Revista Católica |
- Autor: Thomas
J. Craughwell
- Fonte: National
Catholic Register (https://www.ncregister.com/)
- Tradução
Livre: Carlos Martins Nabeto
Sempre que surge o
assunto de falsas relíquias, podemos contar com alguém dizendo: “Existem
fragmentos suficientes da Verdadeira Cruz para se reconstruir a Arca de Noé!” Quem quer que
faça tal afirmação provavelmente não sabe que está ecoando o humanista holandês
do século XVI Erasmo [de Roterdã], que numa sátira às peregrinações, escreveu:
- “É
o que dizem sobre a cruz de Nosso Senhor, que é mostrada pública e
privadamente em tantos lugares que, se todos os fragmentos fossem
reunidos, pareceriam formar uma carga compatível para um navio mercante”.
É claro que [esta afirmação] é um
senhor “soco no estômago”, mas corresponderia à realidade? Parece ser uma
pergunta difícil – se não impossível – de se responder, porém na última metade
do século XIX, um estudioso francês independente chamado Charles Rohault de
Fleury se encarregou de rastrear e medir todas as relíquias restantes da
Verdadeira Cruz!
PESO
E VOLUME
De Fleury, como quase todos os seus
contemporâneos, acreditava que Jesus carregou a cruz inteira do palácio de
Pôncio Pilatos até o alto do Calvário (no final do século XX, historiadores
descobriram que os criminosos condenados à crucificação carregavam somente a
viga horizontal, enquanto que a viga vertical já se encontrava erguida,
aguardando no local da execução).
Para estimar o peso da Cruz que Jesus
carregou, De Fleury recorreu a estudos de quanto peso os homens fortes,
trabalhadores em profissões árduas, poderiam suportar: um carregador robusto,
como vemos carregando pesadas bagagens em filmes antigos de safári, poderia
carregar até 200 libras [=~91 kg] a uma distância de 5 quilômetros por cerca de
1 hora antes de precisar descansar; já um carpinteiro musculoso poderia
carregar 220 libras [=~100 kg] de madeira no ombro a 60 metros antes de parar
para relaxar e descansar. De Fleury calculou que a Cruz provavelmente pesava
cerca de 220 libras, mas considerando que Jesus a arrastou ao invés de erguê-la
e carregá-la, o peso para Nosso Senhor poderia ser da ordem de 55 libras [=~25
kg]. No entanto, por sua condição enfraquecida após a flagelação, ainda mesmo
esse peso modesto era demais para Jesus e, assim, os guardas romanos obrigaram
Simão de Cirene a ajudá-Lo a carregar a Cruz.
Após estimar o peso da Cruz, De
Fleury calculou o tamanho, ou mais precisamente, o volume da cruz, que chegava
a 10.900 polegadas cúbicas [=~27.686 cm. cúbicos]. Mas o volume total de todos
os fragmentos que ele mediu chegou a apenas 240 polegadas cúbicas [=~610 cm.
cúbicos]. O número o surpreendeu, então ele fez uma generosa concessão para
considerar [possíveis] fragmentos que estavam em mãos de particulares ou que
não tinham chegado ao seu conhecimento, bem como fragmentos que foram perdidos
ao longo dos séculos ou destruídos em guerras ou durante o vandalismo ocorrido
nos tempos da Reforma [Protestante]. Então ele multiplicou o resultado original
por 10 e chegou a um novo valor: 2.400 polegadas cúbicas [=~6.096 cm. cúbicos],
ou seja, nem mesmo 1/5 do tamanho estimado da Cruz na qual Cristo foi
crucificado.
Em 1870, De Fleury publicou suas
descobertas no livro “Mémoire sur les Instruments de la Passion”. De Fleury
concluiu que se todas as relíquias sobreviventes da Verdadeira Cruz fossem de
alguma forma remontadas, não haveria madeira suficiente para se crucificar um
homem, muito menos construir a Arca de Noé. O autor católico inglês do século
XX Evelyn Waugh, referindo-se às conclusões de De Fleury, pôde assim afirmar:
- “Quanto
ao volume, portanto, não há [qualquer] pressão sobre a credulidade dos
fiéis”.
A
DESCOBERTA DA CRUZ
O Bispo Eusébio de Cesareia
(~260-341) nos conta que por volta do ano 327, Constantino, o primeiro
imperador cristão de Roma, escreveu a São Macário, Bispo de Jerusalém,
ordenando que ele demolisse o templo de Vênus, que fora erguido sobre o
Calvário e o Santo Sepulcro, e ali construísse uma basílica às custas do
próprio Constantino. Embora Eusébio mencione que Santa Helena, mãe de
Constantino, se encontrava na Terra Santa nessa época, ele não diz que ela se
envolveu no projeto de demolição e construção [dessa basílica], nem aponta que
as escavações encontraram a Verdadeira Cruz no local.
No entanto, dentro dos 20 anos de
construção da Igreja do Santo Sepulcro, o [novo] Bispo de Jerusalém da época,
São Cirilo (~315-386), se referiu às relíquias da Verdadeira Cruz num sermão,
dizendo:
- “Desde
então, o mundo inteiro foi preenchido com pedaços de madeira da Cruz”.
Arqueólogos descobriram em ruínas de
igrejas do século IV na atual Argélia inscrições que declaram que essas igrejas
possuíram anteriormente pequenas relíquias da Cruz. No fim desse mesmo século
IV, escritores cristãos, incluindo Santo Ambrósio [de Milão], aceitavam que foi
Helena quem encontrou a Verdadeira Cruz.
Segundo uma antiga tradição, sob o
templo [pagão] romano, os escavadores encontraram 3 cruzes, mas nada permitia
diferenciar a Cruz de Jesus das cruzes dos dois ladrões que foram crucificados
com Ele. Helena levou então uma mulher doente até o local, para que esta
pudesse tocar cada uma da cruz. Após tocar determinada cruz, a mulher doente
foi instantaneamente curada, sinal este que foi tomado para saber em qual das
cruzes Nosso Senhor havia morrido.
VENERAÇÃO
DA CRUZ
Helena levou uma parte da Cruz para Roma,
onde ela foi consagrada na Capela do seu palácio (atual Basílica da Santa Cruz
de Jerusalém). O restante da Verdadeira Cruz permaneceu em Jerusalém, numa
Capela anexa à Igreja do Santo Sepulcro.
Por volta do ano 381, Egéria, uma
freira da Espanha ou do sul da França, fez uma peregrinação à Terra Santa. Numa
longa carta para a sua comunidade religiosa, ela descreveu suas experiências:
na manhã da Sexta-Feira Santa, ela se uniu a uma grande congregação na Capela
da Santa Cruz. Após o Bispo de Jerusalém ter entrado no santuário e se sentado,
os Diáconos carregaram uma grande caixa de prata e a colocaram sobre uma mesa
coberta com um pano de linho. Ela então escreveu:
- “A
grande caixa é aberta e (a madeira da Cruz) é retirada, e tanto a madeira
da Cruz quanto o título (=a inscrição que Pilatos mandou pregar acima da
cabeça de Cristo) são colocados sobre a mesa. Então, quando colocados
sobre a mesa, o Bispo, sentado, segura firmemente as extremidades da
Madeira Sagrada nas mãos, enquanto os Diáconos ao redor a vigiam. É
vigiado assim porque o costume é que as pessoas, fiéis e catecúmenos,
venham uma a uma e, curvando-se à mesa, beijem a Madeira Sagrada e
avancem. E porque – não sei quando – foi dito que alguém cortou e roubou
uma parte da Madeira Sagrada, ela é agora vigiada pelos Diáconos que estão
próximos, para que ninguém que se aproxime se atreva a fazê-lo novamente.
E todas as pessoas passam uma a uma, todas se curvando, tocam a cruz e o
título, primeiro com a testa e depois com os olhos; então elas beijam a
cruz e avançam, mas ninguém coloca a mão sobre ela, para tocá-la”.
Com efeito, já nos dias de
Egéria uma relíquia da Verdadeira Cruz era objeto cobiçado pelos cristãos, mas
levaria anos para se chegar a uma série de relíquias falsas, algumas delas
resultantes de fraudes deliberadas, outras de ilusões de boa-fé. Hoje é
praticamente impossível distinguir quais relíquias da Cruz são genuínas, embora
as relíquias exibidas na Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém e na Basílica da
“Santa Cruz de Jerusalém” em Roma sejam provavelmente autênticas.
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