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Quando se fala de hesicasmo, pensa-se geralmente em um método de oração baseado na repetição infinita do Nome de Jesus, método codificado no ambiente do Monte Athos, nos séculos XIII e XIV. Trata-se da sistematização filosófico-teológica dada a esta corrente de espiritualidade por Gregório Palamas no século XIV. Trata-se de uma corrente de espiritualidade que se identifica muito bem com a espiritualidade monástica.
Essa corrente de espiritualidade perpassa os Apotegmas dos Padres e as Vidas dos Padres do Deserto. Todavia, aqueles que a descreveram com maior perfeição são os autores da chamada Escola Sinaítica dos séculos VI e VII, de um modo todo especial João Clímaco e Hesíquio o Sinaíta.
Em grego, a palavra hesychia designa um estado de calma, paz, repouso, quietude, tranqüilidade, resultado da ausência disciplinada de agitação interna e externa. É o exercício feito para se libertar do barulho, conflito, inquietude, preocupação e medo.
Assim compreendida, a hesychia, nos autores espirituais, indica também recolhimento da alma, silêncio, solidão interior e exterior, uma plena união com Deus. Este termo é também usado na espiritualidade monástica para indicar o estado de quietude e de silêncio de todo o ser humano, para que ele possa permanecer ligado no divino.
Pode-se, então, definir o hesicasmo como um sistema espiritual de orientação essencialmente contemplativa, que consiste no aperfeiçoamento do humano na busca da união com Deus através da oração contínua.
Os grandes mestres da oração hesicasta, que criaram o método e sobretudo a teologia da oração hesicasta, podem ser encontrados entre os séculos XIII e XIV no Monte Athos.
Vamos aqui recordar alguns nomes: Gregório, o Sinaísta (+1346). Do Mosteiro do Monte Sinai, ele transportou a “oração do coração” para o Monte Athos. Nicéforo, o Hesicasta, de origem calabresa, converteu-se à Ortodoxia e se tornou monge no Monte Athos. Escreveu um pequeno tratado intitulado: “Sobre a Custódia do Coração”, que se tornou um clássico da oração hesicasta.
Do século XIV temos um tratado anônimo chamado: “Método da Santa Oração”, que é às vezes atribuído a São Simeão, o Novo Teólogo, mas não é verdade que seja dele esta obra.
Um outro grande hesicasta é Teolepto, Metropolita de Filadélfia (1250-1345), que formou gerações inteiras de hesicastas.
Finalmente, temos o já citado Gregório Palamas (1296-1359), que é considerado o maior teólogo do hesicasmo.
Pressupostos da espiritualidade hesicasta
1. Hesychia e Amerimnia
A hesychia diz respeito à interioridade do humano. Mais que um modo de vida é um estado de alma. É resultado de uma longa luta contra as paixões escravizantes, as agitações e as preocupações mundanas. É o domínio sobre as paixões para poder amar absolutamente e com a máxima liberdade o Senhor.
Quanto à amerímnia (do grego: não-preocupação, despreocupação, tranqüilidade), esta indica de certa forma a mesma coisa: é a conquista disciplinada da serenidade existencial, ser livre de qualquer afã terreno, desvincular-se dos pensamentos deste mundo para se dedicar somente a Deus.
2. Nepsis
Trata-se de outra atitude recomendada pelos mestres hesicastas. Nepsis, palavra de origem grega, significa sobriedade, abstinência (o verbo nepso quer dizer: manter-se sóbrio, abster-se de vinho). É aprender a viver do estritamente necessário, em uma espécie de jejum espiritual que atinge todas as dimensões da existência. É cuidar da inteligência, da mente e do coração, é não se deixar encher de paixões, distrações e excitações, para permanecer sempre em estado de oração. É a atitude do cristão que deve sempre permanecer em Cristo (Jô 15,4), com todas as suas faculdades. É um método espiritual que confronta todo o humano com a graça de Deus.
Graças à nepsis consegue-se afinar sempre melhor a atenção, apurar a atenção do coração. Muitos consideram a nepsis a mãe da disciplina da oração.
3. A Recordação de Deus
A doutrina da recordação de Deus vem de São Basílio. Ele mesmo pergunta e responde: Qual é o “próprio” do cristão? Responde o Santo: É conservar a constante recordação daquele que morreu e ressuscitou por nós! Ser cristão é ter sempre o Senhor diante dos olhos.
É vencer o assalto dos pensamentos contrários para estar sempre no Senhor. É vencer a autocontemplação, o voltar-se mais para si mesmo, a preguiça, o cansaço. O hesicasta é aquele que diz: “Durmo, mas meu coração vigia!” Vale mais um desobediente alerta que um hesicasta distraído.
É também um culto e um serviço ininterrupto a Deus. A recordação de Deus é toda a respiração, se não, a solidão espiritual não pode ser compreendida.
4. A Doutrina da Deificação
O mistério cristão, na sua essência, é a união/a aliança entre Deus e o humano: “Eu lhes dei a glória que me deste, para que sejam um, como nós somos um: Eu neles e Tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e para que o mundo reconheça que Tu me enviaste e os amaste como amaste a mim” (Jo 17,22-23).
Esta união com Deus através da nossa união com Jesus constitui a salvação do humano, o vencer a fragilidade humana para participar da natureza divina. A esta noção os Padres Gregos chamam de “deificação” (em grego: theosis), o processo da divinização do humano.
A oração hesicasta quer sempre recordar esta certeza de “ser em Deus”. Com a oração, esta nossa transformação em Deus se faz sempre mais ativa e consciente, e se desenvolve em todas as suas possibilidades. O hesicasmo mostra que isto é possível através dos sacramentos, da ascese e da “oração de Jesus” (a invocação incessante do Nome de Jesus).
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