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domingo, 25 de outubro de 2020

Aristides de Atenas: Apologia (Parte 1/2)

Estudos OESI

INTRODUÇÃO

I. Eu – ó Rei – por providência de Deus, vim a este mundo e, tendo contemplado o céu, a tarra e o mar, o sol, a lua e todo o resto, fiquei maravilhado por sua ordem. Porém, vendo que o mundo e tudo o que nele há se move por necessidade, compreendi que Aquele que os move e os mantém [em movimento] é mais que estes. Afirmo, pois, ser Deus que ordenou tudo e o mantém fortemente assim. [Ele] não teve princípio e é eterno; imortal e sem necessidades; acima de todas as paixões e defeitos, da ira, do esquecimento, da ignorância e tudo o mais. Por Ele, todavia, subsiste tudo. Não precisa de sacrifício, nem libação, nem de nada do que existe; porém, tudo necessita Dele.

II. Ditas estas coisas a respeito de Deus, da forma como consegui falar sobre Ele, passemos também ao gênero humano, para saber quais dentre os homens participam da verdade e quais [participam] do erro, pois, para nós – ó Rei – é evidente que há três tipos de homens neste mundo: os adoradores daquilo que vocês chamam “deuses”; os judeus; e os cristãos. Por sua vez, os que adoram muitos deuses se subdividem em também em três gêneros: os caldeus, os gregos e os egípcios, porque estes foram os guias e mestres das demais nações no culto e adoração dos deuses de muitos homens.

OS FALSOS DEUSES DOS CALDEUS

III. Vejamos, pois, quais destes [homens] participam da verdade e quais [partcipam] do erro. Os caldeus, com efeito, por não conhecerem a Deus, se extraviaram por detrás dos astros e passaram a adorar às criaturas no lugar d’Aquele que os havia criado; e fazendo daqueles [astros] certas representações, passaram a clamar às imagens do céu e da terra, do sol, da lua e dos demais astros ou luminares; e, confinando-os em templos, os adoram, dando-lhes nome de deuses, guardando-os com toda a segurança, para que não sejam roubados por ladrões, sem perceber que os que guardam são superiores aos guardados, e os que constroem são superiores às suas próprias obras. Assim, se os seus deuses são impotentes para sua própria salvação, como poderiam oferecer a salvação aos outros? Logo, se extraviaram os caldeus, prestando culto a imagens mortas e inúteis.

E fico maravilhado – ó Rei – como aqueles que são, entre eles, chamados de “filósofos” não perceberam absolutamente que também esses mesmos astros são corruptíveis. Sim, e se os astros são corruptíveis e dominados pela necessidades, como podem ser deuses? E se os astros não são deuses, como poderiam ser [deuses] as imagens feitas em honra deles?

IV. Passemos, portanto – ó Rei – aos próprios elementos, para provar que não são deuses, mas sim corruptíveis e mutáveis, desprovidos de tudo por ordem do Deus verdadeiro, Aquele que é incorruptível, imutável e invisível. Ele tudo vê, tudo muda e transforma como quer. Que posso então dizer dos astros?

Os que crêem que a terra é Deusa se enganam, pois a vemos incomodada e dominada pelos homens, cavada e emporcalhada, tornando-se inútil, porque se não a aduba, converte-se em infértil como uma telha, onde nada nasce. Só que, se for regada em demasia, corrompe-se ela mesma bem como os seus frutos. Ela também é pisada pelos homens e pelos animais; se mancha com os sangue dos assassinatos; é cavada para receber os cadáveres e, assim, se converte em depósito de mortos. Sendo assim, não é possível que a terra seja deusa, mas obra de Deus, para utilidade dos homens.

V. Os que pensam que a água é Deus erram, pois também ela foi feita para a utilidade dos homens e por eles é dominada; fica suja e se corrompe; se altera quando é servida, muda de cor e congela com o frio; é levada para lavar todas as imundícies… Por isso, é impossível que a água seja Deus, mas é obra de Deus.

Os que crêem que o fogo é Deus estão equivocados, pois o fogo foi feito para a utilidade dos homens e por eles é dominado; é levado de um lugar para outros para cozer e assar toda espécie de carnes e até mesmo para cremar cadáveres. Além disso, se corrompe de várias maneiras ao ser apagado pelos homens. Por isso, não é possível que o fogo seja Deus, mas obra de Deus.

Os que crêem que o sopro dos ventos é Deus se equivocam, pois é óbvio que está a serviço de outro e que foi preparado por Deus, em graça aos homens, para mover os navios, transportando os alimentos, e atender às suas demais necessidades; fora isso, aumenta ou cessa pela ordem de Deus. Portanto, não é possível pensar que o vento seja Deus, mas obra de Deus.

VI. Os que crêem que o sol é Deus se equivocam, pois vemos que ele se move por necessidade, muda e altera de signo, pondo-se e nascendo para desenvolver as plantas e ervas em utilidade aos homens; vemos também que possui divisões com os demais astros, que é muito menor que o céu, que sofre eclipses em sua luz e não goza de qualquer autonomia. Por isso, não é possível pensar que o sol seja Deus, mas obra de Deus.

Os que pensam que a lua é Deusa se equivocam, pois vemos que ela se move por necessidade e muda de fase, pondo-se e nascendo para a utilidade dos homens; ela é menor que o sol, cresce, reduz e sofre eclipses. Por isso, não é possível pensar que a lua seja deusa, mas obra de Deus.

VII. Os que crêem que o homem é Deus erram, pois vemos que ele é concebido por necessidade, se alimenta e envelhece ainda contra a sua vontade; às vezes está alegre, outras vezes está triste, e precisa de comida, bebida e roupas; vemos, ainda, que ele guarda raiva, inveja e ambição, muda seus propósitos e tem mil defeitos; corrompe-se também de muitos modos em razão dos elementos, dos animais e da morte que lhe é imposta. Não é, portanto, admissível que o homem seja Deus, mas obra de Deus.

Assim, os caldeus se extraviaram em suas concupiscências, pois adoram os astros, elementos corruptíveis e às imagens mortas, sem compreenderem o que divinizam.

OS FALSOS DEUSES DOS GREGOS

VIII. Vejamos agora também os gregos, para ver se possuem alguma idéia sobre Deus. Os gregos, que dizem ser sábios, mostram-se mais ignorantes que os caldeus, introduziram uma multidão de deuses que nasceram uns do sexo masculino, outros do sexo feminino, escravos de todas as paixões e sujeitos de toda espécie de iniqüidades; são deuses que eles memos afirmam ter sido adúlteros, assassinos, irados, invejosos, rancorosos, parricidas e fratricidas, ladrões e assaltantes, coxos e importunos, feiticeiros e loucos. Destes, uns morreram, outros foram fulminados, outros serviram aos homens como escravos, outros viraram fugitivos, outros sentiram dor e lamentaram, outros se transformaram em animais…

Daí se vê – ó Rei – quão ridículas, absurdas e ímpias palavras introduziram os gregos ao dar o nome de deuses a esses seres que não são [deuses]; assim fizeram seguindo os seus maus desejos, a fim de que, tendo aqueles abrogado suas maldades, pudessem estes [também] entregar-se ao adultérios, ao roubo, ao assassinato e toda a classe de vícios. Ora, se tudo isso fizeram os deuses, por que também não poderiam fazer os homens que lhes prestam culto? Conseqüência, pois, de todas estas obras do erro foi que os homens sofreram guerras contínuas, matanças e cativeiros amargos.

IX. Mas se quisermos recorrer com nosso discurso a cada um de seus deuses, veremos absurdos sem conta. Assim, introduzem, antes de mais nada, um deus chamado Cronos e a estes lhe sacrificam seus próprios filhos; Cronos teve muitos filhos de Rea e, finalmente, tornando-se louco, comeu os seus próprios filhos. Dizem também que Zeus lhe cortou as partes viris e as atirou no mar, donde se conta que nasceu Afrodite. Amarrando Zeus o próprio pai, lançou-o no Tártaro.

Vês o desvio e a imprudência introduzidos contra o seu próprio deus? Como é possível que um deus seja amarrado ou mutilado? Ó insensatez! Quem, em seu são juízo, pode dizer tais coisas?

Depois introduziram Zeus, que dizem ser o rei de todos os seus deuses e que toma a forma de animais para unir-se com mulheres mortais. Com efeito, contam que se tranformou em touro para Europa e Pasfae, em ouro para Danae, em cisne para Leda, em sátiro para Antíope e em raio para Esmele; e que destas nasceram-lhe muitos filhos: Dionísio, Zeto, Anfim, Héracles, Apolo e Artemisa, Perseu, Castor, Helena e Plux, Minos, Radamante, Sarpenden e as sete filhas chamadas “musas”. Logo introduziram igualmente a fábula de Ganímedes… Aconteceu então – ó Rei – que os homens imitaram tudo isto e se fizeram adúlteros e pervertidos, como seu deus, e cometeram toda a classe de atos viciosos. Como é possível conceber que Deus seja adúltero, pervertido e parricida?

X. Com isto, introduziram um certo Hefesto como deus, e este, coxo e empunhando martelo e turquês, passou a ser ferreiro para ganhar a vida. É necessitado? Isto é coisa inadmissível para Deus: ser coxo e necessitado dos homens.

Logo introduziram Hermes como deus; ele que é ambicioso, ladrão, ávaro, feiticeiro, estrupiado e intérprete de discursos… Não se concebe que Deus possa ser tais coisas.

Também introduziram Asclépio como deus; médico de profissão e dedicado a preparar medicamentos, compondo emplastos para se sustentar (pois estava necessitado), logo foi fulminado por Zeus por causa do filho do lacedemônio Tindreo, e assim morreu. Mas se Asclépio, sendo deus, não pôde ajudar a si mesmo, sendo fulminado, como poderá ajudar os outros?

Também introduziram Ares como deus; guerreiro, invejoso, ambicioso por rebanhos e outras coisa, dizem que ele, mais tarde, cometeu adultério com Afridite, e foi amarrado pelo menino Eros e também por Hefesto. Como, pois, poderia Deus ser ambicioso, guerreiro, adúltero e prisioneiro?

Também introduziram Donísio como deus, ele que celebra festas noturnas, é mestre em embriaguez e arrebata as mulheres alheias; mais tarde, foi degolado pelos titãs. Se, pois, Dionísio foi degolado, não pôde ajudar-se a si mesmo, mas era louco, bêbado e fugitivo; como poderia ser Deus?

Também introduziram Héracles, que contam ter-se embriagado e, tornando-se louco, comeu seus próprios filhos, sendo após consumido pelo fogo, assim morrendo. Mas como pode Deus ser bêbado, matar seus filhos e ser devorado pelo fogo? Como pode socorrer os outros se não pôde socorrer a si mesmo?

XI. Também introduziram Apolo como deus; ele era invejoso; às vezes empunhava o arco e e a flecha, outras vezes a cítara e a flauta; dedicava-se à adivinhação em troca do dinheiro dos homens. Ele é necessitado? É impossível admitir que Deus esteja necessitado e seja invejoso, como citamos.

Depois introduziram Artemisa, sua irmã, caçadora por ofício, que carrega o arco e a flecha, andando errante pelos montes, acompanhada somente de seus cães, para caçar cervos e javalis. Como pode, pois, ser deusa uma mulher que é caçadora e anda errante com seus cães?

Também dizem que Afrodite é deusa, que foi adúltera e que como companheiros de adultério Ares, Anquises e Adônis (cuja morte chorou), e sempre buscava amantes; até dizem que desceu ao Hades para resgatar Adônis de Persfone, filha de Hades. Ó Rei: por acaso já viste insensatez maior que a de introduzir uma deusa adúltera, que lamenta e chora?

Também introduziram Adônis como deus, caçador de ofício e adúltero, que morreu violentamente ferido por um javali e não pôde ajudar-se em sua desgraça. Como pode então preocupar-se com os homens aquele que era adúltero, caçador e que morreu de forma violenta?

Tudo isto e muitas coisas mais, bem vergonhosas e piores, introduziram os gregos – ó Rei – fantasiando sobre seus deuses coisas que absolutamente não são lícitas de dizê-las ou trazê-las à memória. Assim, tomando os homens os exemplos de seus próprios deuses, praticaram todo gênero de iniqüidade, imprudência e impiedade, manchando a terra e o ar com suas terríveis ações.

OS FALSOS DEUSES DOS EGÍPCIOS

XII. Quanto aos egípcios, que são mais torpes e mais nécios que os gregos, erraram mais que todas as nações, pois não se contentaram com os cultos dos caldeus e dos gregos, mas introduziram ainda como deuses animais irracionais, tanto da terra como da água, bem como árvores e plantas, e mergulharam em toda a loucura e imprudência pior que todas as nações existentes sobre a terra.

Eis que a princípio prestaram culto a Ísis, que tinha Osíris por irmão e marido; este foi degolado por seu irmão Tifão. Por esta razão, Ísis fugiu com seu filho Hórus para Bíblo, na Síria, chorando amargamente; quando Hórus cresceu, matou Tifão. Desta forma, nem Ísis teve forças para ajudar seu irmão e marido, nem Osíris pôde ajudar-se a si mesmo (já que foi degolado por Tifão), da mesma maneira que Tifão, fratricida, morto por Hórus e Ísis, não conseguiu livrar-se a si próprio da morte. E, reconhecidos por tais desgraças, foram tidos por deuses pelos insensatos egípcisos, os quais, não contentes com este e com os demais cultos trazidos por outras nações, introduziram como deuses até mesmo os animais irracionais.

Eis que alguns deles adoram a ovelha; outros o cabrito; outros o novilho e o porco; outros o corvo, o gavião, o abutre e a águia; outros o crocodilo; outros o gato, o cão e o lobo, e também o macaco, a serpente e a áspide; outros a cebola e o alho, os espinhos e as demais criaturas… E os desgraçados não se dão conta que nenhuma dessas coisas possui poder algum, nem vendo que seus deuses são comidos por outros homens, queimados e degolados, e se putrefazem… Não compreendem que não são deuses!

CONCLUSÃO SOBRE A FALSA RELIGIÃO POLITEÍSTA

XIII. Assim, se extraviaram gravemente os egípcios, os caldeus e os gregos, introduzindo tais deuses, fazendo imagens deles, e divinizando os ídolos surdos e insensíveis.

E me admira como vendo seus deuses serrados, destruídos pelo fogo, cortados pelos artífices, envelhecidos pelo tempo, dissolvidos e fundidos não compreendam que não existem tais deuses pois, quando nenhuma força possuem para sua própria salvação, como poderão ter providência pelos homens?

Mas seus poetas e filósofos, querendo com seus poemas e obras glorificar os seus deuses, não têm feito outra coisa senão descubrir suas vergonhas e torná-las desnudas para todos; pois, se o corpo do homem, ainda que seja composto por muitas partes, não despreza nenhum de seus membros, mas, conservando-os todos em irrompível unidade, mantendo-se sempre unidos, como poderia ocorrer na natureza de Deus tamanha batalha e discórdia? Ora, se a natureza dos deuses é uma, não deve um deus perseguir outro deus, nem degolá-lo ou machucá-lo. E se os deuses têm perseguido uns aos outros, e se degolaram, roubaram e foram fulminados, já não há uma só natureza, mas pareceres divididos e todos maléficos, de forma que nenhum deles é Deus. Portanto, é claro – ó Rei – que toda a teoria sobre a natureza desses deuses é puro extravio.

E como não compreenderam os gregos sábios e eruditos que, ao estabelecer leis, seus deuses são condenados por essas leis? Pois se as leis são justas, são absolutamente injustos os seus deuses que fizeram coisas contra a lei, como mortes mútuas, feitiçarias, adultérios, roubos e uniões contra a natureza; e se tudo isto que fizeram foi bom, então as leis é que são injustas porque vão contra os deuses. Porém não é isto que ocorre: as leis são boas e justas, pois louvam o bom e proíbem o mau, e as obras dos deuses são ímpias. Ímpios são, portanto, os seus deuses; todos são réus de morte; ímpios também são aqueles que introduzem semelhantes deuses, porque se as histórias que são contadas são mitos, então os deuses não são nada mais que palavras; e se são físicas, já não são deuses os que tais coisas fizeram ou sofreram; e se são alegorias, são estórias e nada mais.

Fique provado então – ó Rei – que todos estes cultos para muitos deuses são obras que extraviam e levam à perdição, pois não se deve chamar deuses às coisas visíveis que não vêem, mas deve-se adorar ao Deus invisível que tudo vê e criou.

Veritatis Splendor

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF