S. Justino | Canção Nova |
Padres
apologistas
A filosofia encontra-se com o cristianismo quando os cristãos
tomam posição em relação a ela. Nos séculos XII e XIII, a oposição entre os
termos “philosophi” e “sancti” representa
duas visões de mundo consideradas antagônicas: a visão de mundo pagã e aquela
proclamada segundo a fé cristã.
Os chamados Padres Apologistas foram
aqueles cristãos que, a partir do século II d.C. escreveram, em diálogo com a
Filosofia, defesas da sua fé a fim de obter o reconhecimento legal para ela
diante do Império.
A obra de Justino, Mártir, foi inserida nesse período.
São duas Apologias e um Diálogo com Trifão. A primeira
Apologia, escrita por volta do ano de 150 d.C., foi escrita para o imperador
Adriano. A segunda, para o imperador Marco Aurélio. É em seu “Diálogo” que ele
nos relata sua trajetória, da filosofia com motivação religiosa à religião com
perspectiva filosófica: nascido em Flávia Neápolis, seus pais eram pagãos. A
busca pela verdade o conduziu ao estudo da filosofia e sua conversão ao
cristianismo ocorreu provavelmente antes de 132.
Primeiro, Justino se aproximou dos
estoicos, mas os recusou por terem lhe dito que não era importante conhecer a
Deus. Depois de se encontrar com um “filósofo profissional”, um mestre que
cobrava por seus ensinamentos, Justino procurou um mestre pitagórico, mas se
afastou dele por não querer dispor seu tempo para o estudo da música, da
geometria e da astronomia. Encontrou afinidade com discípulos de Platão, que
atendiam sua necessidade de pensar sobre as coisas corpóreas, mas também além
delas, as ideias.
O encontro com o cristianismo se deu
por meio de um ancião que conheceu durante um retiro. Ao ser questionado por
ele a respeito de Deus, Justino tentou se valer das teorias de Platão. O
ancião, então, esboçou uma refutação que, apesar de parecer simples, demonstrou
a separação entre platonismo e cristianismo: a alma, segundo o cristianismo, é
imortal porque Deus quer que ela seja.
Justino então leu o Antigo e o Novo
Testamento. Ele nos diz: “Refletindo eu mesmo sobre todas aquelas palavras,
descobri que essa filosofia era a única proveitosa”. Percebemos que Justino
considerava o cristianismo como uma filosofia, mesmo sendo uma doutrina baseada
na fé em uma revelação.
Essa revelação é anterior ao Cristo
– é a tese que Justino defende em sua Primeira Apologia, baseado no conceito de
“Verbo divino” do evangelho de João, e em sua Segunda Apologia, baseado no
termo “razão seminal” do estoicismo: as pessoas que nasceram antes do Cristo
participavam do Verbo antes dele se fazer carne; todos os humanos receberam
dele uma parcela e, por isso, independente da fé que professavam, se viveram em
conformidade com o ensinamento do Cristo, poderiam ser referidos como cristãos,
mesmo que Cristo ainda não tivesse nascido. Em vez de ser o marco de “início”
da revelação divina, Cristo seria seu ápice.
Desse modo, Justino resolveu dois problemas teóricos: 1) Se
Deus revelou sua verdade apenas por Cristo, como seriam julgados aqueles que
viveram antes dele? 2) Como conciliar a filosofia antes de Cristo, e, portanto,
ignorante da verdade revelada, e o cristianismo?
Como, segundo defende Justino, os
homens podiam agir de forma “cristã” antes do nascimento de Cristo, agiam em
conformidade com o Verbo. Se agiam em conformidade com o Verbo, aquilo que
disseram e pensaram podia ser apropriado pelo pensamento dos cristãos. É a esse
respeito que Justino diz em sua Segunda Apologia (cap. XIII): “Tudo o que foi
dito de verdadeiro é nosso”.
Se o pensamento de Heráclito, por
exemplo, é considerado oposto ao pensamento cristão, o pensamento de Sócrates é
considerado “parcialmente cristão”: ao agir em conformidade com a razão
(Logos), esta é uma participação do Verbo; Sócrates (e também os demais
filósofos que pensaram “o verdadeiro”) praticou uma filosofia que era o germe
da revelação cristã.
O Logos
De Fílon de Alexandria, Justino apropriou-se do conceito
de “Logos” para estabelecer uma relação entre o “Logos-Filho” e o “Deus-Pai”.
Vejamos o que ele diz:
“Como princípio, antes de todas as criaturas, Deus gerou de si
mesmo certa potência racional (Loghiké), que o Espirito Santo chama ora 'Glória
do Senhor', ora 'Sabedoria', ora 'Anjo', 'Deus', 'Senhor' e Logos (= Verbo,
Palavra) (...) e porta todos os nomes, porque cumpre a vontade do Pai e nasceu
da vontade do Pai*”.
Ou seja, entendemos aqui que Justino
diz que o Cristo é a palavra proferida de Deus e pode ser denominado de
diversas formas porque ele “porta todos os nomes”. A seguir, Justino faz uma
comparação entre o Logos, no sentido acima, correspondente a verbo, e a fala
humana para defender a possibilidade da coexistência de Deus-Pai e Logos-Filho:
“E, assim, vemos que algumas coisas acontecem entre nós:
proferindo uma palavra (= logos, verbum), nós geramos uma palavra (logos), mas,
no entanto, não ocorre uma divisão e uma diminuição do logos (= palavra,
pensamento) que está dentro de nós*”.
O que Justino diz aqui é que, da
mesma forma que quando nós dissemos uma palavra, o ato de falar não esgota
nossa possibilidade de falar no futuro, ou diminui o número de palavras
existentes, da mesma forma Deus-Pai ao pronunciar o “Verbo”, ou seja, com o
nascimento de Cristo, isso em nada esgota ou diminuiu a sua divindade e
onipotência. Outro exemplo que Justino nos oferece é o do Fogo:
“E assim vemos também que, de um fogo, acende-se outro fogo sem
que o fogo que acende seja diminuído: este permanece igual e o novo fogo que se
acendeu subsiste sem diminuir aquele do qua1 se acendeu*”.
A importância de Justino
Embora não tenha deixado uma
filosofia sistemática, nem uma teologia cristã, temos ecos da obra de Justino
em muitos pensadores cristãos posteriores. Sua obra não faz exposições gerais a
respeito de teorias, nem as discute profundamente, nem pretende desenvolver
concepções filosóficas. Justino, ao contrário disso, passa por pontos
importantes da fé cristã que considera passíveis de justificativa.
Sua importância se dá pela novidade
de interpretar a revelação cristã como o ápice de uma revelação que existe
desde a origem do gênero humano. Assim como sua obra, sua morte foi também
afinada com a sua fé: foi decapitado em 165, condenado pelo prefeito de Roma
por se declarar cristão.
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As citações de Justino foram retiradas do Diálogo com Trifão p. 61-62. Retirado de: Padres apostólicos y apologistas griegos, Daniel Ruiz Bueno (BAC 116), Pág. 409-412.
Padres apostólicos y apologistas griegos (S. II). Organização: Daniel Ruiz Bueno, Biblioteca de Autores Cristianos, 1ª edição, 2002.
As citações de Justino foram retiradas do Diálogo com Trifão p. 61-62. Retirado de: Padres apostólicos y apologistas griegos, Daniel Ruiz Bueno (BAC 116), Pág. 409-412.
Padres apostólicos y apologistas griegos (S. II). Organização: Daniel Ruiz Bueno, Biblioteca de Autores Cristianos, 1ª edição, 2002.
Por Wigvan Pereira
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