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sábado, 29 de agosto de 2020

O perigo cátaro

Apologética
Veritatis Splendor
  • Autor: Jean-Claude Dupuis[*]
  • Fonte: Lista “Tradição Católica”

O Catarismo se espalhou por toda a Europa entre os séculos XI e XIII. Desenvolveu-se principalmente em Languedoc, sul da França, de onde tomou o nome Albigenses, devido à cidade de Albi. A palavra “cátaro” vem do grego “Katharos” que significa “puro”. Pra dizer a verdade o Catarismo é erroneamente considerado uma heresia cristã, já que em tudo se assemelha a uma outra religião. Sua origem permanece obscura, mas sua doutrina se aproxima em muito das filosofias gnósticas e maniquéias que circularam na Idade Média durante o terceiro e quarto séculos.

Note que também a franco-maçonaria alega ter herdado os “mistérios de iniciação do Catarismo”, através da intermediação dos Templários. De acordo com os Cátaros, dois princípios eternos dividiram o universo. O bom criou o mundo dos espíritos e o mal criou o mundo material. O homem é a junção dos dois princípios. Ele é um anjo decaído aprisionado a um corpo material. Sua alma originou-se do bom princípio, mas seu corpo foi criado pelo mau princípio. O objetivo do homem seria pois então libertar-se do mundo material através de uma purificação espiritual, a qual necessitaria obviamente de uma série de reincarnações.

Como todos os heréticos, os Cátaros proclamavam que sua doutrina é que era o verdadeiro cristianismo. Eles mantinham a terminologia cristã ao mesmo tempo que distorciam a essência dos dogmas. Eles diziam que Cristo era o mais perfeito de todos os anjos e que o Espírito Santo era uma criatura inferior ao Filho. Eles se opunham ao Antigo Testamento, o qual era considerado obra do mau princípio. Eles negavam a Encarnação, a Paixão e a Ressurreição de Jesus. Eles alegavam que a Redenção floresceu muito mais da pregação evangélica do que da morte na cruz.

Os Cátaros diziam que a Igreja se corrompera desde os tempos de Constantino e rejeitavam todos os sacramentos. Definitivamente o Catarismo foi uma espécie de paganismo sob uma máscara de cristianismo, o qual se assemelha ao Budismo em muitos pontos.

Sendo o mundo material intrinsicamente mau, a ética cátara condenava todo o contacto com a matéria. Casamento e procriação eram proibidos porque uma pessoa não deveria colaborar com a obra de Satanás, o qual seria o responsável pelo aprisionamento das almas em seus corpos. Uma vez que a morte era considerada como a libertação do espírito, o suicídio era encorajado. Eles aplicavam a “endura”, ou seja essa “libertação do corpo material” aos doentes e `as vezes até mesmo as crianças, para acelerar o retorno dessas almas ao céu. Os Cátaros proibiam também juramentos sob o pretexto de que não deveriamos misturar Deus aos afazeres temporais e condenavam toda a espécie de riqueza.

Por fim, os cátaros desejavam atingir o estado de “desencarnação” similar àqueles dos “faquirs” (ascetas hindus). Além disso, os cátaros negavam o direito do Estado empreender guerras ou punir criminosos.

Obviamente tal programa não poderia atrair muitos adeptos e pra remediar a situação os cátaros estabeleceram duas classes de discípulos: os “perfeitos” e os “crentes simples”. Os primeiros, poucos em número, eram os iniciados que viviam em mosteiros e se conformavam inteiramente à filosofia moral do Catarismo. Os segundos, que constituiam a vasta maioria, estavam isentos de todas as obrigações morais não apenas em matéria sexual como em assuntos comerciais.

Os cátaros não se submetiam às regras cristãs que sempre proibiram a usura e que impunham o princípio do preço justo. Além disso, o “crente simples” tinha a garantia de ir para o céu se, antes de morrer, ele recebesse o “consolamentum” que era uma espécie de paródia do sacramento da Extrema-unção.

Promiscuidade, contracepção, aborto, eutanásia, suicídio, capitalismo selvagem, intenso materialismo e salvação para todos …é incrível como a moralidade cátara se assemelha ao liberalismo dos dias de hoje! Os cátaros então ensinavam a moralidade em dois degraus: asceticismo para a minoria e libertinagem para a maioria, somando-se salvação a baixo custo para todos. Agora podemos entender o que fez de sua doutrina um verdadeiro sucesso!

Apesar disso, a vasta maioria do povo permanecia fiel ao Catolicismo. Os cátaros foram recrutados basicamente entre os negociantes das cidades. Eles não eram numerosos, provavelmente constituiam apenas 5 ou 10% da população de Lnaguedoc, mas eram ricos e poderosos. Alguns deles praticavam a agiotagem ou usura. O Conde de Toulouse, o mais importante senhor de Languedoc aderiu à causa cátara.

Assim, como podemos ver, os cátaros não eram de forma alguma “pobres ovelhinhas” sem defesa, vítimas de uma fanática e cruel Inquisição. Muito pelo contrário, eles formavam uma poderosa e arrogante seita que propagava uma doutrina imoral, oprimindo os camponeses Católicos com a agiotagem e perseguindo sacerdotes. Eles conseguiram até mesmo assassinar o Grande Inquisidor São Pedro Mártir, também conhecido como São Pedro de Verona. A Igreja demonstrou grande paciência antes de tomar medidas para conter o perigo cátaro. As heresias dos Albigenses foram condenadas pelo Concílio Regional de Toulouse em 1119, mas até o ano 1179, Roma se satisfazia apenas em enviar pregadores a Languedoc. Diga-se de passagem, homens santos como São Bernardo e São Domingos. Esses missionários tiveram pouco sucesso. Em 1179, o Terceiro Concílio de Latrão pediu às autoridades civis para que interferissem. Os reis da França, Inglaterra e Alemanha já haviam começado, por sua própria iniciativa, a suprimir o Catarismo que estava ameaçando a ordem social com suas perversas doutrinas sobre a família e a questão dos juramentos.

É bom lembrarmos que o sistema feudal se fundamentava nos juramentos de um homem a outro. A palavra empenhada era o documento que circulava. A negação do valor do juramento era algo grave na sociedade medieval do mesmo modo como seria grave a negação da autoridade da lei na sociedade moderna. Pra piorar, os pregadores do Catarismo encorajavam a anarquia e comandavam bandos armados que recebiam diferentes nomes em diferentes países: “cotereaux”, “routiers”, “patarins”, etc. Esses bandos saqueavam igrejas, profanavam a Eucaristia e massacravam sacerdotes. Os cátaros eram tão violentos e sacrílegos quanto os protestantes do século 16 ou os revolucionários de 1793.

Em 1177, o rei da França, Filipe Augusto, se viu obrigado a mandar exterminar um bando de 7000 desses malucos e o Bispo de Limoges teve que marchar contra 2000 desses anarquistas.

Cena idêntica ocorreu na Alemanha e na Itália. Em 1145, Arnoldo de Brescia e seus “patarins” conseguiram avançar sobre Roma e expulsar o povo. Eles proclamaram uma república e permaneceram no poder por 10 anos até serem conquistados e condenados às chamas pelo imperador alemão Frederico Barbarossa. O Catarismo provocou desordens sociais em toda a europa e reinou em Languedoc.

Em 1208, os homens de Raimundo VI, Conde de Toulouse, assassinaram o legado papal, o Bem Aventurado Pedro de Castelnau. Finalmente, Inocêncio III decidiu pregar a Cruzada contra os Albigenses. Esta foi liderada por franceses do Norte sob o comando de Simão de Montfort.

Os cátaros resistiram por quatro anos (1200-1213) e tomaram as armas novamente em 1221. Isso serve pra comprovar o quão poderosos eles eram. A sua última fortaleza, Montségur, não caiu antes de 1244. Mas nem por isso o Catarismo desapareceu. Ele transformou-se numa espécie de sociedade secreta bem parecida com a franco-maçonaria.

Como em todas as guerras, também durante a Cruzada contra os Albigenses houveram excessos. A tomada de Béziers (1209) foi um verdadeiro massacre. Era impossível discernir os Cátaros entre a população Católica da cidade. Conta-se que o legado papal, Arnold de Citeaux , teria dito na época: “Matem a todos. Deus saberá reconhecer os seus”. Provavelmente tais palavras são apócrifas e são repetidas como jargões nos lugares mais comuns do anticlericalismo. De qualquer modo elas refletem um fato indubitável: os Cátaros, que há muito tempo vinham atraindo o ódio do povo por causa da sua imoralidade e agiotagem, corriam o risco de um linchamento geral. Foi a Inquisição que preveniu esse massacre ao fazer uma distinção entre os heréticos e os ortodoxos, entre os líderes e os seguidores e ao aplicar a punição proporcional aos diversos graus da heresia.

Finalmente a Inquisição acabou por ser um trabalho humanitário. Ao punir severamente os líderes, ela poupou as massas que haviam aderido ao Catarismo, as quais eram muito mais vítimas do que responsáveis pela heresia. Ao neutralizar os heréticos que se refugiaram na clandestinidade, a Inquisição livrou a sociedade cristã da possibilidade do renascimento do Catarismo e de todas as desordens sociais e morais que sua doutrina provocou.

Um célebre historiador, embora hostil à Inquisição, não hesitou em concluir que na Cruzada contra os Albigenses: “… A causa da ortodoxia Católica não era outra coisa senão a civilização e o progresso humano… Se essa crença, o Catarismo, tivesse conseguido recrutar a maioria dos fiéis, o resultado seria trazer a Europa de volta à mesma barbárie dos seus tempos primitivos…” (Léa, Henri-Charles, Historie de l’Inquisition au Moyen Age, Paris, Éd Jêrome Millon, 1986, 3 vols).

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NOTA
[*]Jean-Claude Dupuis é Historiador PHD da Universidade de Laval no Quebec-Canada.

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF