemos que o modelo da nova lei é o amor de Jesus: “Como eu vos amei” (Jo 13, 34). Mas, como é este amor? Quais são as suas características? O amor de Cristo pelos seus apóstolos – disse-o Ele mesmo – é precisamente como o amor o que os amigos têm entre si. Eles foram testemunhas e destinatários da intensidade deste amor. Sabem que Jesus cuidava das pessoas com quem convivia. Eles o viram alegrar-se com as suas alegrias (cfr. Lc 10, 21) e sofrer com sua dor (cfr. Jo 11, 35). Sempre encontrou tempo para estar com os outros: com a samaritana (cfr. Jo 4, 6), com a hemorroíssa (cfr. Mc 5, 32) e inclusive com o bom ladrão quando já estava na cruz (cfr. Lc 23, 43). O carinho de Jesus manifestava-se em coisas concretas: preocupava-se com o alimento dos que o seguiam (cfr. Lc 9, 13) e também com seu descanso (cfr. Mc 6, 31). Como nos recorda o Papa Francisco, Jesus “cuidou da amizade com seus discípulos, e inclusive nos momentos críticos permaneceu fiel a eles”[6].

Jesus quer que seus amigos sejam reconhecidos pelo seu modo de amar aos outros

A amizade é, ao mesmo tempo, um bálsamo para a vida e um dom de Deus. Não é apenas um sentimento fugaz e sim um verdadeiro amor “estável, firme, fiel, que amadurece com o passar do tempo”[7]. É considerada por alguns a expressão mais alta do amor, já que nos permite valorizar a outra pessoa por si mesma. A amizade “é olhar o outro não para servir-se dele, mas para servi-lo”[8]. É essa a sua preciosa gratuidade. Entende-se então, que o “ser desinteressada” é inerente à amizade, porque a intenção de quem ama não é buscar nenhum benefício, nem um possível efeito boomerang.

Descobrir isto em sua autêntica profundidade sempre surpreende, pois parece chocar com uma ideia da vida como competição, que costuma ser comum em alguns ambientes. Por isso, quem experimenta a amizade o faz habitualmente como um dom imerecido; com amigos os problemas da vida parecem mais leves. Como diz um provérbio kikuyu do qual o bem-aventurado Álvaro del Portillo gostou muito quando foi ao Quênia: “quando há um amigo no cume da montanha, é mais fácil subir”[9]. Os amigos são absolutamente necessários para conseguir uma vida feliz. É, sem dúvida, possível ter uma vida plena sem participar do amor conjugal – como acontece, por exemplo, com quem recebeu o dom do celibato – mas não se pode ser feliz sem experimentar o amor de amizade. Quanto consolo e alegria encontramos numa boa amizade! Como as tristezas se aliviam!

Mais amigos para Jesus

Conhecendo a vida de Jesus e crescendo em intimidade com Ele, podemos aprender as características de uma amizade perfeita. Vimos no princípio que a amizade cristã é especial porque se nutre de uma corrente divina, a graça de Deus, e por isso adquire uma nova “dimensão cristológica”. Esta força impulsiona a olhar e a amar a todos – especialmente os mais próximos – “por Cristo, com Ele e n’Ele”, como diz o sacerdote na Missa ao erguer Jesus no pão eucarístico. Aprenderemos assim a “ver os outros com os olhos de Cristo, descobrindo sempre e novamente o seu valor”[10]. São Josemaria nos animava a ser o próprio Cristo que passa ao lado das pessoas, a dar aos outros o mesmo amor de Cristo amigo. Por isso é lógico que alimentemos em nossa oração a expectativa humana e sobrenatural de ter sempre novos amigos, porque “Deus muitas vezes se serve de uma amizade autêntica para realizar a sua obra salvadora”[11].

A amizade de Jesus com Pedro, com João e com todos os seus discípulos identifica-se com um ardente desejo de que vivam perto do Pai; a sua amizade está unida ao desejo de que descubram a missão à qual foram chamados. Do mesmo modo, em meio às tarefas que o Senhor nos confiou, “não se trata de ter amigos para fazer um apostolado, mas de que o Amor de Deus informe nossas relações de amizade para que elas sejam um autêntico apostolado”[12]. São Josemaria costumava dizer que na vida espiritual chega um momento em que não se distinguem a oração e o trabalho, porque se vive numa contínua presença de Deus. Algo similar acontece com a amizade, porque ao desejar o bem do amigo queremos que esteja o mais perto possível de Deus, fonte segura de alegria. Assim, “não há tempos compartilhados que não sejam apostólicos: tudo é amizade e tudo é apostolado, sem nenhuma distinção”[13].

“não há tempos compartilhados que não sejam apostólicos” (Mons. fERNAnDO oCáriz)

Por isso, no coração dos santos, sempre havia lugar para um novo amigo. Ao ler livros que contam as suas vidas descobrimos um interesse sincero pelos problemas dos outros, pelas suas angústias e alegrias. Dom Álvaro cultivou esta disposição até o fim da sua vida; quis levar a amizade de Cristo inclusive às pessoas que o acompanharam durante as horas da sua última viagem nesta terra. Um dia depois do seu falecimento, “na mesinha de cabeceira encontrou-se o cartão de visita de um dos pilotos do avião que o tinha levado da Terra Santa a Roma. Ele tinha se interessado pelo piloto e pela sua família, especialmente durante o tempo de espera no aeroporto de Tel Aviv. O relacionamento foi breve, mas, profundo: aquele piloto foi rezar diante dos restos mortais de dom Álvaro assim que soube do seu falecimento”[14]. Em um encontro casual tinha se gerado uma amizade que continuava entre a terra e o céu.

***

O cristão tem um grande amor – um dom – a compartilhar. As nossas relações com os outros dão a Cristo a possibilidade de oferecer a sua amizade a novos amigos. “Iluminar os caminhos da terra”[15] implica estender pelo mundo a preciosa realidade do amor de amizade. Às vezes, pensar só em nossos interesses, ter muita pressa ou ficar em certa superficialidade ao conhecer as pessoas, coloca em perigo este presente que Deus quer dar a todos os homens. Grande parte da nossa missão evangelizadora é justamente devolver à amizade o seu autêntico brilho, colocando-a em relação com Deus, com os outros, com o nosso desejo de ser melhores... em suma, com a felicidade.

José Manuel Antuña

Foto: Maksim Shutov, disponível em Unsplash.


[1] Fernando Ocáriz, Carta Pastoral 1/11/2019, n. 23.

[2] Fernando Ocáriz, Carta Pastoral 1/11/2019, n. 7.

[3] Andrés Vázquez de Prada,El fundador del Opus Dei, Rialp, Madri 1997, tomo I, p. 164.

[4] São Josemaria, Via Crucis, VIII estação, 5.

[5] Fernando Ocáriz, Carta Pastoral 1/11/2019, n. 6.

[6] Francisco, Christus vivit, n.31

[7] Ibid., n.152.

[8] São João Paulo II, Ângelus 13-II-1994.

[9] Salvador Bernal, Recuerdo de Álvaro del Portillo, Rialp, Madri 1996, p. 278. Veja aqui o vídeo da tertúlia em que Dom Álvaro fala sobre este provérbio:

[10] Fernando Ocáriz, Carta Pastoral 1/11/2019, n.16.

[11] Ibid. , n.5.

[12] Ibid., n. 19.

[13] Ibid., n. 19.

[14] Salvador Bernal, Recuerdo de Álvaro del Portillo, Rialp, Madri 1996, p. 179.

[15] Fragmento da oração pública para pedir a intercessão de São Josemaria.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/chamei-vos-amigos-2-para-iluminar-a-terra/

A Igreja é minha casa

O Evangelho da família (D.A Online)

A IGREJA É MINHA CASA 

Dom  Messias dos Reis Silveira
Bispo de Teófilo Otoni (TO)

Casa é sempre uma referência para a vida humana. Estar em casa é assumir uma identidade, desenvolver afetos, sentir-se seguro e não se sentir perdido no mundo. É muito importante que se tenha uma casa para ir, para morar, dela sair e para ela voltar. O ser humano sempre necessitou de uma casa, de um chão, de um abrigo. Quando Deus criou o mundo, nos relatam as Sagradas Escrituras, nossos primeiros pais Adão e Eva habitavam no Jardim do Éden. Sim, aquele Jardim no meio do Paraíso era a casa deles. 

Ao constituir o grupo dos seus discípulos, Jesus informou-lhes que o Filho do Homem não tinha um lugar para morar, nem mesmo uma pedra para reclinar a cabeça (cf. Lc 9,58). Mas Ele já havia feito, muitas vezes, a experiência de uma casa. Por trinta anos viveu em casa com seus pais em Nazaré. Quando ia a Cafarnaum, hospedava-se na casa de Pedro. Já em Bethânia, tinha como referência uma família amiga, Lázaro, Maria e Marta, e muitas vezes frequentava esse lar amigo. Quando, no exercício do seu ministério, afirma aos seus seguidores que não tinha nem sequer um lugar para reclinar a cabeça, está querendo dizer que a sua nova referência de casa é o grupo dos Doze Apóstolos. Neste grupo Jesus sentia-se acolhido e nele vivia a sua profunda realidade de Filho de Deus e irmão de todos os outros filhos e filhas de Deus.  

No Antigo Testamento podemos encontrar várias alusões a pessoas que habitavam em suas casas e também a pessoas que habitavam em tendas.  No Novo Testamento, Simeão e Ana de Fanuel tinham por referência em suas vidas o Templo de Jerusalém e foi naquela Casa Sagrada que encontraram o Menino Deus. A casa é, assim, o lugar do encontro. Jesus disse que “onde está o teu Tesouro aí estará também o teu coração” (Mt 6,21). Por tudo isso, é importante descobrir que a Igreja é a nossa casa e nela está o tesouro de uma comunidade reunida em torno de Jesus. Ele mesmo é o tesouro. 

Se a casa é a referência saudável para todas as pessoas, podemos perguntar: como entram nesta realidade as pessoas que não tem casa, não tem onde morar e vivem na rua? Aqui entra um diálogo muito bonito e profundo que alguém teve com um morador de rua. Um grupo de pessoas solidárias resolveu dar-lhe um teto, mas ele não quis morar ali. Num dia chuvoso, uma mulher daquele grupo conversou com o homem dizendo que queriam dar-lhe proteção, pois naquele tempo instável ele precisava de uma casa. O homem pediu que ela olhasse para o céu e lhe disse em seguida: “A senhora está vendo tudo isso? Foi Deus quem criou e foi Ele quem nos deu essa casa”. Ele quis dizer que todos moram em uma casa, mesmo que ela seja tão ampla do tamanho do universo, nossa casa comum, mesmo que esteja dentro uma cidade com muitas casas. Porém, no meio de tantas casas, é preciso se identificar com uma casa e essa não inclui apenas o ambiente familiar, ou uma edificação, mas estende-se também à comunidade de fé, pois a Igreja, uma das casas da cidade, é a casa da família dos filhos de Deus e o lugar especial do relacionamento com o Divino, Nela precisamos nos sentir realmente e intimamente em casa. 

Sabemos que toda casa necessita, muitas vezes, passar por ajustes, reformas, pinturas e manutenções. A Igreja, como comunidade que acolhe os seus filhos, vive num constante processo de crescimento. Esta foi a preocupação do Papa ao convocar o Sínodo, recentemente concluído. Espera-se que as conclusões deste tempo de estudo, oração e conversa no Espírito ajude todos os habitantes desta casa a melhorar a qualidade da vida na Igreja que, conforme disse o Papa Francisco, é para todos, todos, todos. A Igreja é a minha casa. Nela me sinto acolhido, vivo a experiência dignificante de ser filho de Deus e me preparo para a moradia eterna no Reino dos Céus. A Igreja, como comunidade de fé, tem como fundamento e fonte o mistério Divino da Santíssima Trindade e da revelação máxima do Amor na pessoa de Jesus através dos mistérios da Encarnação e Redenção. Vivamos felizes em nossa casa. 

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

Desafios e esperanças na luta contra o “Suicídio Ecológico”

Amazônia - seca | Vatican News

O mundo está vivendo momentos importantes para tomadas de decisões que envolvem metas para o enfrentamento das questões climáticas que têm afetado intensamente a humanidade nos últimos anos, mas especialmente neste ano de 2024.

Adriana Rabelo - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil

Líderes globais, representantes de governos, organizações não governamentais e especialistas estão reunidos em Baku, Azerbaijão, desde o dia 11 de novembro, para debater e apresentar soluções para o fortalecimento dos compromissos climáticos nacionais (NDCs), o financiamento climático e a busca por mecanismos de perdas e danos para apoiar comunidades afetadas pelas mudanças climáticas.

Há também um foco em mercados de carbono e ações de adaptação, como a ampliação de financiamento para projetos resilientes em países em desenvolvimento. As atividades serão encerradas no próximo dia 22. Organizado anualmente pela ONU como parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), este é o principal fórum global para negociações climáticas, tendo sido estabelecido na Cúpula da Terra de 1992, no Rio de Janeiro, com a participação de mais de 190 países.

Cop29 | Vatican News

Já no Brasil, nesta segunda e terça-feira, 18 e 19 de novembro, reúne-se o G20, Grupo dos Vinte, que é um fórum internacional formado pelas 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia. Ele foi criado em 1999 para promover a cooperação econômica e financeira global, sendo considerado um dos principais espaços para discussão de questões econômicas e políticas globais.

Na atualidade, o G20 desempenha papel fundamental no enfrentamento de crises econômicas e ambientais. Este é o primeiro ano que o país sedia a cúpula, com foco em sustentabilidade, mudanças climáticas e cooperação para o desenvolvimento. O fato é considerado uma oportunidade histórica para o Brasil, que assume um papel de destaque em discussões globais a partir de temas relevantes para o futuro da humanidade.

Paralelo a esse evento, entre os dias 14 e 16 deste mês, também ocorreu na capital carioca a Cúpula dos Povos Frente ao G20, com o tema: “Vida acima do Lucro: Povos e Natureza não estão à venda!”. A iniciativa é de organizações da sociedade civil e movimentos sociais, que desde 2012 ocorre no mesmo período das grandes conferências globais, com o objetivo de ressaltar a agenda popular e o compromisso com as necessidades dos mais vulneráveis.

Neste ano, o Sefras – Ação Social Franciscana – esteve presente com o propósito de fortalecer a “agenda dos invisibilizados”, abordando temas essenciais para as pessoas em situação de rua, idosos, imigrantes e outros grupos em situação de vulnerabilidade.

G20 | Vatican News

Enquanto a COP29 e o G20 trabalham com mecanismos políticos e econômicos, a Encíclica Laudato Si’ oferece uma base moral e espiritual para as ações climáticas, incentivando governos e indivíduos a tomarem decisões que beneficiem toda a criação e promovam a equidade global na luta pela preservação da Casa Comum.

Nesses ambientes de debates e acordos, nos quais as lideranças e células da sociedade estão envolvidos, a Igreja Católica também ganha força com pautas que já estão sendo refletidas e levadas para o debate há anos e fortalecidas pela Encíclica Laudato Si’, que foi publicada em 2015 pelo Papa Francisco, tendo como inspiração as palavras de São Francisco de Assis “Louvado sejas, meu Senhor”. Foi um documento nunca antes abordado por um Papa, trazendo à tona importantes reflexões sobre o forte agravamento da crise climática e a preocupação do Pontífice com uma conversão ecológica urgente de “todas as pessoas de boa vontade”.

De acordo com o Movimento Laudato Si’, uma rede global dedicada à promoção e mobilização dos princípios da Encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado com a nossa Casa Comum, as palavras de outros papas, bispos e santos fizeram Francisco se conscientizar de que a Igreja precisava de um texto sobre a ecologia integral. Seu objetivo era levar os católicos e todas as pessoas ao redor do mundo a agirem para reduzir o impacto humano sobre o meio ambiente e preservar nossa Casa Comum para as gerações presentes e futuras. Próxima de completar 10 anos, a Encíclica continua sendo atual e fonte de importantes reflexões para o futuro da humanidade.

Entrevista com Carlos Nobre

Carlos Nobre | Vatican News

Em entrevista ao Site Franciscanos, o climatologista Carlos Nobre, um dos cientistas brasileiros mais conhecidos mundialmente, falou sobre a COP 29, a situação do Brasil e a importância da extensão dos debates sobre a situação climática no mundo, com o propósito de evitar o que chama de “suicídio ecológico”.

“Desde o acordo de Paris, em 2015, e depois quando foi reformulado na COP 26, em 2021, na Escócia, quando foram colocadas metas muito abrangentes e desafiadoras. No entanto, a ciência, naquela época, indicava que não poderíamos deixar o aquecimento global passar de 1,5° C e, se chegasse a 2° C, seria um desastre, o que significaria um suicídio ecológico para o planeta. Na ocasião, todos os países assinaram e colocaram suas metas para não deixar a temperatura passar de 1,5° C.

Segundo ele, a questão é que já chegamos na temperatura que era para ser evitada e estamos assim há 16 meses. Entre janeiro e setembro deste ano, o planeta está 1,54° C mais quente, explicou. Ele salientou que esse aumento de temperatura estava sendo associado ao fenômeno El Niño, acreditando que a situação passaria, mas isso não aconteceu com o final dessa manifestação da natureza. O cientista ainda explicou que o aquecimento anormal e a persistente da superfície do Oceano Pacífico na linha do Equador provocado pelo El Niño induziram à seca recorde na Amazônia.

“Se a temperatura continuar subindo dessa forma até 2026, a situação irá se agravar ainda mais, pois, na verdade, essa alta era esperada para 2050. Diante disso, todas as metas relacionadas à emissão deverão ser muito mais rápidas e, consequentemente, mais desafiadoras. Essa é uma das realidades da COP”, salientou.

Carlos Nobre afirmou que, até o momento, não se discute muito a necessidade de acelerar a redução das emissões. “Nas últimas COPs, apenas deram continuidade às ideias das metas de 2023 para redução de emissão em 43% até 2025 e zerar as emissões líquidas até 2050.

Como critério de esclarecimento, a redução de emissões refere-se às ações e medidas tomadas para diminuir a quantidade de gases de efeito estufa ou outros poluentes emitidos na atmosfera. Essas emissões podem ser provenientes de diversas atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis, desmatamento, agricultura, processos industriais e transporte.

Com a manutenção da alta da temperatura, o cientista questiona: “Será que a COP29 vai acelerar? Vai buscar metas mais abrangentes?” Ele ainda lembrou que os países têm até o primeiro semestre de 2025 para colocarem suas novas metas.

De acordo com o site de notícias G1, no último dia 8 de novembro o Brasil apresentou seu posicionamento. O vice-presidente Geraldo Alckmin defendeu e classificou como “ambiciosa” a meta brasileira de redução de gases do efeito estufa em até 67% antes de 2035.

Diante do cenário alarmante, Carlos Nobre citou as eleições norte-americanas e a volta do presidente Donald Trump, e disse ser um momento muito preocupante. “Ele já disse que fará novamente o que fez em 2017, quando tirou os Estados Unidos do acordo de Paris. Desta vez, o presidente da Argentina, Javier Milei, retirou sua delegação da COP. Ele disse que faria isso quando foi eleito.”

Já no encontro do G20, o presidente argentino assinou, nesta segunda-feira (18/11), a adesão formal à Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, proposta do Brasil e uma das prioridades do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o grupo.

Voltando à questão do clima e à participação do Brasil, o climatologista explicou que o país está progredindo em suas ações com a redução do número de desmatamento na Amazônia e no Serrado. De acordo com ele, o objetivo é zerar o desmatamento até 2030. Na COP28, o governo brasileiro lançou a meta em suas Contribuições Nacionais Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) de restaurar 240 mil quilômetros quadrados na Amazônia brasileira. “Isso é muito importante, assim como a transição energética que vai ajudar a reduzir a queima de combustíveis fósseis.” No entanto, Carlos Nobre alertou que um ponto mais complicado são as emissões da agropecuária.

Quando questionado sobre as questões climáticas, os impactos na sociedade, especialmente entre a população mais carente e o posicionamento da Igreja Católica diante das questões de preservação da Casa Comum, a partir da encíclica Laudato Si’, o cientista foi esclarecedor. “Os extremos climáticos que batemos em 2024, com as ondas de calor, seca, inundações, chuvas, rajadas de vento, provocou uma enorme perturbação e um enorme desafio também para o equilíbrio socioeconômico. As pessoas mais pobres são as mais afetadas por esses eventos. Buscar uma solução para a emergência climática é também não causar a destruição da vida das populações mais vulneráveis, pois são as que mais sofrem”, afirmou.

De acordo com o cientista, não podemos permitir um suicídio ecológico do planeta. “Precisamos reduzir drasticamente a emissão, assim como um projeto de recuperação dos biomas que perturbamos por muitos séculos.”

Carlos Nobre considera a mensagem do Papa Francisco muito interessante, porque de fato também representa um reconhecimento da cultura de preservação dos povos indígenas que sempre mantiveram os biomas e conseguiram lidar com a biodiversidade, fazendo uso dela, se alimentando, sem destruir. “Por isso acredito que a ecologia integral é o caminho para que possamos proteger e recuperar a biodiversidade.”

A citação 13 da Encíclica Laudato Si’, diz que: “ O urgente desafio de proteger a nossa Casa Comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar”.

Cardeal Parolin | Vatican News

Solidariedade Global

Nesta segunda-feira, 18 de novembro, dia da abertura da reunião do G20, no Rio de Janeiro, o Papa Francisco enviou uma mensagem, que foi lida pelo Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, durante o lançamento da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza.

De acordo com o site Vatican News, no texto endereçado ao presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, o Pontífice faz um apelo por solidariedade global e coordenação entre as nações para enfrentar injustiças sociais e econômicas, e sublinha que ações imediatas e conjuntas são indispensáveis para erradicar a fome e a pobreza, com foco na dignidade humana, no acesso aos bens essenciais e na redistribuição justa de recursos.

“A implementação de medidas eficazes requer um compromisso concreto dos governos, das organizações internacionais e da sociedade como um todo. A centralidade da dignidade humana, dada por Deus, de cada indivíduo, o acesso aos bens essenciais e a justa distribuição de recursos devem ser priorizados em todas as agendas políticas e sociais”, afirmou o Pontífice.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

terça-feira, 19 de novembro de 2024

O G20 à luz dos ensinamentos do Papa Francisco

Cristo Redentor - Rio de Janeiro (Vatican News)

Desde o seu primeiro encontro, em 1999, a cúpula do G20 entendeu que os desafios globais exigem uma abordagem integrada entre ética e ação política, pilares que garantirão às gerações futuras um sistema financeiro mais estável e inclusivo.

Padre Dr. Marcus V. Brito de Macedo - Doutor em Relações Internacionais e Comunicação Social/Professor da PUC-RJ

Anualmente, as vinte maiores economias mundiais reúnem-se em um país-sede com um propósito em vista: ser um fórum de cooperação internacional, buscando promover a estabilidade econômica. Assim pode ser definido o encontro do G20, que acontece no Rio de Janeiro, a meados de novembro.

Desde o seu primeiro encontro, em 1999, a cúpula do G20 entendeu que os desafios globais exigem uma abordagem integrada entre ética e ação política, pilares que garantirão às gerações futuras um sistema financeiro mais estável e inclusivo, e ajudarão no enfrentamento a crises globais, como mudanças climáticas e desigualdades sociais – o que demonstra uma constante atualização a respeito da missão da entidade, que hoje alarga seu horizonte de atuação para além do campo econômico.

No epicentro desse movimento internacional entre nações, o Brasil assumiu a presidência rotativa da cúpula e sedia o encontro, que tem como principais temas o combate à fome e à pobreza, o desenvolvimento sustentável e a reforma da governança global. Mas não somente coordena as negociações e acordos entre líderes ao longo de seu mandato. Nosso país propôs iniciativas como o G20 Social, que buscou engajar a sociedade civil globalmente, promovendo debates e ações concretas. As reuniões incluíram jovens, mulheres, cientistas e outros setores da sociedade, reforçando a ideia de inclusão e participação popular como legado do evento.

Foi justamente em um evento do G20 Social que o Brasil propôs a Aliança Global contra a fome, tema caro aos governantes nacionais, frequentemente preocupados com o país ocupando sua cadeira cativa no mapa da fome ao longo de décadas.

É importante notar que em 2013, seu primeiro ano de pontificado, Papa Francisco, em mensagem a Vladimir Putin, presidente da Rússia, que naquele ano sediava o evento, dirigia uma firme mensagem: “o contexto atual, altamente interdependente, exige uma moldura financeira mundial, com regras justas, para conseguir um mundo mais equitativo e solidário, no qual seja possível eliminar a fome…”.

Há uma espécie de simbiose entre o pensamento do Papa e os temas centrais debatidos no solo da terra de Santa Cruz. O Arcebispo Paul Richard Gallagher, Secretário para as Relações com os Estados e as Organizações Internacionais, afirmou que “são as palavras de Francisco que inspiram e animam a atividade diplomática da Santa Sé”. Dom Gallagher ressaltou ainda que é “por meio de exortações e orações, encontros e encíclicas e, acima de tudo, por meio de suas viagens a todos os cantos do globo que o Papa exerce incansavelmente sua autoridade moral, confronta situações de injustiça, estende a mão a pessoas abandonadas, adverte contra práticas nocivas que põem em risco nosso mundo e nosso futuro”. 

A partir da Encíclica Laudato Si, de 2015, o Santo Padre lançou “um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta”, evitando a perigosa cultura do descarte - expressão original criada pelo sucessor de São Pedro para tratar de longevos problemas. Segundo o Pontífice, “custa-nos a reconhecer que o funcionamento dos ecossistemas naturais é exemplar: as plantas sintetizam substâncias nutritivas que alimentam os herbívoros; estes, por sua vez, alimentam os carnívoros que fornecem significativas quantidades de resíduos orgânicos, que dão origem a uma nova geração de vegetais. Ao contrário, o sistema industrial, no final do ciclo de produção e consumo, não desenvolveu a capacidade de absorver e reutilizar resíduos e escórias. Ainda não se conseguiu adoptar um modelo circular de produção que assegure recursos para todos e para as gerações futuras e que exige limitar, o mais possível, o uso dos recursos não-renováveis, moderando o seu consumo, maximizando a eficiência no seu aproveitamento, reutilizando e reciclando-os”.

Ao longo do documento, Papa Francisco mostrou-se preocupado em evidenciar o pensamento de seus predecessores, fazendo especial menção ao pensamento de São Paulo VI, quando este sublinha “a necessidade urgente duma mudança radical no comportamento da humanidade”, uma vez que “os progressos científicos mais extraordinários, as invenções técnicas mais assombrosas, o desenvolvimento económico mais prodigioso, se não estiverem unidos a um progresso social e moral, voltam-se necessariamente contra o homem”.

Em consonância com os temas propostos pelo G20, a Encíclica adverte que a destruição ambiental afeta particularmente os mais pobres e marginalizados, que possuem menos recursos para enfrentar catástrofes ambientais. O Papa exorta as nações a assumirem a responsabilidade coletiva pelo cuidado com a “casa comum”, enfatizando a urgência de uma transição para fontes de energia renováveis e políticas de desenvolvimento sustentável. Na atual cúpula do G20, a transição energética e a adaptação climática estão no centro das discussões, com os líderes debatendo maneiras de apoiar uma transição que seja justa e acessível para todos, inclusive para os países em desenvolvimento.

No ano de 2020, o Sumo Pontífice, através da Encíclica Fratelli Tutti, apontou outra grave questão potencial a respeito do esgotamento dos recursos naturais: “Frequentemente as vozes que se levantam em defesa do ambiente são silenciadas ou ridicularizadas, disfarçando de racionalidade o que não passa de interesses particulares. Nesta cultura que estamos a desenvolver, vazia, fixada no imediato e sem um projeto comum, ‘é previsível que, perante o esgotamento de alguns recursos, se vá criando um cenário favorável para novas guerras, disfarçadas sob nobres reivindicações’ ”.

Assim, a mensagem de paz e unidade do Papa, tão difundida em seus discursos e através de suas ações concretas, ganha relevância especial no contexto atual, onde as tensões políticas e econômicas globais, assim como conflitos armados, têm trazido impactos negativos para milhões de pessoas. O Santo Padre tem insistido na necessidade de resolver conflitos por meio do diálogo e de uma diplomacia paciente, lembrando que a paz é uma construção coletiva que exige o esforço e a colaboração de todas as nações. Esse apelo encontra respaldo no G20, que se esforça para ser um fórum de cooperação internacional, buscando promover a paz, a estabilidade econômica e uma recuperação pós-pandemia que seja justa e inclusiva.

Sob a liderança brasileira, o fórum abre mais uma janela de oportunidade: a de implementar políticas que combatam a pobreza extrema e incentivem parcerias entre nações em desenvolvimento, alinhando-se à perspectiva papal de justiça global. Afinal, para Francisco, “enquanto não se resolver radicalmente os problemas dos pobres, não se resolverão os problemas do mundo”. A presidência brasileira no G20 pode canalizar essa mensagem para promover a inclusão de países marginalizados no processo de tomada de decisões globais.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Missa celebrativa do VIII Dia Mundial dos Pobres em Brasília

Missa celebrativa do 8º Dia Mundial dos Pobres em Brasília (arqbrasilia)

Mais de 500 pessoas participam da Caravana Partilha Brasília em celebração ao VIII Dia Mundial dos Pobres

Neste sábado (16/11), a Arquidiocese de Brasília promoveu um grande evento na Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida, que contou com o apoio de diversos parceiros, para celebrar o VIII Dia Mundial dos Pobres, instituído pelo Papa Francisco.

  • novembro 16, 2024

Através do Programa Arquidiocesano Partilha Brasília, a Arquidiocese promoveu uma manhã com diversas atividades na área externa da Catedral Metropolitana, com o objetivo de acolher e atender diversas pessoas em situação de vulnerabilidade social de várias regiões administrativas do Distrito Federal, como Ceilândia, Estrutural, Santa Maria, Samambaia, entre outras.

Com o tema “A oração do pobre eleva-se até Deus”, o evento reuniu mais de 500 pessoas, destacando a necessidade da união entre os fiéis a fim de sensibilizar a sociedade sobre a importância de olhar para aqueles que mais precisam de auxílio, oferecendo apoio e solidariedade. Após o café da manhã, a Celebração Eucarística, presidida pelo Cardeal Arcebispo de Brasília, Dom Paulo Cezar Costa, e concelebrada por Dom Antonio de Marcos, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Brasília e referencial para as Obras Sociais, e por alguns sacerdotes da Arquidiocese, reuniu o povo de Deus em um momento de Ação de Graças pelo dom de celebrar a vida.

“Quem reza, percebe os irmãos necessitados que se encontram ao seu lado. As pessoas necessitam do nosso amor. Não existe um verdadeiro seguimento a Jesus Cristo se ignorarmos os pobres. A opção pelos pobres faz parte da fé Cristológica. Olhando para a realidade que está ao nosso redor, encontramos tantas pessoas que precisam de atenção e do nosso amor. Ser dom concreto na vida dos pobres é perguntar a eles: como eu posso te ajudar a viver verdadeiramente de acordo com a dignidade de filho de Deus? Todos nós somos filhos de Deus. Esse Dia Mundial dos Pobres nos faz recordar que somos necessitados. De uma forma ou de outra, todos somos pobres. O pobre não é apenas aquele que não tem bens materiais, mas todos que trazem em si indigências. Todos nós trazemos essa condição de sermos seres necessitados. Então, que celebremos esse dia que é profecia para nós. Que nos lembremos de que existem tantos irmãos e irmãs necessitados e que o nosso dever é ir ao encontro deles buscando ser dom de amor”, frisou Dom Paulo durante a homilia.

Ao longo da manhã foram oferecidos atendimentos médicos e odontológicos, serviços de beleza, brinquedoteca para as crianças, refeições e palestras. “O Papa Francisco pede para sensibilizarmos todas as nossas comunidades sobre a presença do pobre no meio de nós. Vivemos em uma sociedade cada vez mais indiferente à situação do próximo, do outro. Muitas vezes, passamos perto e não os enxergamos. O pobre se torna invisível diante de nós. Então, é importante essa data para nos fazer recordar que eles existem, estão presentes e não estão muito longe de nós, pelo contrário, estão muito próximos. Nós precisamos voltar nosso olhar para esses nossos irmãos e irmãs mais necessitados. Nesse Dia Mundial dos Pobres, eu gostaria também de fazer esse apelo para que nós intensifiquemos as nossas orações, para que o nosso olhar possa estar voltado para os nossos irmãos necessitados. Que possamos crescer nessa espiritualidade e que o nosso coração esteja cada vez mais sensível e voltado para eles”, destacou Dom Antonio de Marcos.

Os organizadores do evento relatam que a iniciativa de realizar o evento na Catedral foi planejada para que muitas pessoas que vivem no Distrito Federal pudessem ter a oportunidade de pela primeira vez ingressar na Igreja Mãe de Brasília.

“Esta foi a primeira vez em que muitos participantes da Caravana Partilha Brasília entraram na Catedral Metropolitana. É muito gratificante poder realizar esse evento em que as pessoas verdadeiramente têm um contato mais íntimo com o Senhor. Promover esse evento é sempre uma experiência muito bacana, porque é tudo uma logística de alimentação, de acolhimento, de estrutura, de liturgia, de um bom atendimento para que eles possam se sentir em casa. Então, é um desafio muito bom. Para o ano que vem já temos em nossa agenda marcada mais quatro Caravanas do Partilha Brasília, que serão realizadas em diferentes territórios no Distrito Federal. Esse evento do Dia Mundial dos Pobres já faz parte do calendário da Arquidiocese de Brasília e será, com a graça de Deus, realizado todos os anos”, relatou Caio Valente, Coordenador Arquidiocesano do Programa Partilha Brasília e um dos organizadores do evento.

Sandra Rúbia Guedes conta que mora em Samambaia Norte, há mais de 50 anos, e nunca havia entrado na Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida. “Meus netos estão se divertindo muito neste evento. Eu nasci aqui no Distrito Federal, mas nunca tive a oportunidade de entrar na Catedral. Hoje, realizo esse sonho com muita alegria”, disse emocionada.

Há também os participantes da iniciativa arquidiocesana que aguardam a chegada desse encontro com grande expectativa. Moradora do Sol Nascente, Ruana Alves da Cunha participou do encontro pela segunda vez, acompanhada pelos seus seis filhos. “Esse evento é muito bom. No ano passado estava de resguardo, mas não deixei de vir. Meus filhos já acordam cedo querendo aproveitar esse encontro e ficam empolgados. É um momento de muita alegria para toda a nossa família”, afirmou.

Fonte: https://arqbrasilia.com.br/

Papa Francisco almoçou com 1.300 pessoas necessitadas no Dia Mundial dos Pobres

Antoine Mekary | ALETEIA

I.Media - publicado em 17/11/24

Para o Dia Mundial dos Pobres, o Papa Francisco encorajou os cristãos a comprometerem-se na luta contra as desigualdades e partilhou o almoço com 1.300 pessoas pobres.

Durante uma missa celebrada na Basílica de São Pedro por ocasião do Dia Mundial dos Pobres, o Papa Francisco encorajou fortemente os cristãos a se comprometerem na luta concreta contra as desigualdades, no dia 17 de novembro de 2024. O pontífice, que almoçou às 12h30 com 1.300 pessoas necessitadas também convidaram os que estão no poder a não esquecerem os pobres.

“Vemos crescer ao nosso redor a injustiça que causa o sofrimento dos pobres, mas adotamos a habitual resignação de quem, por conforto ou por preguiça, pensa que 'o mundo é assim' e que 'não há nada que eu possa fazer'. posso fazer.' Podemos fazer algo a respeito”, denunciou o Papa durante a homilia desta missa celebrada por ocasião do VIII Dia Mundial dos Pobres.

Este dia foi lançado pelo pontífice argentino após o Jubileu dos Sem-Abrigo organizado em Roma pela associação francesa Fratello, durante o Ano da Misericórdia (2016). Desde então, o Papa aproveitou esta data para recordar especificamente que a Igreja “torna-se ela mesma” quando se coloca ao serviço dos pobres.

Diante de mais de 5.000 fiéis reunidos na Basílica de São Pedro, entre eles muitas pessoas da rua, o Papa desafiou fortemente os católicos. Não podem reduzir a sua fé a uma “devoção inofensiva que não perturbe os poderes deste mundo e não gere um compromisso concreto de caridade”, insistiu, antes de descrever as “desigualdades” que “aumentam e uma sociedade que está “dedicada à idolatria do dinheiro e do consumo".

“Devo desviar o olhar da pobreza?”

Contra a resignação e o desespero, o Papa exortou os cristãos a identificarem o que podem alcançar todos os dias. Ele apelou à ação “através dos nossos estilos de vida, através da nossa atenção e cuidado pelo ambiente em que vivemos, através da nossa busca tenaz pela justiça, através da partilha dos nossos bens com os mais pobres, através do nosso compromisso social e político para melhorar a realidade que rodeia nós."

Saindo das suas notas, o Papa criticou aqueles que dão uma moeda a um mendigo sem olhar para ele ou tocar-lhe na mão. «Perguntemo-nos hoje: 'Desvio o olhar da pobreza, das necessidades e da dor dos outros?'", convidando todos a fazer um exame de consciência.

Apesar da fome no mundo, “dos horrores da guerra e das mortes inocentes”, o chefe da Igreja Católica alertou contra o afundamento na “angústia” do “drama da história”.

“A esperança cristã que se realiza em Jesus e se realiza no seu Reino precisa de nós e do nosso compromisso, de uma fé ativa na caridade, de cristãos que não viram as costas”, afirmou.

O Papa Francisco concluiu a sua homilia com um apelo geral à mobilização: “Digo-o à Igreja, digo-o aos governos dos Estados e às organizações internacionais, digo-o a todos e cada um: por favor, não esqueçamos o pobre."

Uma refeição na sala Paulo VI com os pobres

O chefe da Igreja Católica almoçará na Sala Paulo VI do Vaticano com 1.300 pobres. Durante este encontro amigável organizado pelo Dicastério para o Serviço da Caridade – e financiado pela Cruz Vermelha Italiana e pelos Padres Vicentinos – todos os convidados do Papa receberão uma mochila contendo alimentos e produtos de higiene pessoal.

Antes deste dia, o dispensário Madre di Misericordia, uma estrutura do Vaticano que ajuda os sem-abrigo que vivem nos arredores da Praça de São Pedro, abriu um serviço gratuito de cuidados médicos, vacinação contra a gripe, exames de sangue, amostras e pensos. Nesta iniciativa participaram médicos voluntários de 18 especialidades.

Além disso, como vem acontecendo há vários anos, o Dicastério para a Evangelização deve pagar as contas de eletricidade e de gás das famílias romanas desfavorecidas.

Veja aqui as imagens da missa e da refeição do Papa Francisco com os pobres:



Fonte: https://es.aleteia.org/2024/11/17/el-papa-francisco-almorzo-con-1300-personas-necesitadas-por-la-jornada-mundial-de-los-pobres

A educação na Igreja antiga e a sua relação com a comunidade eclesial.

A educação na Igreja antiga (CNBB Norte 2)

A EDUCAÇÃO NA IGREJA ANTIGA E A SUA RELAÇÃO COM A COMUNIDADE ECLESIAL

nov 13, 2024

por Dom Vital Corbellini
Bispo da Diocese de Marabá

Introdução

Os Padres da Igreja, os primeiros escritores cristãos, receberam uma educação dentro do sistema educacional grego romano que visava tornar as pessoas cidadãs, membros da vida civil e comunitária. Pela educação eles eram percebidos pessoas livres, capazes de coordenar serviços na sociedade. Essa era uma educação básica, popular que possibilitava o conhecimento das ciências na época. A filosofia delineava valores comunitários e sociais. Eles frequentavam as escolas normais que o Império romano oferecia a todos os povos dominados. Para os Padres da Igreja, a educação recebida também visava o conhecimento de Jesus Cristo, da Igreja, a prática da Palavra de Deus e o engajamento comunitário.

A existência das Academias

As Universidades não existiam na época, mas, sim, as Academias em alguns lugares do Império romano como Atenas, Constantinopla, Alexandria, Antioquia, entre outras cidades, de modo que uma educação bem fundamentada era lhes dada, pois se tratava de um ensino superior, do ponto de vista atual. Os padres foram educados nesse sistema educacional, na retórica, último degrau no estudo, que os impulsionava a não só a bem falar ao público e a ter o domínio no saber, através dos argumentos, mas essa servia para esclarecimento das coisas, na liturgia, na interpretação da Sagrada Escritura para o povo diante das heresias e na necessidade de dar respostas por parte da Igreja diante dos debates teológicos, cristológicos e pneumatológicos. O estudo favoreceu a elaboração de uma ideia e de uma educação para a vida e para o amor. Para os padres da Igreja a retórica visava à verdade das coisas e não simplesmente os discursos nos tribunais, palcos ou nos púlpitos das Igrejas[1]. Se os Padres freqüentavam escolas dos pagãos, com o tempo eles encaminharam a partir da educação, a constituição de escolas próprias em vista da formação sacerdotal, escolas bíblicas e cristológicas nas suas comunidades. No momento em que existe a preocupação, ação da Igreja, dos governos em relação à educação é importante dar uma visão de como os padres dos primeiros séculos encararam a educação e da forma como a viveram em seu tempo na relação comunitária.

Os cristãos

Os seguidores de Jesus, os cristãos freqüentavam as escolas dos pagãos como quaisquer outros alunos. No século II, a Carta a Diogneto afirmou que os cristãos não se distinguiam de outras pessoas nem por terra, ou costumes. Não possuíam uma língua estranha ou algum modo especial de vida, mas vivendo em cidades gregas e bárbaras adaptavam-se aos costumes do lugar quanto à roupa, ao alimento e testemunhavam um modo de vida social que era admirável para todos e paradoxal[2].

No mundo grego romano existiam três formas de escolas, na qual os pagãos e os cristãos participavam das mesmas: primeiro, os alunos freqüentavam o “Ludus Literarius”, isto é, o primário, onde os meninos e as meninas entre os sete e os doze anos aprendiam a ler, a escrever e a fazer as primeiras operações de cálculo. Depois vinha a “Gramática”, onde os adolescentes aprendiam as obras e o estilo dos escritores mais famosos, sejam eles gregos, sejam latinos e por fim vinha a “Escola da Retórica” onde os jovens e adultos conseguiam a suma do saber[3].

O aprendizado da filosofia

Nestas escolas, os alunos aprendiam também a filosofia. Alguns autores dos primeiros séculos davam valor à filosofia helênica na sua escola como Justino de Roma e Clemente de Alexandria. Orígenes fez uma leitura da filosofia em chave cristã. Já Tertuliano não via com simpatia a influência da filosofia no cristianismo ainda que ele dependesse de sua teologia da filosofia sobretudo, a estóica[4]. No século IV haverá uma abertura sempre maior à filosofia clássica de uma forma particular, com os padres capadócios. Basílio recomendará a leitura dos autores gregos e latinos com o intuito que eles aprofundassem ainda mais o estudo da Sagrada Escritura. “Quando se apresentam fatos ou palavras de homens excelentes, segui-os com espírito de emulação e fazer o possível para imitá-los”[5].

A juventude cristã

A juventude cristã tinha frequentemente mestres pagãos cujo ensinamento era ligado à mitologia, à racionalidade, às tradições pagãs. Havia casos de mestres cristãos apreçados pelos pagãos e de mestres pagãos que se gloriavam de alunos cristãos. Por exemplo o reitor pagão Libânio tinha relações com Basílio e João Crisóstomo. Proerésio foi mestre de Gregório de Nazianzo e do pagão Eunápio. Mário Vitorino, sendo mestre pagão, se converteu ao cristianismo, ao professar a sua fé em uma forma pública[6].

Autores cristãos, fundadores de escolas

Justino mártir, Ireneu de Lião, Tertuliano foram fundadores de escolas teológicas não ligadas exclusivamente às Sagradas Escrituras. Justino falou que o nome de cristãos possibilitava a perseguição. “Não castigais ninguém que foi acusado diante dos vossos tribunais antes que ele seja réu convicto. Contudo, quando se trata de nós, tomais o nome como prova, sendo que, se for pelo nome, deveríeis antes castigar os nossos acusadores”[7]. O bispo de Lião fundou um centro cultural pela defesa da apostolicidade da Igreja na unidade da sucessão dos apóstolos e a presença do bispo como aquele que garantia a transmissão da verdade revelada. Com Tertuliano falava-se da verdade como o aspecto fundamental na transmissão do cristianismo. Em Alexandria Orígenes imprimiu ensinamentos religiosos relacionados ao mundo transcendente como Deus, mistério trinitário, anjos, almas, em relação ao mundo histórico, criação, encarnação do Verbo, ressurreição e castigo, o mundo humano, o livre arbítrio, a sabedoria, o dom humano de ser imagem de Deus[8].

A visão da educação a partir dos Padres da Igreja

Clemente Alexandrino dizia que a sabedoria divina é grande por tomar conta de seus filhos em diversos modos no cuidado da nossa salvação. O pedagogo, no caso Cristo, testemunha em favor daqueles que cumprem o bem e chama-os nessa prática (do bem), admoestando-os para não se inclinarem aos pecados mas para que possam ter uma vida melhor[9]. Clemente chamou o Verbo encarnado de Pedagogo da humanidade que se serviu das mais diversas manifestações de sua mesma sabedoria para salvar os mais infortunados na vida. Ele também disse que somos alunos necessitados das palavras do Mestre para que dê ânimo aos outros. Assim como os bons não necessitam de médico, mas os doentes (cf. Mc 2,17), assim também nós necessitamos do Salvador. Nós somos doentes nesta vida por desejos não bons provenientes de nossas intemperanças e de todas as outras inflamações de nossas paixões. O Pedagogo nos admoesta com remédios doces e também com remédios amargos. Temos a necessidade do Salvador para que nos guie para superação da cegueira apontando-nos à luz, nós que estamos com sede para a fonte da água viva porque aqueles que beberão da mesma nunca mais terão sede(cf Jo 4,14)[10].

Jesus, o Educador da Humanidade

Clemente Alexandrino reconheceu que sem Jesus, o Educador da humanidade não haveria vida, mas a morte. Como as crianças e os adolescentes precisam de seus educadores, nós temos a necessidade do Mestre, Jesus Cristo para assim não ser privados de uma educação que leve à separação dos grãos com o celeiro que serão recolhidos no Pai[11]. Assim é o nosso Pedagogo: bom e justo. Ele não veio para ser servido, mas para servir a todos(cf. Mt 20,28) e por isso o evangelho mostra-o dando a sua vida por nós. Ele oferece o que há de mais precioso, a sua alma, a sua vida para toda a humanidade(cf. Jo 15,13)[12].

A educação como ensino em família

A educação entendida como ensino deve começar em família. São João Crisóstomo, Bispo e Padre da Igreja nos séculos IV e V teve presentes alguns pontos no sentido que os pais eduquem os seus filhos e filhas com solicitude, admoestando-os no Senhor. A juventude tem necessidade que as pessoas a corrija, a acompanhe, a nutre. Uma consideração é levada em conta: a conservação da castidade. Neste campo a juventude sofre os danos maiores; e para superá-los nisso, há a necessidade de muita atenção e muita luta. Um grande penhor foi dado aos pais, os seus filhos e as filhas. Faça-se o possível para encaminhá-los no bem para que o maligno não os carregue consigo. A preocupação em formar o ânimo dos filhos e das filhas esteja na vida dos pais. Deve-se ter presente a formação das virtudes[13]. Os filhos e as filhas sejam educados e admoestados no Senhor(cf. Ef 6,4). Se os seres humanos são valorizados por esculpir as estátuas dos reis, gozando de muita honra, “Nós que tornamos mais bela imagem real, o homem de fato é imagem de Deus (cf. Gn 1,26) não gozaremos dos bens imensos, admitido que a nossa obra torne a verdadeira semelhança”?[14]. São João Crisóstomo dizia que a verdadeira semelhança é a virtude da alma, porque acontece a educação dos filhos e das filhas para serem bons, para que dominem a ira, as ofensas, qualidades divinas que nós as educamos para serem generosos, amantes das pessoas humanas e do Senhor Deus[15].

A educação é dada na comunidade

A educação também devia ser feita pela comunidade eclesial. São Gregório de Nazianzo, bispo de Constantinopla, século IV falava da boa educação, o seu significado e noção. Todos os seres humanos dotados de inteligência concordam que a educação é o primeiro dos nossos bens e a educação mais excelente não deveria levar em conta só os discursos inteligíveis, sendo dada na comunidade, em vista do dom da salvação. Em relação as ciências pagãs, São Gregório dizia que o cristão aceita a contemplação e a investigação da natureza. Rejeita-se toda ciência que leve aos demônios, ao erro, à perdição. A educação não seria desprezada, do contrário, considerar-se-iam estultos e sem educação aqueles que assim pensam e querem que todos convenham com eles, para a superação da ignorância[16].

A educação e os bens eternos

A educação tinha como fim último a elevação aos bens eternos. Clemente Alexandrino interpretou a palavra de Jesus: “A tua fé te salvou”(Mt 5,34) no sentido de que a salvação é dada em relação à fé e às obras. O fiel deve afastar-se da escravidão da carne e dos vícios para assim alcançar a demora eterna na qual é destinado[17]. Agostinho tinha presente o impulso que deve ser dado à essa educação. Como a educação de um indivíduo dá-se por etapas, assim também aquela do gênero humano e por isso o povo de Deus eleva-se das realidades temporais à compreensão daquelas eternas, das realidades visíveis para aquelas invisíveis. Ele dizia que é ótima coisa quando a alma humana não está presa aos desejos terrestres; ela começa a se habituar a esperar por Deus diante dos bens mesquinhos deste mundo espere por aqueles da vida eterna[18]. A educação da alma, do interior da pessoa humana é uma das coisas mais difíceis de serem feitas. Uma coisa é atenção às feridas e doenças no corpo; outra coisa é acalmar a fome e a sede semelhantes de modo a ajudar os outros. Quando se trata de ajudar os mais necessitados nós damos uma ajuda aos seus corpos: no entanto deveria ter outra ajuda pelo ensinamento, na qual nós cumprimos uma obra educativa sobre os seus ânimos. O bispo de Hipona considerava essa arte educativa, que é a arte médica da alma, vem das mesmas divinas Escrituras distinguindo-se em dois momentos: admoestação e a instrução. Se a primeira dá-se sobre o temor, a segunda é sobre o amor. Quem educa deve ter em conta o amor. A educação que vem de Deus para o ser humano é dada pelos dois Testamentos. Se o Antigo prevaleceu mais o temor no Novo Testamento é o amor. Desta forma quem ama o próximo faz o possível para que o corpo e a alma se salvem e que esse(o próximo) tema a Deus e o ame[19].

Os Padres da Igreja consideraram a educação como algo importante que levasse ao saber, à vida comunitária, como forma de levar as pessoas à verdade das coisas, em suas famílias, comunidades e sociedade, sobretudo a verdade que é Jesus Cristo, a Igreja e o ser humano.

[1] Cfr. A. Quacquarelli. Retorica. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane. Genova-Milano: Marietti, 2008,  pg. 4501

[2]Cfr. Carta a Diogneto, 5,1-4. In: Padres Apologistas. São Paulo: Paulus, 1995.

[3]Cfr. B. Amata, Scuola. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane,  pg. 4816.

[4] Cfr. Idem, pgs. 4816-4817.

[5]Basilio I Cesarea. Discorso ai Giovani, IV,2, a cura di M. Naldini.. Firenze: Nardini Editore, 1990.

[6] Cfr. B. Amata, Scuola. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane., pg. 4817. Ver também: Santo Agostinho. Confissões, VIII, 2,5. São Paulo: Paulus, 1997.

[7] Cfr. Justino de Roma. I Apologia, 4,4-5. São Paulo: Paulus, 1995.

[8] Cfr. B. Amata, Scuola. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane., pg. 4819.

[9] Clemente Alessandrino. Il Pedagogo, I, 74. In: La Teologia dei padri. Roma: Città Nuova Editrice, 1974, pg. 100.

[10] Cfr. Idem, pg. 100.

[11] Cfr. Ibidem, pg. 101.

[12] Cfr. Ibidem, pg. 101.

[13] Cfr.Giovanni Crisostomo. Omelie sulla prima lettera a Timoteo, 9,2. In: La Teologia dei padri, 3. Roma: Città Nuova Editrice, 1974, pgs. 381-382.

[14] Idem, 21,4. pg. 385.

[15] Cfr. Ibidem, pg. 386.

[16] Cfr. Gregório di Nazianzo.  Discorso funebre in onore di Basílio il Grande, 11. In: La Teologia dei padri, 3. pg. 27.

[17] Cfr. Clemente Alessandrino. StromataVI, 108,4. In: La Teologia dei padri, 2.  pg. 180.

[18] Cfr. Agostino. La Città di Dio, X,14. In: La Teologia dei padri, 4, pg. 238.

[19] Cfr. Agostino. I costumi della Chiesa cattolica,, I, 55-56. In: La Teologia dei padri, 1, pgs. 267-268.

Fonte: https://cnbbn2.com.br/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF