Por
meio da recordação de um fato, de um evento vivenciado com familiares e amigos
ou de acontecimentos significativos da vida, nós atualizamos a nossa memória, incendiamos
o nosso coração e assim revivemos momentos marcantes da nossa existência. De
algum modo, nós podemos afirmar que as recordações são combustíveis para o
rejuvenescimento, um passeio ao nosso passado, são um impulso determinante para
as decisões futuras.
Nas Sagradas Escrituras, nós podemos perceber que foi a recordação do amor do pai
que levou o filho pródigo a voltar para casa, para o aconchego do lar. Foi a recordação
dos gestos de misericórdia de Cristo para com o cobrador de impostos, Mateus,
que levou o publicano Zaqueu a subir em uma árvore para contemplar a presença
de Deus em sua vida, suplicando perdão pelos erros cometidos. Foi a recordação
dos gestos e das palavras de Jesus que levou os discípulos de Emaús a reconhecerem
no peregrino desconhecido o Cristo vivo e ressuscitado que caminhava com eles e
foi, certamente, a recordação dos gestos acolhedores de Cristo que levou o bom
ladrão a conquistar no último e decisivo momento de sua vida o tão almejado paraíso.
Em suas cartas pastorais, o Apóstolo Paulo, em alguns momentos, suplicou aos seus
seguidores que não perdessem as boas recordações. Em uma de suas cartas, quando
estava próximo da sua partida, ele escreveu a Timóteo, seu companheiro de
ministério.
Naquela situação, ele tanto percebia que a sua partida estava próxima, como
também enxergava os problemas que atingiam a Igreja em Éfeso, onde Timóteo
estava e, por isso, ele o orientou, dizendo: “Recorda-te de Jesus Cristo!”. (2
Tm 2,8). Em outras palavras: mesmo diante das tribulações, mesmo enfrentando os
dias escuros de uma pandemia, não se esqueça de que Cristo está presente em
nosso meio. Não se esqueça de que Ele se debruça sobre quantos são frágeis,
pobres, doentes e pecadores e está sempre pronto a acolher, compreender e
perdoar.
As palavras de Paulo não perderam a sua atualidade e, por isso, quando atravessamos
uma espécie de exílio, quando a solidão, o sofrimento, a doença, o medo e a
morte nos fazem pensar que fomos abandonados por Deus, nós devemos alimentar, imediatamente,
a nossa convivência com o Cristo, atualizando a certeza de que o Seu amor é
sempre renovador. No meio das adversidades, a fé nos recorda que “Deus é o nosso
refúgio e nossa força; mostrou-se nosso amparo nas tribulações. Por isso, a
terra pode até tremer, não tememos nada! ”. (Sl 46, 2-3).
Pela atualização de nossa memória, nós percebemos que a nossa conversão teve início
na catequese, na preparação para a Primeira Comunhão ou na participação de um curso
promovido por um Movimento da Igreja ou mesmo diante da perda de um amigo ou
familiar. Aquele momento, aquele dia, foi o início de uma amizade com Cristo tão
marcante e significativa que transformou a nossa existência. Permanecemos com o
Cristo, passamos a ser discípulos do Mestre e, em pouco tempo, passamos a ser
também missionários que envolvem o próximo no anúncio feliz e comovedor da
Pessoa de Jesus.
A recordação do amor e da misericórdia de Cristo no cotidiano de nossas histórias
é um bom antídoto contra as tendências desordenadas da nossa carne e os gestos
de desamor e egoísmo que somos tentados a cometer. Quando em meio ao pecado,
nós pensamos que não temos mais jeito, é sempre bom recordar que “em Cristo, pelo
Seu Sangue temos a redenção, a remissão dos pecados, segundo as riquezas da Sua
graça, que Ele derramou abundantemente sobre nós”. (Ef 1, 7-8).
Em nosso aprendizado da fé, nós devemos recordar que não temos um deus morto,
mas sim um Deus vivo, presente e atuante. Devemos nos lembrar que Ele é todo poderoso
e está sempre disposto a nos socorrer nas nossas dificuldades. Ele morreu pelos
nossos pecados e ressuscitou para a nossa justificação. Ele está sentado à
direita do Pai e é o Senhor de nossas vidas e, sem Ele, a nossa vida perde o
seu referencial, o seu propósito. Com Ele, podemos alcançar grandes conquistas.
Sem Ele, ficamos perdidos, infelizes, incompletos e depressivos.
Quando avançamos na trajetória da vida, as recordações, alegres ou tristes, nos
fazem recordar os fatos que marcaram a nossa vida como indivíduos, como família
e como comunidade. Essas recordações são parte constituinte do nosso memorial de
batizados, momentos emocionantes da nossa vivência da fé, do nosso serviço à
Igreja, sacrifícios e renúncias, erros e acertos, avanços e retrocessos que
carregamos em nosso coração. Este é um aspecto bonito: podemos passear na
paisagem das recordações e assim fortalecemos a certeza de que Deus sempre está
conosco. Junto d’Ele, nós aprendemos que boas recordações da vida alimentam o
nosso coração e boas recordações da fé renovam a nossa alma, revelam a nossa
identidade cristã, abrem-nos aos outros e nos proporcionam a cultura da comunhão e do encontro.
As nossas recordações, as nossas memórias nos permitem voltar atrás para contemplarmos
os sucessos, as vitórias que alcançamos com a graça de Cristo e nos impulsionam
como uma grande mola rumo a um breve e esperado futuro. Neste sentido, a
memória cristã é sempre um encontro com o nosso Redentor, é uma luz que ilumina
o nosso presente, clarificando as possibilidades de futuro.
Sem memória não podemos avançar, progredir ou renovar os ideais, pois é na recordação
de todas as coisas que o Senhor fez por nós que se fundamenta a nossa história
pessoal de salvação. Desse modo, recordar é essencial para o nosso crescimento na
fé e, por isso, recordamos os Mandamentos, as bem-aventuranças, o Evangelho, as
orações de ontem e de hoje, a Doutrina Social da Igreja e os pontos centrais do
Catecismo.
Na busca pela atualização da nossa memória, na recordação da presença, do amor,
da misericórdia e do perdão de Deus em nossas vidas e em nossa história, nós sentimos
a necessidade de silêncio. Silêncio para recordar, para renovar a fé, impulsionar
a caridade e aquecer a esperança. Memória e esperança caminham juntas: a memória
conduz à esperança e a esperança reaviva a memória. Memória e esperança são
realidades complementares que nos ajudam a manter o nosso coração abrasado e nos
levam a professar: “Eu sei em Quem acreditei! ”. (2 Tm 1, 12). Quando a nossa memória
e a nossa esperança estão interligadas, nós recordamos todo o caminho que o Senhor,
nosso Deus, nos fez percorrer, atualizamos a nossa pertença a Ele e à Igreja e renovamos
sempre mais o nosso desejo de participarmos da Eucaristia, o Sublime Sacramento
da memória que nos recorda, de forma real, presente, viva e tangível, a história
do amor de Deus para conosco.
Aloísio
Parreiras
Arquidiocese de Brasília
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