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A oposição entre Bento XVI e Francisco vem sendo
construída artificialmente, por grupos que desejam instrumentalizar o Papa
Emérito para atacar seu sucessor.
Recentemente, em Roma, manifestantes contrários ao
uso de máscaras para proteção contra a COVID-19 agitavam bandeiras de Bento XVI
e um ativista queimou uma foto do Papa Francisco. A associação entre a questão
religiosa e as medidas de proteção contra a pandemia foi coisa de uns poucos
extremistas. Independentemente das posições pessoais sobre o uso ou não de
máscaras, da maior ou menor confiança que cada um deposita nas indicações da
comunidade científica, é forçoso reconhecer que os dois papas não têm nada a
ver com um gesto político de contestação às normas sanitárias adotadas pelos
governos.
Contudo, e aqui sim vale uma reflexão mais
aprofundada, a oposição entre Bento XVI e Francisco vem sendo construída
artificialmente, por grupos que desejam instrumentalizar o Papa Emérito para
atacar seu sucessor. São duas personalidades diferentes, que impulsionam a
Igreja em sentidos diferentes, mas complementares e sempre ancorados no
Evangelho e no amor a Cristo. O próprio Bento XVI, ao renunciar, deixou
implícito que considerava chegado o momento da Igreja trilhar novos caminhos.
As muitas declarações de continuidade, afeto e obediência que um fez em relação ao outro têm pouca significância para quem já se decidiu a imaginar a Igreja dividida. Para esses, as notícias dadas pelo Vaticano e amplamente divulgadas são todas falsas, mais valem as “informações secretas” dadas pelos autores das fake news ou as análises rancorosas de quem se considera mais autorizado a falar pelo Espírito Santo que a própria Igreja.
O Barrabás de Lagerkvist
O episódio me lembrou o Barrabás do livro de Pär
Lagerkvist (Rio de Janeiro: Editora Delta, 1966), que se tornou filme, com o
personagem título interpretado por Anthony Quinn. O autor imagina que Barrabás,
após ser libertado no lugar de Jesus, nunca mais encontra a paz. Toda a sua
vida subsequente é consumida tentando entender àquele que foi crucificado em
seu lugar. Mas não consegue aderir ao cristianismo. Quando Nero manda atear
fogo a Roma, para acusar os cristãos, Barrabás une-se aos incendiários,
acreditando que assim irá finalmente seguir a Cristo. Termina preso e condenado
a morrer na cruz, como aqueles que ele – imaginando imitar – tinha ajudado a
condenar.
Barrabás não vai além de seu mundo de cólera e
ressentimento. Por isso, não consegue entender e seguir um Deus de amor. Em
dados momentos, todos podemos agir como ele, nesses nossos tempos, marcados
pela polarização, pela desilusão com as lideranças políticas e econômicas, com
a insegurança diante dos limites das ciências – a qual nos havia sido
apresentada como onipotente.
Quando caímos nessa tentação raivosa, nos tornamos vítimas de notícias falsas, análises tendenciosas, divisões e frustrações. Atacamos antes de compreender, condenamos sem amar e acabamos errando mesmo quando queremos acertar. A raiva e a condenação só conseguem destruir, às vezes destroem coisas ruins, às vezes destroem coisas boas, muitas vezes só destroem a própria pessoa enraivecida. Nunca constroem.
Um critério seguro
Como podemos escapar dessas armadilhas? Como evitar
que nosso justo desejo de defender a Igreja, as verdades da fé ou o nosso
próximo ameaçado sejam instrumentalizadas contra o próprio anúncio cristão? O
cristianismo sempre aponta para a positividade, a capacidade de construir uma
sociedade melhor, amar os nossos irmãos – mesmo quando discordamos dele.
Um caminho de pura condenação não está
obrigatoriamente errado. Censurar um assassinato é justo e moralmente válido,
para dar um exemplo bem evidente. Contudo, se essa condenação se esgota em si
mesma, trata-se de um caminho ainda totalmente humano, onde a graça não se
manifestou. Não importa se vem recheada de citações bíblicas, referências a
filósofos católicos e documentos do Magistério ou dados sobre gravíssimas
violações da dignidade da pessoa, ela ainda não está na rota do encontro com
Cristo que muda toda a realidade… E pode tornar-se a porta para uma posição
destrutiva que serve ao mal e nos afasta da fé e da Igreja, ainda que tenhamos
entrado em seu caminho justamente com a intenção de viver mais a fé e nossa
pertença eclesial.
O caminho verdadeiramente cristão sempre aponta
para a beleza, o amor e a esperança. Nos torna mais capazes de acolher o nosso
irmão, tanto em seus sofrimentos quanto em seus erros, nos faz viver em unidade
com toda a Igreja e com nossos irmãos mais próximos. Esse é um critério seguro
para seguirmos a Cristo.
Aleteia
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