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Em
seu pontificado, o Papa Francisco tem nos ajudado a refletir sobre a globalização
da indiferença que pode atingir três esferas da vida eclesial: a Igreja, as comunidades
e cada um dos fiéis. Com sabedoria e coragem, o Santo Padre afirma: “Quando
estamos bem e comodamente instalados, esquecemo-nos certamente dos outros, não nos
interessam os seus problemas, nem as tribulações e injustiças que sofrem; e,
assim, o nosso coração cai na indiferença: encontrando-me relativamente bem e
confortável, esqueço-me dos que não estão bem! Hoje, esta atitude egoísta de indiferença
atingiu uma dimensão mundial tal que podemos falar de uma globalização da
indiferença. Trata-se de um mal-estar que temos obrigação, como cristãos, de enfrentar”.
Se pararmos para pensar na citação do Papa Francisco e ponderarmos o que é a globalização
da indiferença, nós perceberemos que basta um simples olhar para o nosso país e
as nossas metrópoles e lá encontraremos os sinais da indiferença: crianças abandonadas
pelas ruas, idosos carentes de recursos básicos, enfermos se arrastando pelo
asfalto pedindo esmolas e jovens perdendo suas vidas no mundo das drogas.
De dentro de nossos veículos e em meio ao transporte público, com os vidros fechados,
olhamos para essas cenas cotidianas, em que não faltam sofrimento e perda de dignidade,
e afirmamos que não podemos fazer nada para mudarmos essas situações.
Culpamos o Governo, os políticos corruptos e definimos, comodamente, que essas pessoas
estão nesta situação de miséria simplesmente porque não querem trabalhar e receber
um salário baixo ou porque não se esforçam na superação das dificuldades.
Agindo assim, nós esquecemos o conselho de São Paulo que nos diz: “A religião
pura e sem mancha diante de Deus é esta: assistir aos órfãos e às viúvas em
suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo”. (Tg 1, 27).
Com humildade, esperança e fé, nós temos que lutar contra esta tendência que há
hoje de ficarmos indiferentes diante do mal que acontece no mundo, em nosso
país, em nossas cidades e, sobretudo, à nossa volta. No meio de um mar muito
grande de indiferença e de desprezo, é importante que nós, cristãos, olhemos,
com mais atenção, para os rostos carregados de sofrimento e de abandono; rostos
que suplicam por um minuto de nossa atenção. Se nós somos, de fato, imagem e
semelhança de Deus, perceberemos que a multidão de famintos – composta de
anciãos, migrantes, crianças e desempregados – dirige aos nossos ouvidos o seu
grito de dor. Imploram-nos misericórdia e esperam ser ouvidos. Se nós somos, de
fato, imagem e semelhança de Deus, ouviremos a suave voz de Cristo nos
orientandos: “Quando encontrares um nu, cobre-o, e não desprezes a tua carne”.
(Is 58,7). Ele também nos diz: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. (Mt 14, 16).
É em Cristo que nós percebemos que o nosso próximo, que está sofrendo nas periferias
de nossas cidades, tem um nome, uma dignidade e um alto valor que precisam ser
resgatados. Por conseguinte, cada um de nós, no ambiente profissional e no cotidiano
de nossas vidas, podemos, sim, contribuir para superar, de alguma forma, essa globalização
da indiferença. Para o cristão que tem vontade de contribuir para a superação
das dificuldades do seu próximo, a vida oferece sempre grandes oportunidades de
fazer a diferença. Para empreendermos uma luta eficaz contra a globalização da
indiferença, é preciso que “imitemos ao nosso Deus que nos precede e ama
primeiro, fazendo gestos de proximidade para com nossos irmãos que sofrem solidão,
indigência, perda de trabalho, exploração, falta de teto, desprezo por serem imigrantes,
doença, exílio nos asilos”. (Homilia do Cardeal Jorge Mario Bergoglio em 22 de
abril de 2000).
É em união com Cristo que nós conseguimos novas forças para mover a montanha da
globalização da indiferença. Somente n’Ele nós realizamos gestos concretos de
caridade, capazes de multiplicar aqueles poucos pães e peixes de que dispomos.
N’Ele, abrimos nosso coração para o amor e contemplamos o mundo que nos cerca
com mais esperança e bondade. N’Ele, oferecemos uma mão amiga aos nossos irmãos
que habitam a periferia de nossas casas e trabalho e solicitam nossa ajuda e atenção.
Deste modo, testemunhamos que somos membros de uma “Igreja em saída” que não está fechada em si mesma. Ao contrário, a nossa Igreja é missionária, é
acolhedora, é solidária e, por isso, continua sendo, nas palavras do Papa
Francisco, “uma ilha de misericórdia no meio do mar da indiferença”.
Concluindo, podemos afirmar que nós e os nossos contemporâneos somos continuamente
ameaçados pelo materialismo, pelo egoísmo, pelo niilismo e pela tentação da
globalização da indiferença. Se não cuidamos do nosso crescimento humano e
espiritual e se não buscamos os meios necessários para crescermos na fé, nós corremos
o grave risco de perdermos a capacidade de chorarmos diante do sofrimento do
nosso próximo. Para fazermos contraponto a este grave panorama de sombras, nós precisamos
incrementar nosso sentido de responsabilidade fraterna e de solidariedade, a fim
de que sejamos capazes de superar a indiferença, a acomodação e o descaso com a
justiça, a fraternidade e o bem comum.
Que a Virgem Santa Maria nos ensine a superar a tentação da globalização da indiferença
e o desprezo pelas necessidades do nosso próximo. Que Ela nos ajude a perceber
que “Os pobres estão no centro do Evangelho, estão no coração do Evangelho; se
tiramos os pobres do Evangelho, não podemos entender plenamente a mensagem de Jesus
Cristo”. (Homilia do Papa Francisco na Missa com os religiosos nas Filipinas, em
16 de janeiro de 2015). Virgem Santa Maria, ajudai-nos no compromisso com os
mais pobres de nossa sociedade, com a valorização dos seres humanos que não são
notícia, que não são vistos, percebidos e nem lembrados.
Aloísio
Parreiras
(Escritor e membro do Movimento de Emaús)
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