Centro Dom Bosco |
- Autor: Alessandro Lima
Os protestantes sempre acusam os católicos de idólatras, pois acreditam que estes adoram as imagens dos santos.
O princípio desta acusação está no desconhecimento da diferença entre “dulia” e “latria”. A palavra “dulia” vem do grego “douleuo” que significa “servidor”. “Dulia” em português quer dizer “reverência, veneração”. “Latria” é “adoração”; vem do grego “latreou” que significa “serviço ou culto prestado a um soberano senhor”. Em outras palavras, significa “adoração”.
Amar, honrar, admirar, obedecer são ações da vontade que exigem graus diferentes conforme o seu objeto. O Amor que devemos a Deus é diferente do amor que devemos ao próximo. Se esses dois amores tiverem o mesmo grau ou gradação, não necessitaria de N. S. Jesus Cristo distinguir-los quando nos ensinou:
- “Jesus respondeu-lhe: “O primeiro de todos os mandamentos é este: Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor; amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito e de todas as tuas forças. Eis aqui o segundo: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Outro mandamento maior do que estes não existe” (Marcos 12,29-31).
O QUE É LATRIA?
Latria é o culto que se presta à alguma divindade. E a marca característica da Latria é o sacrifício oferecido à divindade objeto do culto. O Antigo Testamento é repleto de exemplos onde os povos pagãos adoravam seus falsos deuses oferecendo-lhes sacrifícios, vejam:
- “O Senhor disse: “Vou fazer uma aliança contigo. Diante de todo o teu povo farei prodígios como nunca se viu em nenhum outro país, em nenhuma outra nação, a fim de que todo o povo que te cerca veja quão terríveis são as obras do Senhor, que faço por meio de ti. Sê atento ao que te vou ordenar hoje. Vou expulsar diante de ti os amorreus, os cananeus, os hiteus, os ferezeus, os heveus e os jebuseus. Guarda-te de fazer algum pacto com os habitantes da terra em que vais entrar, para que sua presença no meio de vós não se vos torne um laço. Derrubareis os seus altares, quebrareis suas estelas e cortareis suas asserás.* Não adorarás nenhum outro deus, porque o Senhor, que se chama o Zeloso, é um Deus zeloso. Guarda-te de fazer algum pacto com os habitantes do país, pois, quando se prostituírem a seus deuses e lhes oferecerem sacrifícios, poderiam convidar-te e tu comerias de seus sacrifícios; poderia acontecer também que tomasses entre suas filhas esposas para teus filhos, e essas mulheres que se prostituem a seus deuses, poderiam arrastar a isso também os teus filhos. Não farás deuses de metal fundido“ (Êxodo 34,10-17).
- “Vendo que Moisés tardava a descer da montanha, o povo agrupou-se em volta de Aarão e disse-lhe: “Vamos: faze-nos um deus que marche à nossa frente, porque esse Moisés, que nos tirou do Egito, não sabemos o que é feito dele”. Aarão respondeu-lhes: “Tirai os brincos de ouro que estão nas orelhas de vossas mulheres, vossos filhos e vossas filhas e trazei-me”. Tiraram todos os brincos de ouro que tinham nas orelhas e os trouxeram a Aarão, o qual, tomando-os em suas mãos, pôs o ouro em um molde e fez dele um bezerro de metal fundido. Então exclamaram: “Eis, ó Israel, o teu Deus que te tirou do Egito”.* Aarão, vendo isso, construiu um altar diante dele e exclamou: “Amanhã haverá uma festa em honra do Senhor”. No dia seguinte, pela manhã, ofereceram holocaustos e sacrifícios pacíficos. O povo assentou-se para comer e beber, e depois levantaram-se para se divertir“ (Êxodo 32,1-6).
- “Nunca mais oferecerão os seus sacrifícios aos demônios, com os quais se prostituem. Essa será para eles uma lei perpétua de geração em geração” (Levítico 17,7).
- “Quando o Senhor, teu Deus, tiver exterminado diante de ti as nações, cujos territórios invadirás para despojá-los, quando ocupares a sua terra, guarda-te de cair no laço, imitando-as, depois de sua destruição. Guarda-te de seguir os seus deuses, dizendo: ‘Como adoravam essas nações os seus deuses, para que também eu faça o mesmo?’. Não farás assim com o Senhor, teu Deus, porque tudo o que o Senhor odeia, tudo o que ele detesta, elas fizeram-no pelos seus deuses, chegando mesmo a queimar em sua honra os seus filhos e filhas“ (Deuteronômio 12,29-31).
Vejam a Escritura mostra que os pagãos adoravam seus falsos deuses oferecendo-lhes um culto sacrificial. É daí que vem a palavra Idolatria (ídolos = falso deus + latria = adoração), que significa adorar falsos deuses. Os pagãos realmente adoravam seus falsos deuses pois lhes ofereciam sacrifícios.
Na Escritura há também exemplos de latria, isto é, a adoração ao Deus verdadeiro:
- “Tu me levantarás um altar de terra, sobre o qual oferecerás teus holocaustos e teus sacrifícios pacíficos, tuas ovelhas e teus bois. Em todo lugar onde eu fizer recordar o meu nome, virei a ti para te abençoar” (Êxodo 20, 24).
- “Enviou jovens dentre os israelitas, os quais ofereceram holocaustos e sacrifícios ao Senhor e imolaram touros em sacrifícios pacíficos“ (Êxodo 24, 5).
- “No dia seguinte, pela manhã, ofereceram holocaustos e sacrifícios pacíficos. O povo assentou-se para comer e beber, e depois levantaram-se para se divertir“ (Êxodo 32, 6).
- “Mas irás ao lugar que o Senhor, vosso Deus, escolher entre todas as vossas tribos para aí estabelecer o seu nome e unicamente ali irás procurá-lo. É nesse lugar que apresentareis vossos holocaustos e vossos sacrifícios, vossos dízimos, vossas primícias, vossos votos, vossas ofertas espontâneas, os primogênitos de vossos rebanhos graúdo e miúdo“ (Deuteronômio 12,5-6).
- “Guarda-te de oferecer os teus holocaustos em qualquer lugar; 14.oferecerás unicamente no lugar que o Senhor escolher em uma de suas tribos, e é ali que oferecerás teus holocaustos e farás tudo o que te ordeno” (Deuteronômio 12,13-14).
- “Por isso os israelitas, em lugar de oferecerem os seus sacrifícios no campo, apresentarão as vítimas ao sacerdote, diante do Senhor, à entrada da tenda de reunião, e as oferecerão ao Senhor em sacrifício pacífico. O sacerdote derramará o seu sangue sobre o altar do Senhor, à entrada da tenda de reunião, e queimará a gordura em odor agradável ao Senhor” (Levítico 17,5-6).
Pelos exemplos já mencionados não existe adoração (latria) sem oferecimento de sacrifício. Os Egípcios, os Maias, Astecas, os Gregos e Romanos, os Viking, todos esses povos adoravam seus falsos deuses através de ritos sacrificiais que muitas vezes envolviam até mesmo sacrifícios humanos.
O QUE É DULIA?
Dulia do grego “douleuo” que significa venerar. Na Cidade veneramos os símbolos nacionais, os heróis, as instituições, os representantes públicos que prestaram serviços significativos para a sociedade. Veneramos ainda os mestres, professores, nossos pais, avós, tios e tias etc. Fazemos tudo isso instituindo datas e festas comemorativas e lhes construímos imagens para lhe perpetuar a memória. Se podemos venerar os símbolos das coisas que passaram, por que não podemos venerar os símbolos das coisas eternas?
A Sagrada Escritura é repleta de exemplos do culto de dulia:
- “Honra teu Pai e tua mãe” (Êxodo 20,12).
Neste mandamento de Deus devemos honrar nossos pais, isto é, prestar-lhe culto, porém este nada tem haver com culto de adoração que só devemos a Deus. Só Deus pode ser e deve ser adorado!
O Anjo Gabriel presta culto à Virgem Maria quando lhe anuncia a encarnação do Verbo Divino em seu ventre:
- “Entrando, o anjo disse-lhe: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo” (Lucas 1,28).
“Cheia de Graça” significa que a Graça Original concedida por Deus a Adão e Eva, em Maria se encontrava reestabelecida, porém pelos Méritos de Cristo, pois Ela foi predestinada a ser a Nova Arca da Aliança, isto é, carregar dentro de si o Verbo de Deus (cf. Lucas 1,30-31). Não é sem razão que as iconografias e pinturas que retratam a Anunciação da Encarnação do Verbo Divina a Maria, representam o Anjo Gabriel de joelhos perante a Mãe de Nosso Salvador, prestando-lhe o culto que lhe é devido, pois a Mãe do Rei é a Rainha Mãe.
O próprio Rei Salomão reverenciou a sua Mãe:
- “Betsabeia foi, pois, ter com o rei para falar-lhe em favor de Adonias. O rei levantou-se para ir-lhe ao encontro, fez-lhe uma profunda reverência e sentou-se no trono. Mandou colocar um trono para a sua mãe e ela sentou-se à sua direita“ (1Reis 2,19).
Salomão segundo o mandando de Êxodo 20,12, honrou sua mãe reconhecendo-lhe sua realeza, colocando um trono para ela à sua direita.
O Profeta Natã quando foi ter com o Rei Davi este já em seu leito de morte, prestou-lhe culto:
- “Falava ela [Betsabeia] ainda ao rei, quando se apresentou o profeta Natã. Disseram ao rei: ‘Está aí o profeta Natã’. Ele entrou e prostrou-se com o rosto por terra diante do rei“ (1Reis 1,22-23).
Segundo a miopia protestante seria esse profeta de Deus um idólatra. O mesmo culto de dulia é prestado por Betsabeia:
- “Betsabeia inclinou-se diante do rei, prostrando-se com a face por terra e disse: ‘Viva o rei Davi, meu senhor, para sempre!’” (1Reis 1, 31).
Adonias, irmão de Salomão, também prostrou-se diante deste (cf. 1Reis 1,53). Ver também 1Samuel 25,23.
Moisés também cultuou seu sogro:
- “Moisés saiu ao encontro de seu sogro, prostrou-se e beijou-o. Informaram-se mutualmente sobre a sua saúde e entraram na tenda” (Êxodo 18,7).
Seria Moisés idólatra?
A Sagrada Escritura dá exemplos do culto de dulia (veneração) prestado ao Anjos:
- “Abraão levantou os olhos e viu três homens de pé diante dele. Levantou-se no mesmo instante da entrada de sua tenda, veio-lhes ao encontro e prestou-se por terra” (Gênesis 18,2).
Também Josué prostrou-se diante o Arcanjo Miguel, chefe do Exército de Deus:
- “Josué encontrava-se nas proximidades de Jericó. Levantando os olhos, viu diante de si um homem de pé, com uma espada desembainhada na mão. Josué foi contra ele: ‘És dos nossos – disse ele – ou dos nossos inimigos?’. Ele respondeu: ‘Não! Venho como chefe do exército do Senhor’. Josué prostrou-se com o rosto por terra e disse-lhe: ‘Que ordena o meu Senhor a seu servo?’. E o chefe do exército do Senhor respondeu: ‘Tira o calçado de teus pés, porque o lugar em que te encontras é santo’. Assim fez Josué” (Josué 5,13-16).
Segundo os protestantes, Josué era idólatra!
Alguém poderia objetar: os exemplos aqui são de vivos cultuando vivos e não de vivos cultuando mortos! Primeiro, os justos que morreram na amizade de Deus estão vivos e não mortos. É o próprio Cristo que o afirma:
- “Ora, Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos; porque todos vivem para ele” (Lucas 20,38).
Com efeito, Moisés e Elias aparecem junto a Jesus em sua transfiguração (cf. Mateus 17,1-3).
No entanto o Rei Saul cultua o profeta Samuel quando este já estava morto. Quando vai visitar a Necromante de Endor, pede que invoque Samuel. Quando ela diz que está vendo algo, Saul lhe diz:
- “‘Qual é o seu aspecto?’ [Lhe responde a mulher:] ‘É um ancião, envolto num manto.’ Saul compreendeu que era Samuel, e prostrou-se com o rosto por terra” (1Samuel 28,14).
CONCLUSÃO
Por fim, os católicos dos primeiros séculos também se depararam com esta incompreensão sobre os cultos de latria e dulia, desta vez da parte dos judeus.
Talvez o primeiro texto que dê testemunho da veneração dos Santos como ainda nós católicos praticamos hoje, com honra, homenagem, celebração dos heróis e modelos da fé, seja a Carta que a Igreja de Esmirna enviou à Igreja de Filomélio, narrando o Martírio de São Policarpo (Bispo de Esmirna e discípulo do Apóstolo São João). Este documento de meados do 2º século é o texto hagiográfico mais antigo que se tem notícia.
A Carta nos dá testemunho que após o martírio de São Policarpo, os cristãos de Esmirna tentaram conseguir a posse de seu corpo, para dar ao mártir um sepultamento adequado, mas foram impedidos pelas autoridades públicas, que eram influenciadas pelos judeus rabínicos, os quais diziam que os cristãos queriam o corpo de São Policarpo para adorá-lo como faziam com Cristo.
Na carta é interessante o comentário que os cristãos de Esmirna fazem por causa da ignorância que os judeus tinham sobre a diferença da adoração que os cristãos prestavam somente a Nosso Senhor Jesus Cristo e a veneração prestada aos Santos. Semelhantes a nós católicos dos últimos séculos, os católicos do passado escreveram:
- “Ignoravam eles que não poderíamos jamais abandonar Cristo, que sofreu pela salvação de todos aqueles que são salvos no mundo, como inocente em favor dos pecadores, nem prestamos culto a outro. Nós o adoramos porque é o Filho de Deus. Quanto aos mártires, nós os amamos justamente como discípulos e imitadores do Senhor, por causa da incomparável devoção que tinham para com seu rei e mestre. Pudéssemos nós também ser seus companheiros e condiscípulos!” (Martírio de Policarpo 17,2; ~160 d.C.).
E mais adiante esta importantíssima prova da fé primitiva dá testemunho do costume que a Igreja tinha em guardar uma data para celebrar a memória dos Santos, como Ela faz até hoje:
- “Vendo a rixa suscitada pelos judeus, o centurião colocou o corpo no meio e o fez queimar, como era costume. Desse modo, pudemos mais tarde recolher seus ossos [de Policarpo], mais preciosos do que pedras preciosas e mais valiosos do que o ouro, para colocá-lo em lugar conveniente. Quando possível, é aí que o Senhor nos permitirá reunir-nos, na alegria e contentamento, para celebrar o aniversário de seu martírio, em memória daqueles que combateram antes de nós, e para exercitar e preparar aqueles que deverão combater no futuro” (Martírio de Policarpo 18; ~160 d.C.).
Se é lícito cultuar devocionalmente um rei, um mestre, um pai e até mesmo um Anjo, logo podemos também ter apreço por seus retratos ou imagens que os representam.
O Culto católico aos Santos possui amplo fundamento na Sagrada Escritura e é um costume já presente na Igreja nascente.
Veritatis Splendor
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