Papa João Paulo II no Vale d'Aosta, no ano 2000 |
Há 30 anos, em sua
mensagem para o XXIII Dia Mundial da Paz, São João Paulo II chamava a atenção
que “existe no universo uma ordem que deve ser respeitada; e a pessoa humana,
dotada da possibilidade de livre escolha, tem uma grave responsabilidade na preservação
desta ordem, também em função do bem-estar das gerações futuras (...). A
questão ecológica nos dias de hoje assumiu tais dimensões, que nela está
envolvida a responsabilidade de todos”.
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“O respeito pela vida
e pela dignidade da pessoa humana inclui também o respeito e o cuidado pelo
universo criado, que está chamado a unir-se com o homem para glorificar a
Deus”.
Ao ler,
quer esta passagem colocada ao final, como as linhas iniciais do texto, não
teríamos dúvidas em afirmar tratar-se de uma mensagem escrita pelo Papa
Francisco sobre o cuidado com a Casa comum, indissociável do respeito pela
dignidade do homem.
Trata-se,
na verdade, da mensagem de São João Paulo II intitulada
“Paz com Deus criador, paz com toda a criação”, com a data de 8 de dezembro de
1989, divulgada por ocasião do XXIII do Dia Mundial da Paz, celebrado em 1º de
janeiro de 1990, onde o então Pontífice afirma ser a crise ecológica um
problema moral.
A
base da Laudato Si
Não seria equivocado afirmar que
a mensagem do Papa polonês divulgada há mais de 30 anos, lançou as bases para a Encíclia Laudato
Si do Papa
Francisco, da qual comemoramos os cinco anos de publicação. Na realidade, o
magistério de Francisco está em total continuidade com o Papa polonês quando
levantou estas questões.
A preocupação com a saúde da
criação começou a ganhar corpo em alguns países principalmente a partir dos
anos 70-80, e envolveu também a questão da guerra e do uso da energia nuclear e
seus riscos. O acidente de Chernobyl em abril de 1986 - considerado o maior
acidente nuclear da história - afetou seriamente a Ucrânia, Belarus e Rússia,
lançou uma nuvem radioativa sobre parte da Europa, acendendo um sinal de alerta
em relação à segurança destas usinas, e não só.
Sustentabilidade, reciclagem, uso
energias alternativas geradas pelo sol e pelo vento, poluição do ar e dos oceanos,
desperdício, efeito estufa, agricultura orgânica, pesticidas, são questões que
passaram a ser discutidas em círculos mais amplos, ganhando espaço mesmo na
legislação de muitos Estados. E também passou a se tornar uma preocupação da
Igreja.
“Observa-se
nos nossos dias uma consciência crescente de que a paz mundial está ameaçada,
não apenas pela corrida aos armamentos, pelos conflitos regionais e por causa
das injustiças que ainda existem no seio dos povos e entre as nações, mas
também pela falta do respeito devido à natureza, pela desordenada exploração
dos seus recursos e pela progressiva deterioração da qualidade de vida.
Semelhante situação gera um sentido de precariedade e de insegurança, que, por
sua vez, favorece formas de egoísmo coletivo, de açambarcamento e de
prevaricação”, escreve São João Paulo II no n.1 do documento, recordando logo a
seguir, que “a experiência deste «sofrimento» da terra” é compartilhada por
cristãos e não cristãos: “Estão, efetivamente, diante dos olhos de todos as
devastações crescentes, causadas no mundo da natureza pelo comportamento de
homens indiferentes às exigências da ordem e da harmonia que o regem,
exigências recônditas sim, mas claramente perceptíveis.”
Visão
moral do mundo
Sua mensagem está subdividida em uma introdução e quatro capítulos,
a saber: e Deus viu que as coisas eram boas; a crise ecológica: um problema
moral; em busca de uma solução; a urgência de uma nova solidariedade; a questão
ecológica: uma responsabilidade para todos.
O Papa polonês fala da formação
de uma “consciência ecológica” que não deve ser reprimida, mas sim favorecida,
“de maneira que se desenvolva e vá amadurecendo até encontrar expressão
adequada em programas e iniciativas concretas”, e afirma que a interligação de
muitos desafios enfrentados pelo mundo, exigem “soluções coordenadas e baseadas
numa coerente visão moral do mundo”.
E “para os cristãos
– observa - essa visão apoia-se nas convicções religiosas derivantes da
Revelação”, motivo pelo qual inicia a mensagem com uma reflexão sobre o Livro
do Gênesis, que somada a outras passagens bíblicas, “lançam uma luz maior sobre
a relação
entre o agir humano e a integridade da criação”.
“Será
possível ainda dar remédio aos danos provocados?”, pergunta Wojtyla, afirmando
“ser necessário examinar a fundo e enfrentar no seu conjunto a grave crise moral de que a
degradação do ambiente é um dos aspectos preocupantes.”
Um
problema moral
No capítulo II, o
então Pontífice inicia enumerando os elementos que revelam “o caráter moral” da
atual crise ecológica, como a aplicação
sem discernimento dos progressos científicos e tecnológicos; a falta
de respeito
pela vida, como se pode verificar em muitos comportamentos poluentes; as
possibilidades formidáveis da pesquisa biológica.
Acenando
para os “efeitos negativos” decorrentes de “descobertas no campo industrial e
agrícola”, João Paulo II recorda que “qualquer intervenção numa área
determinada do «ecossistema» não pode prescindir da considerarão das suas
consequências noutras áreas e, em geral, das consequências no bem-estar das
futuras gerações”, e fala das “múltiplas mudanças meteorológicas e
atmosféricas, cujos efeitos vão desde o prejuízos para a saúde até à possível
submersão, no futuro, de terras baixas.”
As
descobertas científicas – enfatiza São João Paulo II - revelam quão nobre é a
“vocação do homem para participar de modo responsável na ação criadora de Deus
no mundo”, mas ao mesmo tempo observa que “o índice mais profundo e mais grave
das implicações morais, ínsitas na problemática ecológica, é constituído pela
falta de respeito
pela vida”.
“Muitas vezes as condições da produção prevalecem sobre a
dignidade do trabalhador e os interesses económicos são postos acima do bem de
cada uma das pessoas, se não mesmo acima do bem de populações inteiras. Nestes
casos, o inquinamento e a destruição do ambiente são fruto de uma visão
redutiva e inatural que, algumas vezes, denota um verdadeiro desprezo do homem.”
Em
relação à pesquisa biológica - com “uma indiscriminada manipulação genética e
pelo imprudente desenvolvimento de novas plantas e de novas formas de vida
animal” - João Paulo II afirma que “a norma fundamental, capaz de inspirar um sadio progresso econômico,
industrial e científico, é o respeito pela vida e, em primeiro lugar, pela
dignidade da pessoa humana”.
Ordem
do universo deve ser respeitada
Ao falar da “busca
de uma solução”, recorda inicialmente que a teologia, a filosofia e a ciência
“estão de acordo quanto a uma concepção do universo harmonioso (...), dotado de
uma sua integridade e um seu equilíbrio interno e dinâmico”, ordem esta que “tem
de ser respeitada”. A humanidade é chamada a explorar este «cosmos» com
prudente cautela e “fazer uso dele salvaguardando a sua integridade.”
“Os
conceitos de ordem no universo e de herança comum põem, ambos eles, em realce,
a necessidade de um
sistema de gestão dos recursos da terra mais bem coordenado a nível
internacional”. Disto, a responsabilidade de cada Estado, “no âmbito
do próprio território”, de “prevenir a degradação da atmosfera e da biosfera,
exercendo um controle atento, além do mais, sobre os efeitos das novas
descobertas tecnológicas e científicas; e ainda, dando aos próprios cidadãos a
garantia de não estarem expostos a agentes poluentes e a emanações tóxicas.
Hoje em dia, vai-se falando cada vez mais frequentemente do direito
a um ambiente seguro, como de algo que deve passar a figurar numa Carta
atualizada dos direitos do homem.”
Por
uma nova solidariedade
A
“crise ecológica”, como a definiu, exige uma urgente necessidade moral de uma nova solidariedade, especialmente nas
relações entre os países em vias de desenvolvimento e os países altamente
industrializados.
“Nenhum
plano e nenhuma organização, todavia, estão em condições de efetuar as mudanças
entrevistas, se os responsáveis das Nações de todo o mundo não estiverem
verdadeiramente convencidos da necessidade absoluta desta nova solidariedade,
que é exigida pela crise ecológica e que é essencial para a paz. Semelhante
exigência proporcionará ocasiões oportunas para consolidar as relações
pacíficas entre os Estados.”
E assim como
Francisco, o Papa polonês já defendia que somente se alcançará um justo
equilíbrio ecológico, quando forem enfrentadas “as formas estruturais de
pobreza existentes no mundo”. “É necessário, antes de mais,
ajudar os pobres, a quem a terra está confiada, como aliás o está a todos os
demais, a superarem a sua pobreza; e isto requer uma reforma corajosa das
estruturas e novos esquemas nas relações entre os Estados e os povos.”
Depois
de falar sobre as perigosas ameaças de uma guerra “química, bacteriológica e
biológica”, São João Paulo II exorta a sociedade a rever seriamente seu estilo
de vida.
“Em muitas partes do mundo, ela mostra-se propensa ao
hedonismo e ao consumismo e permanece indiferente aos danos que deles derivam.
Como já observei, a gravidade da situação ecológica revela quanto é profunda a
crise moral do homem. Se faltar o sentido do valor da pessoa e da vida humana,
dá-se o desinteresse pelos outros e pela terra. A austeridade, a temperança, a
disciplina e o espírito de sacrifício devem conformar a vida de todos os dias,
a fim de que não se verifique para todos o constrangimento a suportar as
consequências negativas da incúria de alguns poucos.”
Conversão
na maneira de pensar e agir
Para
tal, urge uma “educação para a
responsabilidade ecológica: responsabilidade em relação a si próprio, responsabilidade
em relação aos outros e responsabilidade em relação ao ambiente”, alertando que
“seu fim não pode ser ideológico nem político e a maneira de a estruturar não
pode apoiar-se na rejeição do mundo moderno, nem num vago desejo de retornar ao
«paraíso perdido». A educação autêntica para a responsabilidade implica uma
verdadeira conversão na maneira de pensar e no comportamento.”
Responsabilidade
de todos
Por fim, no último capítulo, o Pontífice polonês reitera: “A
crise ecológica é
um problema moral”, afirmando que a questão ecológica é responsabilidade de
todos, pois seus vários aspectos, “indicam a necessidade de esforços
conjugados, com o fim de estabelecer os deveres e as tarefas que competem às
pessoas individualmente consideradas, aos povos, aos Estados e à Comunidade
internacional. Isto não somente anda junto com as tentativas para construir a
paz, mas objetivamente também as confirma e reforça”.
E
“inserindo a questão ecológica no contexto mais vasto da causa da paz na
sociedade humana, melhor nos darmos conta quanto é importante prestar atenção
àquilo que a terra e a atmosfera nos revelam: existe no universo uma ordem que
deve ser respeitada; e a pessoa humana, dotada da possibilidade de livre
escolha, tem uma grave responsabilidade na preservação desta ordem, também em
função do bem-estar das gerações futuras.”
Respeito
pela vida inclui respeito pela criação
“Ao
concluir esta Mensagem, desejo
dirigir-me especialmente aos meus Irmãos e às minhas Irmãs da Igreja católica,
para lhes recordar a obrigação importante de tomarem cuidado com tudo o que foi
criado. O empenho de quem acredita em Deus por um ambiente sadio promana
diretamente da sua fé no mesmo Deus criador, das avaliações dos efeitos do
pecado original e dos pecados pessoais e da certeza de terem sido remidos por
Cristo. O respeito pela vida e pela dignidade da pessoa humana inclui também o
respeito e o cuidado pelo universo criado, que está chamado a unir-se com o
homem para glorificar a Deus”.
“São Francisco de Assis, que proclamei em 1979 Patrono dos
cultores da ecologia, dá aos cristãos o exemplo de um respeito pleno e
autêntico pela integridade da criação. Amigo dos pobres e amado pelas criaturas
de Deus, ele convidou a todos - animais, plantas, forças naturais e até mesmo o
irmão Sol e a irmã Lua - a honrarem e louvarem o Senhor. Do mesmo « Pobrezinho
» de Assis nos vem o testemunho de que: estando em paz com Deus, melhor nos podemos
consagrar a construir a paz com toda a criação, inseparável da paz entre os
povos.”
"São
meus votos que a sua inspiração: nos ajude a conservar sempre vivo o sentido da
«fraternidade» com todas as coisas boas e belas criadas por Deus omnipotente; e
nos alerte para o grave dever de as respeitar e conservar com cuidado, no
quadro da mais ampla e mais elevada fraternidade humana."
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