Dom Vital Corbellini Bispo de Marabá - PA |
Introdução
Tertuliano, padre da Igreja dos séculos II e III, dedicou uma obra sobre a Penitência, (De Paenitentia) no qual exortou aos cristãos, sobretudo os de sua comunidade, a de Cartago, para que a vivessem como mudança de vida, de volta para Deus, ao próximo como a si mesmo. Ele a definiu como uma aflição da alma, derivada por um desgosto de uma decisão precedente[1]. Ele percebeu que alguns pagãos até puderam fazer a penitência, sem saber o que se passava, mas eles fizeram em vista do bem e da misericórdia. Desse modo os cristãos deveriam fazê-la em vista de uma vida nova.
Escrita lá pelos anos 203, a obra é de uma altíssima importância na história da penitencia eclesiástica[2] pois coloca a realidade do catecumenato, pastoral da igreja antiga, na qual os adultos se aproximavam da comunidade, pediam ao sacerdote o batismo e a pessoa era preparada para receber o banho batismal, a crisma e a eucaristia. Tertuliano deu nesta obra a importância da penitência em vista do perdão dos pecados e da conversão de vida.
A verdadeira penitência
Tertuliano colocou a consistência da verdadeira penitência, que é aquela de estar unida a Deus, de se aproximar dele, de afastar-se do pecado e buscar a conversão. Por isso é importante temer a Deus de modo que isto acarretasse a conversão de vida. A penitência não pode se tornar vã, mas deve levar ao fruto na qual Deus a recomendou aos seres humanos, a sua salvação. Deus após a expulsão de o primeiro ser humano do paraíso, após muito tempo, manifestou a sua misericórdia e consagrou a penitência na sua pessoa, possibilitando ao ser humano o perdão de seus pecados, à sua obra e à sua imagem. Ele tinha o povo de Israel no qual o favoreceu com múltiplos benefícios da sua bondade, e mesmo encontrando-o extremamente ingrato, o exortou à penitência tendo como pregadores a boca de todos os profetas[3].
Com a presença do Precursor, ordenou que fosse prescrito um batismo de conversão, sob o sinal da penitência para que as pessoas pudessem viver na graça do Senhor. Não calou de fato João em afirmar a importância da penitência porque se apressava aos povos da salvação, porque o Senhor a fez segundo a promessa de Deus. Todos os bens são resumidos numa única palavra: a salvação do ser humano com o prévio cancelamento dos pecados precedentes. Aquilo que proporciona alegre algumas ações ao ser humano torna um serviço a Deus. As pessoas são convidadas a fazer boas ações e bons pensamentos[4].
Deus, em Jesus Cristo, admite as ações boas porque lhes pertencem, não as condenando. E sendo o seu autor, é também o seu defensor e o seu remunerador. Toda a ação boa tem como devedor o próprio Deus, porque Ele as inspira às pessoas. Deste modo é fundamental a realização da penitencia em todas as ações, em vista de ter diante de Deus, o perdão dos pecados em Jesus Cristo e com a sua igreja.
O que é o pecado?
Tertuliano teve uma importante definição do pecado, aquilo que Deus proíbe[5]. Sendo Ele o Sumo Bem, nada pode desagradá-lo senão o mal, pelo fato de que não pode haver alguma concordância entre coisas contrárias. Pela caída do pecado do ser humano, é preciso a realização da penitência para obter o perdão dos pecados aos seres humanos, por parte de Deus. É preciso evitar os pecados para assim viver bem o dia a dia. É preciso que a vontade seja forte para não cair no pecado. O fato é que o pecado tem origem na vontade, tendo ali a sua origem. É o próprio Senhor que fala do pecado do interior da pessoa quando uma pessoa olha para uma mulher e cobiçando-a no seu coração, já cometeu adultério em si[6]. Por isso é importante alimentar a boa vontade com as coisas de Deus, de vida para assim superar o mal na qual a pessoa não quer realizá-lo[7]. O que importa é o bem e a superação do mal através da atitude da penitência.
Os benefícios da penitência
Tertuliano percebeu benefícios que a penitência traz à vida cristã. Ele a viu como graça do Senhor Deus sendo uma atitude de conversão na qual pede para os seus discípulos e discípulas, sendo que a penitência levará a salvação. O Senhor prefere a penitencia que a morte do pecador, de modo que a penitência é vida e se antepõe a morte[8]. Ele a aconselha para que seja assumida na vida das pessoas e pela acolhida na existência humana ela levantará a pessoa e conduzirá o penitente ao porto da divina clemência. É preciso ser uma arvore nova, que pela penitência trará frutos novos à vida da Igreja e no mundo. Pela penitencia a pessoa se volta para Deus e vai amar o que Ele ama, vivendo uma vida diferente, aberta ao designo de Deus.
Por isso a penitencia traz benefícios enormes à vida nos seguidores de Cristo. O fato é que aquilo que Deus ordena é bom e ótimo. A pessoa não só deve obedecer porque o preceito é bom, mas porque Deus o ordena para todos. É o próprio Deus quem o ordena para fazer penitência de modo que a pessoa possa perseverar nos seus frutos e nos seus bons efeitos[9].
A penitência relacionada com o batismo
Tertuliano falou da penitência que precedia o batismo, aos catecúmenos, no sentido de que a pessoa era convidada a não mais cair no pecado[10]. Como não havia ainda a confissão individual a pessoa era convidada a manifestar o pecado de uma forma pública, sobretudo para os pecados de apostasia, homicídio e adultério. Tertuliano aprofundou esta penitência no sentido de que o pecador ou a pecadora antes do batismo, e de outros sacramentos, não voltassem a cair nesses pecados, fazendo a penitência. Uma vez que se conheceu o mandamento da lei do Senhor, o autor africano solicitava aos catecúmenos para que não caíssem nos pecados. O pecado não é só rebelião à vontade de Deus, mas é também ingratidão para a sua bondade, sendo uma espécie de recusa ao seu benefício. Como poderia agradar a Deus alguma pessoa que recusaria o seu dom?[11]. Deste modo é preciso fazer a penitência para temer a Deus, a sua fé nele[12], agradar aos seus mandamentos e fugir da tendência do pecado, tendo uma vida normal na família, na comunidade e na sociedade. A pessoa torna-se, pela penitência, mais devota ao Senhor, pelo fato de que ela aspira à salvação, procurando ganhar o favor de Deus[13], pois com a penitência há o perdão dos pecados. Quanto seria injusto não atender ao pedido da comunidade eclesial e do Senhor em vista do perdão dos pecados em vista do bem e da vida eterna[14], promessas dadas pelo Senhor.
Tertuliano convidou os catecúmenos para que entrassem na água, para assim receber o perdão dos pecados. Para isso deveriam fazer o esforço para receber bem os sacramentos, não se tratando de qualquer água, mas da água batismal em vista do perdão dos pecados[15]. Com o Senhor e com a sua igreja, pela penitência deve-se construir a casa sobre a rocha e não sobre a arreia destinada a cair[16]. Uma vez que se conheceu o Senhor, a pessoa é chamada a viver os seus mandamentos na vida cotidiana e na comunidade. O banho batismal confere a pessoa o selo da fé, porque dá a purificação dos pecados, como resultado de uma sincera penitência[17]. Os ouvintes receberão o batismo com fé, sendo este sacramento graça e não o será acolhido por presunção, porque seria um ato de soberba.
Desta forma Tertuliano propôs a penitência como forma de conversão de vida para seguir o caminho do Senhor e viver melhor em cada dia em unidade com Deus, com o próximo e consigo mesmo. A penitência aludiu à vida nova com Deus e com as pessoas humanas.
[1] Cfr. Tertulliano, La Penitenza. Texto critico de CCL 1. Introduzione, Traduzione, Note e Appendice, Attilio Carpin. Edizioni San Clemente, Edzioni Studio Domenicano, Bologna, 2011, pg. 89.
[2] Cfr. Johannes Quasten, Patrologia. I primi due secoli (II -III). Marietti, Casale, 1980, pg. 539.
[3] Cfr. Tertulliano, La Penitenza, 1, 5, pg. 97.
[4] Cfr. Idem, 2,8, pg. 99.
[5] Cfr. Idem, 3,1, pg. 103.
[6] Cfr. Mt 5,28.
[7] Cfr. Idem, 3,16, pg. 109.
[8] Cfr. Idem, 4,2, pg. 111.
[9] Cfr. Idem, 4,8, pg. 115.
[10] Cfr. Idem, 5,1, pg. 115.
[11] Cfr. Idem, 5,5-6, pg. 117.
[12] Cfr. Idem, 5,9, pg. 119.
[13] Cfr. Idem, 6, 1, pg. 123.
[14] Cfr. Idem, 6,6, pg. 125.
[15] Cfr. Idem, 6,10, pg. 127.
[16] Cfr. Mt 7,24-27; Idem, 6, 13, pg. 129.
[17] Cfr. Idem, 6,16, pgs. 130-131.
CNBB
Nenhum comentário:
Postar um comentário