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A herança muitas vezes desperta sentimentos antigos que todos nós preferiríamos deixar de lado. Ao preparar um testamento ou herdar uma propriedade dos pais, é importante garantir que a divisão de bens não se transforme em uma briga.
Os cristãos se comportam melhor do que outros na hora de dividir os bens? O irmão Jean Emmanuel Ena explora a dimensão espiritual da herança e nos dá alguns pontos referenciais para avançar em direção à uma partilha justa.
Por que você diz que a hora de repartir os bens também é hora de fazer um balanço?
A partilha da herança geralmente nos conduz a questionamentos, quando como vivemos a crise da meia-idade. Portanto, é hora de fazer um balanço interior. O que herdei de meus pais? O que vou aceitar da herança deles e o que vou recusar, para além dos bens materiais? Porque o que eu herdei vai muito além dos bens, mas diz respeito à cultura, à mentalidade, à fé.
Outra reflexão a fazer é sobre a minha maneira de possuir esses bens. O dinheiro é comumente visto como segurança material, mas na verdade é a segurança emocional que buscamos. Os homens muitas vezes se identificam com o que têm, não com o que são: “Quanto mais tenho, mais sou. O rico é aquele que tem mais do que eu”. E, por outro lado, ninguém nunca te diz: “Eu sou rico”! Por fim, podemos nos questionar sobre o relacionamento que estamos nutrindo com os nossos irmãos, de sangue ou não.
Qual é a atitude certa a tomar com os irmãos e irmãs?
Em primeiro lugar, coloque o relacionamento familiar nas mãos do Senhor e reflita: “Será que nunca ousei dizer o que penso aos meus pais porque estava à espera da herança, ou será que busquei a verdade?”
Alguns vivem a síndrome do “menino ou menina perfeitos”. Nunca viveram uma crise real na adolescência porque sempre quiseram corresponder à imagem que seus pais faziam deles. Nunca se posicionaram como adultos. Sempre fizeram o que lhes foi pedido: não fale de dinheiro, não fique com raiva, “se comporte”. Muitas vezes, o período de divisão da herança faz explodir essa falsa identidade, e é o relacionamento a dois que sofre porque o cônjuge não é mais o mesmo depois de um episódio assim!
Quanto ao relacionamento com irmãos e irmãs, você deve se perguntar: “Qual é a natureza do meu relacionamento com eles: de dependência, dominação ou competição?” Quando eu apresento meus irmãos e meus sentimentos por eles ao Senhor, sou levado a uma correção e uma purificação das relações.
Todos os conflitos são negativos?
O momento de partilha dos bens revela o verdadeiro estado de uma família, que vai além do estado aparente – com todos os fingimentos e toda a polidez que o acompanha. Conheci uma família católica rica e praticante. O momento da herança, no entanto, revelou a verdadeira situação espiritual dos membros da família e causou em muitos uma crise de identidade. Eles se perguntavam quais eram seus verdadeiros valores e o que queriam transmitir aos filhos. Às vezes essa crise é muito benéfica, porque chega a questionar a nossa própria forma de viver, o valor que damos à segurança material. A herança pode realmente mexer com as nossas estruturas.
A parábola do filho pródigo pode nos lançar uma luz
O filho mais novo pede a sua herança, como se declarasse a morte do pai. Sua relação com o pai já estava corrompida. Como ele se sente culpado, passa a pensar que não tem mais o direito de paternidade. Mas a filiação não se perde, porque a verdadeira herança é a relação pai-filho. O mais velho, por sua vez, é como um empregado em relação ao pai. Essa é a chamada síndrome da criança modelo. Ele diz “Eu te sirvo” e não “Eu te amo, eu sou seu filho”.
Como ter uma boa relação com o irmão se a relação com o pai trepida em suas bases? Pedindo a Deus para vir e tudo restaurar! A divisão da herança é um momento essencial que toca a morte, o ser e o ter, minha relação com Deus e com a minha família. Já presenciei divisões de herança muito leves graças a relacionamentos verdadeiros.
Qual seria a melhor maneira de pensar sobre a herança?
De forma prática, obter a sua parte na herança geralmente significa ter bens materiais e segurança material. Os pais sacrificam a vida inteira pelos filhos a ponto de se ausentarem quando os filhos teriam preferido sua presença. Que hierarquia de valores eles transmitiram? Garantiram o futuro material de seus filhos, mas os prejudicaram espiritual e emocionalmente.
“Minha fé muda minha noção de herança, ou eu tenho a mesma abordagem daqueles que não acreditam? Nesse caso minha fé não é vista como um critério primário? A palavra de Deus está em primeiro lugar, mesmo quando meu ambiente me diz o contrário!”. Na hora da partilha é bom lutar pela justiça, mas com esta pergunta em mente: “Como posso garantir que esses bens recebidos de meus pais sirvam ao bem de todos? Porque se prejudico o bem comum, estou prejudicando a mim mesmo”.
O que a escritura diz?
O povo de Israel é apenas o administrador da Terra Prometida. Nós também não somos proprietários, mas apenas administradores. Todo bem pertence a Deus, seja material ou espiritual, intelectual ou físico. Não somos a sua fonte, ela é exterior, e nós somos chamados a fazer frutificar a herança que recebemos.
Sempre tendemos a idolatrar os bens materiais e dar-lhes o lugar que pertence a Deus. Se Deus está em primeiro lugar em nossa vida, ele nos ajudará a administrá-los. Ele certamente nos pedirá que prestemos contas da maneira como administramos nossos bens, com respeito pelas pessoas. Concordamos em vender nossa alma para dar uma herança importante a nossos filhos? Será que essa é uma boa herança? Devemos distinguir com sinceridade e verdade.
Além disso, a segunda bem-aventurança “Bem-aventurados os mansos, porque eles receberão a terra por herança” (Mt 5, 5) vincula mansidão e herança. Não obtemos essa graça sendo descuidados, mas acolhendo-a. Com Cristo, somos co-herdeiros da vida eterna. Esta vida em que estamos nos estabelecendo não é a única!
Florence Brière-Loth
Aleteia
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