É verdade que um menino de 12 anos foi eleito Papa com o nome de Bento IX?
Fontes históricas o apresentam como um entre vários Papas “destituídos das qualidades humanas que deles se poderiam esperar”
OPapa Bento IX viveu no século XI, tempos em que Roma era dominada por famílias nobres e pouco exemplares moralmente. Ganhavam prestígio nessa época os Condes de Tusculum, com destaque para Gregório e seu filho Alberico. Seu principal objetivo era o Papado, porque o Papa detinha poder também de governo territorial. Para conquistar esse poder, famílias poderosas recorriam a meios ilícitos, que incluíam a manipulação dos eleitores do Sumo Pontífice: na época, o Papa era eleito pelo clero e pelo povo de Roma. Cada clã familiar tentava colocar na Sé de Pedro o candidato mais conveniente aos seus interesses particulares. É por isso que, nesse período conturbado, a história registra Papas “destituídos das qualidades humanas que deles se poderiam esperar“, como observa Dom Estêvão Bettencourt (OSB) ao responder à pergunta sobre a existência ou não de um menino de 12 anos que teria sido Papa.
Em 1032, Alberico de Tusculum conseguiu colocar um de seus quatro filhos no trono pontifício: Teofilato, que adotou o nome de Bento IX (1032-1034). O jovem pontífice era sobrinho de dois Papas anteriores: Bento VIII (1012-1024) e João XIX (1024-1032). Ao mesmo tempo, Alberico também entregava o governo civil de Roma ao seu filho mais velho, Gregório, como “cônsul dos romanos”.
Mas Bento IX tinha mesmo 12 anos?
Historiadores imparciais afirma que não é fácil reconstituir a biografia desse Papa, por falta de objetividade das fontes históricas. Há consenso em reconhecer que Bento IX manteve uma conduta pouco digna, mas muitas contradições no tocante à idade da sua eleição.
Os autores mais geralmente citados quando se trata da história desse pontífice não foram testemunhas oculares nem contemporâneas dos acontecimentos que narraram, além de se mostrarem influenciados por correntes partidárias da sua própria época. O principal deles é o historiador Rodolfo Glaber (985-1046/47), cujas menções a Bento IX foram reproduzidas pela maioria dos historiadores muito embora eles o reconheçam como um cronista de pouca autoridade, pouco disciplinado, que vagou por várias abadias e cujo texto é prolixo, confuso e envolto em imprecisões e contradições. Ainda assim, ele é a única fonte para certos episódios da história da Itália, da Alemanha e particularmente da França.
Considerando esses fatos, os críticos mais recentes levantam objeções à versão de que Bento IX tenha sido eleito aos 10 ou 12 anos de idade. Eles observam que os historiadores dos séculos XI e XII são severos ao criticar a conduta desse pontífice, mas não aludem à sua suposta idade infantil. É o caso de Desidério de Montecassino, Hermano Contrato, Leão de Óstia e Lucas de Grottaferrata, por exemplo, que mencionam apenas que o novo Papa era jovem. São Pedro Damião comenta que o Papa Bento IX começou a ter posturas censuráveis logo após a eleição, mas as posturas que descreve não seriam compatíveis com as de um menino de 10 ou 12 anos de idade. Em paralelo, os documentos mostram que esse pontífice exerceu desde o começo funções que uma criança ou adolescente não poderia exercer, como presidir sínodos. Além disso, homens de boa fama cooperaram com funções desse pontificado, como o chanceler Pedro, o arcebispo Lourenço de Amalfi e os abades Hugo de Farfa e Bartolomeu de Grottaferrata, o que não seria verossímil se o Papa fosse um menino. Por fim, o que se sabe da família de Bento IX não quadra com a pretensa idade da sua eleição: Alberico, seu pai, já era juiz em 999 e já estava casado em 1001; Gregório, seu irmão, já era pai de família em 1030 e já tinha prestado juramento em ato judiciário de 1014; e um dos seus sobrinhos é citado como bispo de Labico em 1044.
Os estudiosos modernos, encabeçados por L. Poole (Benedict IX and Gregory VI, em “Proceding of the British Academy” 1917-18, pág. 199-235) e S. Messina (Benedetto IX Pontefice Romano; Catania 1922), concluem que Bento IX tinha entre 25 e 30 anos de idade quando foi eleito Papa.
Não há dúvida, de qualquer modo, de que mesmo essa idade era juvenil demais para as responsabilidades do Sumo Pontificado, nem de que Bento IX não foi um Papa exemplar.
Ao resumir os fatos dizendo que “aos olhos da crítica objetiva, o episódio do ‘Menino-Papa’ se apresenta destituído de fundamento plausível” e deve ser colocado “entre as ficções da história”, dom Estêvão Bettencourt comenta:
“Tal verificação, porém, não surpreende o cristão: este sabe que a ‘a força (de Deus) se revela na fraqueza (do homem)’ (2 Cor 12,9) e que, por conseguinte, quanto mais saliente é a incapacidade humana nos episódios da história da Igreja, tanto mais ensejo também se tem para entrever e admirar o poder de Deus, que, exercendo-se na Igreja, a esta conservou incólume até o dia de hoje”.
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A partir das pesquisas de Dom Estêvão Bettencourt (OSB)
Aleteia
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