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no início de Sua vida pública, o Cristo afirmou aos Seus discípulos: “Se alguém
quiser Me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e Me siga!”. (Mt 16,24).
Com esses ensinamentos, o nosso Redentor nos ensina que, para permanecermos na escola
do Evangelho, nós precisamos abraçar a Cruz, que aos olhos do mundo parece uma
derrota, um fracasso, uma perda de vida, sabendo que não a carregamos sozinhos,
mas unidos a Jesus, partilhando o Seu caminho de entrega, de doação e de
sacrifício.
Para nós, católicos, membros do Corpo Místico de Cristo, a Cruz que preside o Altar
é a pedra fundamental da caminhada do Povo de Deus, é o sinal da nossa redenção,
baluarte da esperança, símbolo da morte e da vida, da dor e da alegria; é o trono
de Jesus, a partir do qual Ele reina atraindo a Si todas as coisas.
Percorrendo a história da Igreja, nós percebemos que a linguagem da Cruz nem sempre
foi entendida pelos homens. Desde os primeiros séculos da era cristã, e ainda hoje,
para muitas pessoas, a linguagem da Cruz é um escândalo, uma loucura, pois se limita
à visão do sacrifício, da dor e da morte. Por outro lado, para todos nós, fiéis
cristãos, a Cruz é parte integrante da mensagem salvífica de Cristo, é a máxima
expressão do amor ilimitado de Deus e da entrega de nosso Redentor em prol de
nossa salvação. Portanto, quando abraçamos a Cruz e aceitamos o seu verdadeiro
sentido, nós percebemos que ela manifesta plenamente quem é Deus, ou seja, o
Amor que precisa ser amado.
Quando encontramos a Cruz no caminho de nossas vidas, sentimos nossas debilidades
e fraquezas. Mas é precisamente na Cruz que a nossa debilidade revela o poder
de Cristo, ou seja, a generosidade do amor e a possibilidade de participarmos,
de alguma forma, da obra redentora de Jesus e, por isso, nós seguimos e
“proclamamos Cristo crucificado, poder de Deus e sabedoria de Deus”. (1 Cor 1,
23-24). Pelo dom da sabedoria, tocamos a Cruz e assim fecundamos os caminhos do
nosso coração com a fé que nos redime. Deste modo, “ninguém pode tocar a Cruz
de Jesus sem deixar algo de si mesmo nela e sem trazer algo da Cruz para sua
própria vida”. (Discurso do Papa Francisco, na Via Sacra com os jovens, na
Praia de Copacabana, em 26 de julho de 2013).
As marcas da Cruz de Cristo em nossa existência nos ajudam a vislumbrar o seu autêntico
significado: Cristo morreu por nós e, por isso, nós somos convocados a empregar
nossos dons e talentos, alegrias e tristezas, sucessos e dificuldades no serviço
missionário da Igreja, para que possamos ser discípulos e missionários de Jesus
que comunicam o amor gratuito e misericordioso de Deus.
Quando percorremos o caminho da santidade, quer queiramos ou não, podemos sofrer
a tentação de julgar que o Cristianismo é um caminho fácil e cômodo onde só existem
alegrias. No entanto, pertence à revelação de Jesus Cristo o anúncio de que as dificuldades,
as perseguições, as noites escuras e as cruzes fazem parte da senda da fé, pois
“misteriosamente, o próprio Cristo, para desenraizar do coração do homem o pecado
de presunção e manifestar ao Pai uma obediência total e filial, aceitou morrer
na Cruz”. (Papa Paulo VI, Gaudete in Domino).
Do alto do madeiro da Cruz, Cristo nos desafia a abraçar e a santificar as dificuldades
cotidianas com a plena consciência de que, por meio da Cruz, reconhecemos e
incentivamos a graça que mora em nós, a fim de superarmos o medo.
Abraçar a Cruz significa, desde os primeiros séculos e até o fim do mundo,
encontrar a coragem necessária de enfrentarmos as pandemias, as chacotas e as
contrariedades, abandonando a ânsia de ser bem visto ou compreendido. Significa
também abrir caminhos e possibilidades onde todos só enxergam o fim da jornada,
pois a cruz não é o fim, mas sim, o triunfo da vida.
Unidos ao Cristo, obtemos a revelação de que a Cruz não é uma loucura, um erro
ou um insulto ao bom senso. A Cruz é, sim, uma das principais letras do alfabeto
de Deus. Por conseguinte, a Cruz é parte integrante das nossas vidas, é um mistério
que nos toca. Querer excluí-la da nossa existência é como desejar ignorar a nossa
realidade de seres humanos. Sim, nós somos criados para a vida; no entanto, não
podemos eliminar da nossa história pessoal o sofrimento, as dores, as
limitações, as fraquezas e as dificuldades.
Pelos relatos do Evangelho, nós temos conhecimento de que, após o primeiro anúncio
da Paixão, Simão Pedro tentou afastar a Cruz da missão de Jesus e, por isso, ele
foi censurado com veemência. Quando imitamos a atitude de Pedro e tentamos afastar
de nossas vidas a mensagem da Cruz, nós também somos censurados por Cristo.
Após a censura, Ele nos faz sentir que somente na aceitação da Cruz estamos
capacitados para percorrer o caminho da nossa fé com garbo e elegância. Em
Cristo, professando os sinais da nossa esperança, podemos questionar os nossos
coetâneos: “Que seria de um Evangelho, de um Cristianismo sem Cruz, sem dor,
sem o sacrifício da dor? Seria um Evangelho, um Cristianismo sem Redenção, sem
salvação, da qual – devemos reconhecê-lo com plena sinceridade – temos
necessidade absoluta. O Senhor salvou-nos por meio da Cruz; com a Sua morte,
devolveu-nos a esperança, o direito à vida”. (Papa Paulo VI, Alocução, em 24 de
março de 1967).
A cruz é a Fonte de salvação e, por isso, hoje, amanhã e sempre, Jesus Cristo continua
a associar a Si e à Sua missão seres humanos dispostos a abraçar a Cruz e a segui-Lo
com renovada esperança. Portanto, para os fiéis cristãos levar a Cruz não é algo
facultativo, mas é uma missão que se deve realizar por amor.
Nesses nossos dias, onde enfrentamos distanciamento social e somos cercados por
sinais de morte e de medo, onde a busca para a cura da enfermidade que assola o
mundo parece ser o grande ideal humano, nosso Senhor Jesus Cristo nos questiona:
“Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida? O que
poderá alguém dar em troca de sua vida?”. (Mt 16, 26).
Na caminhada da vida, diante dos desafios dos nossos tempos, nós temos que olhar
para a Cruz de Jesus, a fim de refletirmos sobre o seu alcance e, assim,
podermos bradar: “A Cruz vitoriosa iluminou quem estava cego pela ignorância,
libertou quem estava preso pelo pecado, trouxe à humanidade a redenção”. (São
Cirilo de Jerusalém).
Quando abraçamos a Cruz, vislumbramos ao nosso lado a Virgem Santa Maria, que
nos acompanha em todas as dificuldades, para nos encorajar com o Seu olhar maternal
e nos ajudar a construir a civilização do amor. Ela nos ampara, fortalece-nos e
nos faz ver que Cristo nos fala com a linguagem da Cruz, revelando-nos as inúmeras
possibilidades de aprendizado da santidade.
Juntos da Virgem Mãe, aprendemos que, quando abraçamos a Cruz,
proclamamos o Evangelho da Salvação e incrementamos a certeza de que a Cruz de Cristo
é a única esperança que nos guia, com determinação, para a alegria e a paz da ressurreição
e da vida eterna. Supliquemos a intercessão da Virgem Santa Maria, a primeira
que seguiu o Cristo pelo itinerário da Cruz até ao fim, para que Ela nos ajude a
seguir o Senhor, com decisão e sabedoria, a fim de que possamos vivenciar desde
já, mesmo nas provações, a glória da ressurreição.
Aloísio
Parreiras
(Escritor e membro do Movimento de Emaús)
Arquidiocese de Brasília
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