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Incontável é o número dos fiéis cristãos que, no decorrer dos séculos, enfrentaram perseguições, guerras, segregações, epidemias, e até o martírio, por fidelidade ao amor de Cristo. Essas pessoas são testemunhas de que “Deus, por ser soberanamente bom, nunca deixaria qualquer mal existir em suas obras se não fosse bastante poderoso e bom para fazer resultar do mal o bem”. (Santo Agostinho).
As perseguições e os martírios dos primeiros séculos, principalmente no Império Romano, evidenciam que pode haver momentos em que o ser humano, e em especial o cristão, não pode se esquecer de que deve abdicar de tudo, inclusive da própria vida, a fim de salvar a própria alma e, por isso, graças à fidelidade dos mártires, o cristianismo se expandiu, alcançando novos países e continentes.
Dando continuidade ao anúncio do Evangelho, no século XVI, a evangelização chegou ao Vietnã e muitos acolheram a mensagem de Cristo com alegria. Mas, rapidamente, começou uma perseguição brutal contra os cristãos. Desse modo, milhares de vietnamitas foram martirizados – decapitados, estrangulados, esquartejados, queimados vivos – entre eles diversos missionários. Desse grupo de valentes cristãos, que morreram professando a certeza da ressurreição e a vida eterna, São João Paulo II canonizou 117 católicos cujos nomes foram identificados.
A vida desses mártires e de inúmeros outros, nos mais diversos períodos da nossa História, é a feliz comprovação de que “na noite mais escura, surgem os maiores profetas e os santos. Certamente, os eventos decisivos da história do mundo foram essencialmente influenciados por almas sobre as quais nada se diz nos livros de História”. (Santa Teresa Benedita da Cruz, vida escondida e epifania).
Na América Central, um dos santos mais populares é São Damião de Molokai, o sacerdote missionário que se tornou leproso para salvar os leprosos. Em pleno século XIX, diante do mal da hanseníase, que não tinha cura, a ilha de Molokai, no arquipélago do Havaí, se tornou um local de segregação e de morte quando passou a ser usada como colônia de leprosos abandonados à própria sorte. Para essa ilha eram enviados os doentes de hanseníase das outras ilhas do pacífico, a fim de morrerem lá, não contaminando outras pessoas das cidades com o mal da lepra.
Esse ato de desumanidade, esse ato de desamor, começou a ser reparado graças à heroica generosidade de São Damião que se ofereceu, se candidatou para ser pároco dos leprosos de Molokai. Chama ainda mais a nossa atenção o conhecimento de que não estava nos planos das autoridades da Igreja enviar um sacerdote para a ilha dos leprosos e, por isso, São Damião só convenceu o Bispo a aceitar o seu pedido quando ele afirmou, com determinação, que os leprosos estavam morrendo todos os dias, mas se estavam alcançando a vida eterna ninguém tinha conhecimento, pois não havia um único sacerdote que os orientasse retamente, anunciando o amor e a Pessoa de Cristo.
Em Molokai, São Damião conquistou a amizade dos leprosos por meio do cuidado nas pequenas coisas. Ali, ele motivou os leprosos a construírem um hospital e uma capela. Tudo muito simples e modesto, mas com sinais de cuidado. Sua entrega generosa fez com que, logo após a sua morte, dezenas de outros sacerdotes se oferecessem para servir os leprosos. Dia feliz para São Damião foi o dia em que, em uma homilia, abordando o episódio da cura dos leprosos, ele anunciou que também estava com lepra, dizendo: “Nós, os leprosos, devemos buscar muito mais do que a simples cura do corpo. Nós precisamos, em primeiro lugar, da cura da alma”. Pouco tempo depois, São Damião de Molokai morreu de lepra entre os leprosos, mas com a consciência de dever cumprido, pois Deus já estava presente naquela ilha onde incialmente só eram vistos sinais de morte e de abandono, um inferno de desespero entre cães que comiam cadáveres.
Muitos fiéis cristãos, homens e mulheres santos, também enfrentaram epidemias e pestes que se abateram sobre o mundo. Um exemplo desses santos foi São Luís Gonzaga, que morreu em consequência de uma peste que atingiu Roma, carregando nas costas um flagelado. Outro exemplo é São Carlos Borromeu que enfrentou a peste negra que ceifou quase um terço dos europeus no século XVI. Diante de tantos sinais de morte, o Cardeal Carlos Borromeu organizou os religiosos para alimentar e cuidar dos doentes e dos famintos.
São Carlos Borromeu, pessoalmente, visitava os que sofriam da peste negra e cuidava das feridas. Quando alguma pessoa tentava lhe persuadir a se afastar dos doentes, o Cardeal Borromeu, dizia: “Estou disposto a abandonar esta vida mortal e não as pessoas designadas para seus cuidados”. Apesar de estar na linha de frente junto aos doentes, o bom cardeal foi poupado da peste e permaneceu vivo como um sinal da Misericórdia divina.
O século XX é considerado o século em que a Igreja Católica teve o maior número de mártires. Leigos, religiosos, sacerdotes e bispos foram vítimas de todos os tipos de totalitarismo, de esquerda e de direita, nos diversos países do mundo. Boa parte desses mártires foram vítimas do nazifascismo, durante a Segunda Grande Guerra Mundial, pois muitos cristãos foram prisioneiros nos campos de concentração de Auschwitz e Birkenau, no sul da Polônia e de Dachau, no sul da Alemanha. Edith Stein e Maximiliano Maria Kolbe são dois exemplos desses santos que foram fiéis até o fim.
Com a invasão da Polônia por parte da Alemanha nazista, Frei Maximiliano Maria Kolbe foi preso duas vezes pelo simples fato de ser um sacerdote católico, sendo que a prisão definitiva, ocorrida em 1941, levou-o para Varsóvia, na Polônia, e posteriormente para o campo de concentração em Auschwitz, onde ele heroicamente evangelizou com a vida e a morte.
Naqueles dias, aconteceu que diante da fuga de um prisioneiro, dez prisioneiros foram escolhidos para pagar com a morte, sendo que um, desesperadamente, caiu em prantos: “Minha mulher, meus filhinhos! Não os tornarei a ver! ”. Movido pelo amor que vence a morte, com a consciência de que não há maior amor do que dar a vida pelo irmão, o Frei Maximiliano Maria Kolbe dirigiu-se ao oficial e se ofereceu para substituir o pai de família e ajudar a morrer os outros nove prisioneiros. Seu oferecimento foi aceito de imediato, pois ele se identificou, afirmando: “Eu sou um Padre Católico! ”.
O oferecimento do Frei Maximiliano foi, naquele campo de concentração, o sinal visível de que a nossa vida só é plena, ampla e livre, quando somos capazes de salvar o próximo movidos por um amor incondicional por Deus. Graças a São Maximiliano Maria Kolbe, nós aprendemos que nenhuma renúncia e nenhum sacrifício é grande demais se for movido e impulsionado pela pertença a Deus e à Igreja.
Nessa noite escura da pandemia da Covid-19, que nós estamos enfrentando, é certo que inúmeras são as pessoas, os fiéis cristãos – leigos, religiosos e sacerdotes – que estão na linha de frente, no Brasil e no mundo, organizando doação de alimentos, arrecadando recursos para a compra do necessário material hospitalar e cuidando dos contaminados pelo novo coronavírus. Graças ao serviço e à entrega desses santos, que estão nos hospitais e nas ruas, nas periferias físicas e existenciais do mundo, nós estamos testemunhando o valor do sofrimento humano, o alcance da caridade e os sinais da luz que brilham mesmo em meio a essa noite escura que, no tempo oportuno, irá passar.
Quem são essas pessoas, esses santos que estão enfrentando essa pandemia com fortaleza? São todos aqueles que não fraquejaram na fé, não vacilaram na certeza do amor de Deus. São todas as pessoas que não estão na mídia, mas sim nas Igrejas domésticas e nos templos católicos, esforçando-se para manter a temperatura da fé elevada, mesmo que seja por meio das redes sociais. Enfim, os santos atuais são todos aqueles que estão escrevendo os acontecimentos decisivos desses dias com sabedoria, esperança e coragem. Qual é o nome deles? Eu direi apenas que são cristãos e isso é mais do que suficiente. Mas posso afirmar também que nós os conheceremos no Reino dos céus no dia em que tudo o que está oculto será revelado.
Aloísio Parreiras
Arquidiocese de Brasília
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