Translate

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Ladrão tem perdão?

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo metropolitano de São Paulo (SP)
As denúncias de pequenos furtos e roubos de grandes fortunas são de todos os dias. E não é de hoje: a história dos povos registra a ladroagem em todas as épocas, da antiguidade à pós-modernidade. A diferença é que a roubalheira vai ficando mais sofisticada e vai do esconder tesouros em caixas de papelão e malas de viagem a estourar caixas-fortes com dinamites e aplicar golpes pela internet. Há roubo de todo jeito e daria para organizar uma enciclopédia da ladroagem!
Se é verdade que amigos do alheio sempre existiram, isso não torna lícito e aprovado o roubo, que sempre foi e continua a ser considerado um ato desonesto e injusto, além de marcar de maneira negativa a pessoa que o pratica. É feio e vergonhoso ser ladrão e ser chamado de ladrão não é considerado um elogio para ninguém… Talvez, na sociedade dos ladrões, furtos e roubos possam ter algum reconhecimento, mas essa seria uma sociedade inominável e sem reconhecimento meritório.
Por que não abolir de uma vez a lei que proíbe roubar, considerando que essa prática se tornou tão comum e difundida? Que aconteceria se o furto e o roubo deixassem de ser crimes? Tenho a certeza de que uma “sociedade de ladrões” inventaria bem depressa seus códigos éticos e morais para disciplinar tudo… E seriam, com grande probabilidade, bastante rígidos! É estranho: por qual motivo os códigos morais não funcionam bem numa sociedade que pretende estribar-se sobre os valores da justiça, do respeito, da honestidade e da dignidade?
Talvez haja algum problema no compartilhamento da convicção de que roubar não é direito. Falta dizer e ensinar novamente, com todas as letras e em todos os momentos, que não é permitido roubar, que isso é desonesto, injusto e feio, coisa de mau caráter? Antes de chamar a polícia para prender o ladrão, seria preciso que a sociedade se pusesse de acordo para dizer que o roubo é um crime e que o crime não compensa, nem para o ladrão grande nem para o pequeno.
Diante da roubalheira deslavada, a tendência é o fechamento: muros altos, cercas eletrificadas, câmeras de vigilância sofisticadas. Seriam a solução suficiente para prevenir roubos e assaltos, planejados com inteligência criminosa? Basta fazer denúncias, mandar a polícia atrás e torcer para que o ladrão não consiga escapar e fique um bom tempo na cadeia? O que será capaz de dissuadir do caminho da desonestidade?
O ladrão entende que, cálculos feitos, vale a pena arriscar e roubar. Na sua lógica, o crime compensa e, infelizmente, a prática mostra que isso pode ser verdadeiro. Então, seria preciso abalar essa sua certeza, e os motivos para ser honesto devem ser mais fortes que a tentação de roubar. Esses motivos só podem ser passados pela educação para os valores construtivos no convívio social e pela dissuasão, em vista das consequências indesejáveis do crime.
Que motivações fortes seriam capazes de dissuadir alguém de cometer desonestidades? Nos Evangelhos há algumas cenas nas quais Jesus trata pessoalmente com ladrões. Escolhi três casos típicos, com desenvolvimentos e ensinamentos bem diversos.
Zaqueu era funcionário público e recolhia impostos para os romanos, que estavam dominando a Palestina daqueles tempos. Zaqueu era odiado pelos seus compatriotas e nem podia frequentar a sinagoga, sendo considerado um pecador público. Um belo dia, Jesus passou pela sua cidade e o encontrou pela rua. O próprio Jesus chamou Zaqueu e disse que ia hospedar-se em sua casa. Zaqueu sentiu-se valorizado, alegrou-se e recebeu Jesus com festa. O fato foi motivo de escândalo para muitos, que não podiam entender como o Mestre havia escolhido entrar na casa de um pecador, sentando-se à mesa em companhia de pecadores! Mas o corrupto Zaqueu foi logo fazendo sua autodelação: “Darei a metade dos meus bens aos pobres e, se prejudiquei alguém, vou devolver quatro vezes mais” (cf. Lucas 19,8). Sua vida mudou porque alguém tocou na sua consciência. Nem precisou de processos demorados em várias instâncias, cheios de jogos de cena. Zaqueu parou de roubar e reparou a justiça lesada. Bom exemplo a ser seguido!
Outro ladrão viveu pertinho de Jesus. Judas havia sido escolhido para ser um dos apóstolos. Era muito avarento, fingido e sem-vergonha. Judas é o ladrão da consciência calejada, que não se dá conta de sua mesquinhez. Ladrão perigoso, inserido no sistema e na máquina pública, com cara de benfeitor populista, que não perde a chance de passar a mão no patrimônio público. Judas cuidava do caixa-comum do grupo de Jesus com os apóstolos e roubava o que se depunha na bolsa (cf. João, 12,4-8). Sua ganância não encontrou mais limites e ele acabou negociando com os inimigos de Jesus a traição do Mestre, na calada da noite, por umas tantas moedas de prata (cf. Mateus, 26,14-16). O infeliz, quando se viu desprezado pelos comparsas e abandonado à solidão da própria consciência, entrou em desespero e se enforcou. Péssimo exemplo, a não ser imitado por ninguém, nem pela sua vida nem pelo seu fim deplorável!
O terceiro ladrão pode representar uma esperança para os viciados e incorrigíveis amigos do alheio. É conhecido como “o bom ladrão”, não por sua esperteza na roubalheira, mas porque teve uma ideia sensata no extremo da vida. Condenado à morte por suas ações, ele reconheceu que suas façanhas de nada lhe valeram, arrependeu-se e pediu misericórdia a Deus. Jesus viu que sua confissão era sincera e lhe prometeu o paraíso naquela mesma hora (cf. Lucas 23,39-43). Sempre é tempo de arrependimento e não é preciso esperar até o fim da vida. Quanto mais cedo, melhor. Deus pode conceder a vida também ao ladrão arrependido. Sinceramente arrependido e bem confessado! A penitência fica por conta do Estado…
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo metropolitano de São Paulo (SP)
CNBB

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF