“Será
um novo mundo e uma nova economia mais acessível a todos, menos consumista,
menos poluente. Ao menos, temos a oportunidade de que seja assim, melhor para
todos. Está em nossas mãos decidir esse rumo”, afirma Gustavo Cerbasi.
Pe. Arnaldo Rodrigues
A pandemia não somente trouxe o medo
da contaminação, mas também grandes preocupações econômicas. Muitas pessoas
estão assustadas e com grandes dúvidas. Com o objetivo de trazer algumas dicas
para a superação também econômica destes desafios, o Vatican News conversou com
um dos maiores economista brasileiro, Gustavo Cerbasi, autor de 16 livros e
especialista e inteligência financeira.
Vatican News - Estamos diante de um
desafio mundial jamais imaginado pela nossa geração. Para o senhor, quais os
maiores impactos econômicos que este tempo traz para a vida de cada
pessoa?
Gustavo Cerbasi - Sem dúvida, os
impactos percebidos em um primeiro momento são os resultantes de perdas.
Famílias desesperadas para manter a condição de moradia e alimento para os
filhos, comerciantes perdendo seus negócios, empresas fechando e demitindo,
sinais de desespero e de depressão nas famílias. As perdas estão e continuarão
sendo muito significativas. Muitos negócios deixarão de existir e hábitos de
consumo serão perdidos. Porém, há a outra face da moeda que será percebida
depois de um certo tempo. O isolamento social exigido pela pandemia obrigou as
pessoas a organizarem sua atividade econômica de forma mais eficiente,
trabalhando e consumindo de dentro de casa. Essa não é uma situação provisória.
Acredito que pelo menos um em cada três profissionais que se adaptaram ao home
office irão continuar nessa condição após a pandemia, por perceber os
benefícios do tempo economizado em deslocamento e da funcionalidade de consumir
sem sair de casa. O consumismo deve perder força, e o consumo essencial deve
ganhar importância no orçamento familiar. Com menos deslocamento e
desperdícios, a contribuição para o meio ambiente já é percebida, com exemplos
que correram o mundo como os patos e golfinhos nos canais de Venezia e as
montanhas do Himalaia que voltaram a ser avistadas da Índia. A sociedade se
mobilizou e se uniu como nunca havia feito antes. Refiro-me não apenas à
sociedade de um município ou de um país, mas da união mundial em torno da necessidade
de sobrevivência. Acredito que sairemos dessa situação mais unidos, mais
conscientes, mais humildes, mais empáticos com a necessidade do próximo, mais
fortalecidos como humanidade. Não sabemos ainda quanto tempo levaremos para
perceber isso e quantas vidas ainda serão levadas e quantos negócios serão
fechados, mas a lição já é evidente e muito forte.
VN - O senhor é a maior referência em
educação financeira no Brasil. O que o nos aconselha para enfrentar este
momento de grande perturbação também econômica?
GC - O primeiro passo é entender que
nem todas as famílias e negócios foram impactados da mesma forma. Temos três
situações claramente distintas nessa crise. A primeira é de famílias e empresas
em desesperadora situação de falta de recursos para honrar seus compromissos.
Quem está nessa situação deve cortar radicalmente seus gastos, preservar suas
poucas reservas com muito cuidado e, principalmente, não se deixar abater por
notícias e estatísticas ruins. É muito importante acionar suas redes sociais,
trocar informações com outras pessoas que estão na mesma situação, buscar
soluções criativas, anunciar sua disponibilidade, a disponibilidade de seus
ativos (veículo, equipamentos, galpões, estoques) e se propor a fazer parcerias
com concorrentes. Unindo forças, vários soldados podem vencer uma batalha.
Fracos e sozinhos, dois soldados podem ambos tombar em uma luta
concorrencial.
A segunda situação é a de pessoas que
tiveram seu equilíbrio pouco afetado, porque tinham reservas financeiras ou
negócios que seguiram funcionando, mas que tiveram grandes perdas em
investimentos ou em planos que foram frustrados. Esse é o grupo de pessoas que
tende a desenvolver mais problemas psicológicos, normalmente tentando esconder
da família grandes fracassos nos investimentos. A recomendação para esse grupo
é ter a humildade de compartilhar com conhecidos suas perdas e seus medos,
estudar sobre os planos e investimentos onde teve perdas e obter as lições
desse aprendizado. A cada crise, os mais preparados normalmente são os que não
se deixaram abater pelos erros de crises anteriores.
Finalmente, a terceira situação é a
de pessoas que foram pouco ou nada afetadas pela pandemia ou até beneficiadas
por ela. Trato aqui de investidores e de famílias e empresários que contavam com
boas reservas financeiras e de quem tinha negócios apropriados à recomendação
de isolamento social, como empresas de delivery, cursos on-line e segmentos de
negócios que se beneficiaram da crise (produtores de álcool em gel, por
exemplo). Para esses, cabe o alerta de que não se pode comemorar lucros ou
proteção muito precocemente, pois, a médio prazo, uma economia enfraquecida
poderá afetar também seus negócios e sua renda. Cabe a essas pessoas uma
mobilização no sentido de se colocar no lugar dos dois grupos citados
anteriormente e compartilhar ideias criativas, boas notícias e necessidades que
surgem em seu negócio. Por exemplo, empresas de delivery podem fazer parcerias
com motoristas de aplicativos e empresas de logística para aumentar o alcance
de seus pedidos on-line. Essas parcerias, se derem certo, podem até se tornar
definitivas após essa crise econômica. E, se bem sucedidas, acredito que é o
melhor caminho para acelerar a recuperação das economias de todo o mundo.
VN - Falando de uma economia doméstica,
como as famílias podem se organizar, de forma prática, neste período com os
cintos apertados?
GC - Vou dividir minha reflexão em
duas partes: o que poderia ter sido feito antes para minimizar as dificuldades,
e o que pode ser feito agora, tanto para quem se planeja quanto para quem está
com problemas financeiros.
É importante entender que existem
técnicas de planejamento familiar que protegem as famílias de situações de
dificuldades financeiras. A mais importante delas é manter uma reserva de
emergências, equivalente a três a seis meses dos gastos mensais da família,
investidos com segurança e prontos para ser sacada a qualquer momento. Outra
técnica importante é adotar um orçamento resiliente ou flexível. Isso se faz
adotando um estilo de vida mais simples do que a nossa renda pode pagar,
destinando parte dela para gastos com lazer, cultura e experiências. O
raciocínio básico é: se minha casa é menos espaçosa do que eu gostaria, então
estarei fora de casa no fim de semana, consumindo cultura e experiências com
amigos. Quem adota este estilo de uma vida mais simples e mais rica em
experiências, tem menos dificuldade para manter as contas do lar em períodos de
desemprego ou de inatividade.
Sobre o que pode ser feito agora, a
minha orientação é que as famílias aproveitem a crise como argumento para mudar
o seu estilo de vida. Já que fomos forçados a parar e pensar, que pensemos
então em quais gastos podem ser diminuídos e o que pode ser melhorado no estilo
de vida. Pesquise sobre práticas minimalistas, para adotar um estilo de consumo
limitado apenas ao essencial (importante durante a pandemia). Quando a situação
econômica começar a dar sinais de melhoria, muitos que adotaram o estilo de
vida minimalista sentirão seus benefícios e desejarão mantê-lo. Outros
perceberão a oportunidade de adotar um estilo de vida que chamo de
especialista, com mais gastos com aquilo que é verdadeiramente importante para
cada família: mais gastos com seu aprendizado, com seu esporte, com
experiências, enfim, com um estilo de consumo que permita lidar melhor com
situações de crise.
VN - Muitos pequenos e médios comerciantes estão preocupados com os
investimentos feitos, contas para pagar e funcionários para administrar. O que
o senhor aconselharia para que se organizem de modo a manter um equilíbrio
econômico e emocional, e conseguirem resistir com seus negócios a esta
pandemia?
GC - Há alguns passos a serem dados
do ponto de vista financeiro do negócio. O primeiro deles é sentar em cima do
caixa e cortar absolutamente tudo o que não for extremamente necessário.
Deve-se negociar com fornecedores e credores, simplificar processos, cortar
desperdícios e apagar luzes. O segundo passo, que ajuda muito a intensificar o
primeiro, é estudar todas os produtos e serviços, identificar aqueles que
trazem maior margem de lucro e passar a trabalhar SOMENTE com esses produtos.
Na quase totalidade dos negócios, oferece-se um mix de produtos e serviços aos
clientes em que muitos desses itens são vendidos com perdas, apenas para poder
prestar o serviço. Essa pandemia é uma oportunidade de comunicar aos clientes
que, por exemplo, seu restaurante estará entregando por delivery apenas os três
ou quatro pratos mais pedidos do cardápio. Com menos pratos, o custo de
manuseio e o desperdício são menores, a eficiência do serviço é maior e a
margem de lucro também é maior. Cada empresa deve se tornar especialista
naquilo que faz melhor. Então, surge a oportunidade de uma terceira mudança
importante: formar parcerias com aqueles (muitas vezes concorrente há até pouco
tempo) que são especialistas naquilo que sua empresa não é. Em vez de um
restaurante especialista em carnes entregar carnes e massas, considerando que
as massas seriam vendidas com prejuízo ou pouca margem, passa a vender apenas
carnes e faz parceria com um especialista em massas, ganhando comissão pelas
vendas feitas para o parceiro. As parcerias são essenciais, pois permitem focar
no que somos bons, e também lucrar com comissões de vendas feitas em nome de
parceiros que fazem melhor aquilo que antes nos trazia perdas.
VN - Sabemos que, após o término
desta pandemia, a rotina de nossas vidas voltará de forma gradual e muito
diferente. Certamente isto incidirá na economia da população (famílias,
comerciantes etc). Quais os passos que o senhor indicaria para um pós-pandemia?
Quais os cuidados que devemos ter também nestes momentos?
GC
- Certamente viveremos em um mundo muito diferente do que vivemos há até pouco
tempo atrás. Recomendo que as pessoas não cultivem a ideia de que tudo passará
em breve. Não, não ouviremos uma sirene nas ruas anunciando que chegou a hora
de sairmos correndo de nossas casas para nos abraçarmos. A recuperação será
lenta, exigindo cuidados redobrados. Por isso, quem pode deve ficar mais tempo
em casa, valorizar sua estrutura de home office. Quem precisa sair deve
redobrar seus cuidados com proteção, comunicar seus clientes sobre esses
cuidados e sobre o custo maior que está tendo para proteger a saúde dos
próprios clientes. Infelizmente, alguns setores da economia ainda sofrerão por
meses em razão dessa recuperação lenta. Mas, como eu disse, acredito que
estamos criando um mundo novo. Alguns segmentos de negócios, como restaurantes
e compras, dependerão mais de vendas on-line e terão que diferenciar seus
preços para entrega (mais baratos) daqueles cobrados pela experiência
presencial, mais exclusiva. O setor de cultura e entretenimento também terá
menos eventos presenciais, com menos público e preços mais altos pela
exclusividade, mas deverá lucrar mais ao transmitir essas experiências para o
público de casa a preços bem mais acessíveis, em um volume de público maior do
que o que tinha antes. Acredito que será um novo mundo e uma nova economia mais
acessível a todos, menos consumista, menos poluente. Ao menos, temos a oportunidade
de que seja assim, melhor para todos. Está em nossas mãos decidir esse rumo.
Vatican News
Vatican News
Nenhum comentário:
Postar um comentário