ayhanmustafa / Shutterstock.com |
por Francisco Borba Ribeiro Neto
O que explica o êxito de uma série que obriga os espectadores a estudarem e manterem uma atenção que lembra um vestibular de física?
Em primeiro lugar, uma nostalgia inegável pelo mistério do mundo, a intuição de que as coisas não são só aquilo que parecem a nossos olhos. Ao longo da história das civilizações, o ser humano continuamente criou e recriou mitos, fábulas e teorias para dar conta dessa sua percepção de que um “totalmente Outro” se esconde, fascinante, nos paradoxos e surpresas da realidade. É a percepção da existência de Deus, gravada por Ele em nosso coração, que se manifesta com maior ou menor clareza em diferentes ocasiões.
Por outro lado, a física quântica e a imaginação de ficcionistas e filósofos levaram a percepção da relatividade do mundo a um novo patamar. Ao longo do século XX, o relativismo consolidou-se proclamando que não existiriam fatos precisos, mas apenas “narrativas”, versões diferentes, dadas por autores diferentes, para os acontecimentos. Paralelamente, não haveria respostas certas ou ideias verdadeiras, pois cada versão comportaria sua própria verdade.
A nova relativização da realidade, que saiu dos meios teóricos e ganhou as ruas na virada do século XX para o XXI, é bem ilustrada pela teoria da dualidade entre matéria e energia: uma partícula pode ter simultaneamente os caráteres de corpo material e forma de energia. A relatividade é fruto de nossa incapacidade de ver toda a complexidade do universo, as várias possibilidades que coexistem ao mesmo tempo. Num certo sentido, a visão relativa das coisas ampliou-se, pois agora refere-se à própria realidade material e não só aos acontecimentos humanos; mas, em outro sentido, se reestabelece um absoluto, que é esse mundo multifacetado ao qual nossa sensibilidade cotidiana não tem acesso.
Voltando a Dark, a série se nutre justamente desse fascínio pelo mistério e por essa recém-descoberta complexidade do real. A isso se soma uma boa dose de suspense e até terror, ecoando nosso medo ancestral do desconhecido. E, nesse aspecto, a série – com temporadas lançadas em 2018, 2019 e 2020 – se encerra num momento emblemático para o mundo.
A pandemia lançou-nos em um mundo de incerteza. Um evento único, que pareceria insignificante, um vírus que se adaptava a um novo hospedeiro, mudou nosso futuro e nossa percepção da realidade. Nossas expectativas, nossos sonhos, nossos projetos, a casa nova, a viagem de férias, o trabalho e o casamento, a educação dos filhos e a aposentadoria, nada mais será o mesmo. Em tudo pisamos no terreno escorregadio da dúvida e da incerteza – justamente como acontece com os personagens da série alemã. Dark simboliza, simultaneamente, esse tempo fugaz de incerteza e nossa percepção, indelével e permanente, do mistério.
Compreender o quanto a realidade é relativa (absoluto é só Deus) e o quanto nossa vida é incerta, não são, em si, coisas ruins. O problema é se essa percepção da relatividade e da incerteza nos abre para uma busca, cheia de esperança e confiança, pela Verdade e pelo Amor; ou se nos mergulha no cinismo relativista, que nos acomoda em um mundo autocentrado, e no desespero diante da incerteza.
Obras de ficção podem ser convites para se aproximar de Deus ou distrações que não deixam ouvir o Seu chamado no real. O Senhor sempre nos “primereia”, isto é, toma a iniciativa, diz o Papa Francisco na Evangelii Gaudium (EG 24). Ocasiões tão insuspeitas, como uma série de TV ou uma epidemia, podem ser ocasiões onde essa iniciativa de Deus se manifesta. Cabe a nós ficarmos atentos, para não deixar de ouvir Sua voz.
Aleteia
Nenhum comentário:
Postar um comentário