Tradução do espanhol por: Pe. André Sperandio
PRIMEIRA SESSÃO DE DISCURSOS (4,1–14,22)
Horrorizados pelos lamentos de Jó e seus repetidos «Por que?», os três amigos abandonam seu sábio silêncio e se sentem no dever de responder. Os discursos que se desenvolvem em três sessões: 4,1-14,22; 15,1-21,34; 22,1-27,23. Nos dois primeiros falam cada um dos amigos, e Jó responde longamente. A terceira sessão aparece um pouco mais desordenada, devido, quem sabe, à confusão do texto.
PRIMEIRO DISCURSO DE ELIFAZ (4,1–5,27)
Elifaz começa educadamente, em típico estilo sapiencial, apela à sua experiência e reflete a partir dela (4,7-8; 5,27), mas, curiosamente, recorre também uma revelação especial recebida durante a noite (4,13-21). No desenvolvimento de seu discurso destaca quatro pontos básicos:
1. Quem é o inocente que perece, o malvado ou o que sofre? (4,7).
2. Que ser humano pode apresentar-se irrepreensível ante o Criador? (4,17-21; cf. 11, 11,. 15,14-16, 25,4).
3. Os seres humanos geram eles mesmos as suas desgraças (5.7).
4. O sofrimento pode ser o corretivo que Deus impõe como convém a um bom pai (5,17); a fidelidade a Deus traz a abundância de vida (5,23-26).
Elifaz conclui seu discurso com um apelo sincero à experiência (5,27). Desgraçadamente, Jó não o sabe.
RESPOSTA DE JÓ A ELIFAZ
Job reage numa forte explosão de emoções. Sua angústia e sofrimento são grandes demais para se expressar com palavras comedidas (6,1s), mas pode falar, e mais, deve falar. Jó, então, volta-se para a oração. Como no Capítulo 3, ainda anseia pela morte, mas esse desejo nunca o levou a pensar em suicídio. Jó não é como uma estátua de pedra ou bronze (6,12), insensível, mas uma pessoa de carne e osso que chegou às profundezas. Reconhecendo por fim a presença de seus amigos, lhes dá uma lição sobre o que significa para ele a amizade. De um amigo se espera a lealdade e a bondade, sobretudo em momentos de aflição. Em vez disso, esses amigos são como córregos da Palestina, que depois de ficarem cheios pelo efeito da chuva, logo se tornam secos. Não se pode confiar neles (6,14-21): vieram, viram e retornarão (6,21). Jó os desafia para apontarem seu pecado que justifique tal tratamento (6,24). A vida é como uma carga pesada e os seres humanos como escravos. Logo desaparecerão para nunca mais voltar, tragados pelo abismo. Esta e outras declarações indicam claramente a ausência no livro de Jó, de esperança na ressurreição ou na vida pós-morte (cf. 10,21; 14,10-12; 16,22). Jó não se cala. No contexto de todo o livro, o versículo 7,11 é verdadeiramente importante. O propósito da aposta sugerida por Satanás era ver como Jó reagiria, o que diria. E agora, sim, ele diz: por que Deus não o deixa em paz, ao menos o tempo suficiente para recobrar o fôlego? (7,19). Mesmo que tenha cometido pecado (a questão do pecado novamente!), não poderia Deus simplesmente perdoa-lo? Um abismo separa toda a possível culpa de Jó de seus sofrimentos. Logo estará morto e então já será tarde demais (7, 20s).
PRIMEIRO DISCURSO DE BILDAD (8,1-22)
Com uma observação ofensiva, o segundo amigo de Jó entra na discussão e, de imediato, passa a fazer a defender a justiça de Deus. Ainda que já tivesse implícito antes, agora é que a questão se mostra mais clara (3). De acordo com a melhor tradição sapiencial, Bildad apela para a sabedoria acumulada ao longo dos tempos, transmitida pelos antepassados (8-10). Repete um provérbio do colorido Egito: «Como as plantas precisam de água para crescer e florescer, assim os seres humanos precisam de Deus para crescer e prosperar (11s). Em seguida, Bildad desenvolve o exemplo da pessoa que se esquece de Deus. Semelhante amnésia espiritual só pode trazer consequências tristes; mais ainda no caso em que essa pessoa alcance certa prosperidade, estará sempre pendente na balança (13-19). Pelo contrário, Deus não se esquece do justo(20-22). Se Jó se mostrasse arrependido, mais uma vez a sua vida se encheria de risos e alegria. Ironicamente, Bildad nos faz entrever o que realmente ocorrerá no final do livro (42,7-17).
RESPOSTA DE JÓ A BILDAD (9,1–10,22)
Embora estes capítulos apresentem muitos problemas de texto e tradução, superabundam imagens tomadas da justiça legal. Jó se parece, às vezes, com um demandante que quer levar Deus ao tribunal (9,3), mas, infelizmente, sendo o acusado e o juiz a mesma pessoa, quais poderiam ser suas chances de obter justiça? Outras vezes, o próprio Jó toma o lugar de acusado e tem de responder, pois isso pode custar-lhe a vida (9,14). A impotência de nosso herói está se tornando cada vez mais evidente, sobretudo, contra o poder esmagador do Deus criador. Mesmo assim, a linguagem de Jó vai se tornando cada vez mais ousada e franca. Não pode ser justificado (declarado inocente), nesta situação em que réu e juiz são a mesma e poderosa pessoa. Não sabe o que fazer nem o que dizer, pois o que quer que diga não ajudará em nada. Ao longo dos versículos que seguem, a abundância de perguntas condicionais revela a perplexidade de Jó, tateando por entre uma ou outra saída possível. Sua vida vai se consumindo rapidamente, com a velocidade de um corredor ou de um barco no Nilo, ou de uma águia em sua trajetória de voo. Ele não tem chances de sair vitorioso dessa guerra. E mesmo que consiga restabelecer sua reputação, Deus simplesmente voltaria a manchá-la novamente (9,25-31). Esquecido por seus amigos, Jó desejaria encontrar uma terceira pessoa, um juiz imparcial (cf. 16,19;. 19,25) que restabelecesse a justiça entre Deus e ele, mas sabe que isso é impossível. Desesperado, começa de novo a odiar a vida (9,33-35b), recorrendo uma vez mais às lamentações. Na falta de qualquer outra coisa para dizer, quer ao menos desabafar suas queixas (como em 7,10): «Por que me tratas assim?» (10,2). Jó apela para a memória de Deus, recordando-lhe os dias felizes em que o criador o formou, como um oleiro ou um alfaiate que faz seu trabalho com cuidado e maestria (10,9-12). Por que Deus o persegue agora, encurralando-o como um animal selvagem? (10,16). Como em 3,11 e 7,15, invoca novamente a morte da qual sabe que não há retorno (10,18-22).
PRIMEIRO DISCURSO DE SOFAR (11,1-20)
O discurso de Sofar se parece com o de Bildad, comedido e cordial (8,2). Como é possível que o que mais fala seja declarado inocente? Ao contrário de 11,4, Jó não teve a intenção de ensinar nada a ninguém, mas quis apenas dar voz aos seus conflitos e a sua dor, ante os ouvidos surdos de seus amigos. Censurando Jó por ser se mostrar tão seguro de si mesmo, sem respeitar o mistério da sabedoria (7-17), Sofar revela pretensa segurança e ignorância dos limites de sua própria sabedoria. Seu conselho poderia ser assim resumido: esquece essas ideias radicais, faça tuas orações e corrige tua vida (13s). Se Jó agisse de acordo com a doutrina da retribuição de seu amigo, desfrutaria de uma existência próspera e encontraria, finalmente, a paz. Também recuperaria sua honra, suas virtudes seriam reconhecidas e muitos viriam a ele pedindo sua intercessão (19b). A ironia do conselho está em que, no final (42,8s) serão seus amigos que irão implorar por sua intercessão.
RESPOSTA DE JÓ A SOFAR (12,1–14-22)
Indiferente à acusação de Sofar, Jó inicia aquele que será o seu mais longo discurso, com exceção de capítulos 29-31. O capítulo 12 está cheio de ideias e terminologias sapienciais; o 13, de expressões legais; e o 14 de lamentações. Numa cultura de honra e vergonha «o que dizem as pessoas» é muito importante; assim em 12,4-6, Jó manifesta como as suas desventuras só lhe trouxeram desonra e vergonha, transformando-se em escárnio e desprezo dos vizinhos e amigos. Em 8,8-10 Bildad tinha apelado à autoridade da Tradição, transmitida pelos antepassados. Aqui Jó faz paródia desta tradição, dizendo que os animais, em sua estupidez, sabem muito bem o que seus amigos, pelo visto, desconhecem: ou seja, que a desgraça não está necessariamente associada ao mau comportamento. O provérbio citado, em 12,11, enfatiza que a sabedoria tradicional deve ser submetida ao exame da experiência, do mesmo modo «como o paladar discerne antes o sabor das iguarias». Elifaz falou antes (5,10-13) do Deus que cria. Aqui (12,13-25), Jó fala de Deus que introduz o caos no mundo natural (12,15; 19,21s), ecoando a história do dilúvio universal (Gn 6-8). Também na sociedade humana, a ordem social (ou seja, a justiça) depende do sábio governo dos reis, conselheiros e juízes (12,17; 18,20). O poder e a força de Deus são conjugados com a sabedoria e a prudência (12,13-16); o problema está em que, por esta razão, não se pode compreender como, nós pobres mortais, nos movemos tateando no escuro (12,24s). Mais uma vez, Jó quer levar Deus ante um tribunal (13,3). Numa cultura da oralidade, as palavras constituem o verdadeiro tecido da sociedade, e isso alcança a sua máxima expressão na formalidade de um tribunal de justiça. Esta é a razão pela qual o Antigo Testamento enfatiza a obrigação de dar testemunho fidedigno (Ex 20,16) e da necessidade de duas ou três testemunhas para se estabelecer legalmente uma acusação (Dt 19,15). Jó tem três testemunhas, mas seu testemunho é falso! Pensam, por acaso, estar servindo a Deus com a falsidade? Mentem pensando fazer um favor a Deus ou buscando sua própria defesa ou a defesa de sua teologia? – Eis aqui uma boa pergunta aos que se ocupam de ministérios pastorais. Os versículos 13,9-11 antecipam o que vai acontecer em 42,7-9. Para mostrar que as palavras de seu amigo não o intimidaram e, tão pouco silenciaram, Jó diz que está pronto e disposto a defender, ele mesmo, seu caso diante de Deus e de sair com vida! Isso mostra que está com a razão, pois os pecadores não podem viver em sua presença (13,16). Jó se dirige a Deus (13,20-27) e diz com ousadia que, sem condições, um debate com ele (Deus) já o considerava de antemão perdido. Deus deve prometer que Jó não será sobrecarregado com o seu divino poder («mão») que deixa desarmado e impotente todo aquele que o toca (cf. Ex 23,27). Com esta condição Jó aceitaria comparecer diante de Deus como acusado. (13,22a), ou como demandante (13,22b). Jó se dá conta de sua insensata confiança e rapidamente volta a se lamentar. Sente-se num beco sem saída: Deus está longe demais (13,24a) ou muito próximo (13,24b). Sua situação vem graficamente expressa (em hebraico), com um jogo de palavras: Deus está tratando Jó (´ivyob) como um inimigo (óyeb), e esta é a fonte de sua constante aflição. Certamente que Jó não pode se considerar sem pecado (13, 26), mas, qualquer que seja a sua culpa, seu sofrimento é desproporcional em relação a ela. Seu lamento desvela o lado escuro da existência detendo-se em dois aspectos: a vida humana é frágil e transitória (14,1-6) e não há qualquer esperança de vida após a morte (14,7-22). Morremos, e aí tudo termina. Apenas dor e agitação interna acompanham o aflito em sua solidão (14,18-22). Com esta funesta nota de desespero chega ao fim essa primeira série de discursos. Para os amigos, é a justiça de Deus que está em jogo; para Jó é a integridade de sua experiência. Aqueles tomaram o partido de Deus, ou melhor, das ideias que fazem a respeito de Deus, que são as que, frequentemente, as «pessoas piedosas» confundem com o verdadeiro Deus. Jó se aferra à sua experiência e, o que é pior, se nega a ficar em silêncio.
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