Antoine Mekary | ALETEIA |
Francisco, com seu exemplo, nos indica um caminho para a verdadeira humildade e a verdadeira simplicidade
Nesse momento, em que o Francisco está lançando sua nova encíclica, Fratelli tutti, vale a pena uma reflexão sobre o fascínio que o Papa exerce tanto entre católicos quanto entre não católicos – e sobre o que nós podemos aprender com ele, para nosso bem e de todos os que encontramos. Para entendermos esse fascínio, não podemos deixar de nos focar também na figura do Santo de Assis, provavelmente o mais carismático entre os homens santos católicos, do qual o Papa emprestou o nome.
Se voltarmos na história, para o dia de sua eleição, veremos que a humildade e a simplicidade de Bergoglio cativaram o mundo imediatamente. A opção por uma Igreja “pobre para os pobres”, a visão que partia da periferia – local característico dos excluídos – e o movimento em direção a essas periferias, foram “capturados” pelas pessoas, por assim dizer, a partir dessa humildade e dessa simplicidade. Num mundo em que os poderosos usam sua força para se imporem aos demais, um chefe humilde é uma revolução em si mesmo.
A humildade e a simplicidade não são posicionamentos político-ideológicos. São virtudes morais, que podem estar presentes ou faltar seja qual for o posicionamento de uma pessoa. Encontrarmos gente que se torna arrogante por ser mais rica, mais poderosa ou materialmente mais bem-sucedida que os demais; mas também encontramos gente arrogante porque se considera mais inteligente, mais correta ou com um posicionamento político mais adequado. Paradoxalmente, podemos encontrar pessoas que são arrogantes por se considerarem mais justas, mais bondosas ou até mais humildes que as demais!
Francisco, com seu exemplo, nos indica um caminho para a verdadeira humildade e a verdadeira simplicidade. O humilde vai sempre em busca do seu irmão, quer dialogar com ele, entendê-lo e de alguma forma compartilhar sua vida. O humilde sofre com as dores do outro e não se propõe a condená-lo, mas sim a ajudá-lo em suas dificuldades.
A precedência da empatia
Francisco demonstrou que a empatia precede o julgamento. A frase lapidar, que marca essa posição existencial, é a resposta dada pelo Papa a uma jornalista, na sua viagem de volta da Jornada Mundial da Juventude no Brasil, quando diz “Se uma pessoa é gay e procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para a julgar?”. A humildade e a simplicidade são compreendidas facilmente, mas essa precedência da empatia exige reflexão. Muita gente confunde essa empatia com falta de critérios claros, quando a própria empatia já é a aplicação de um critério maior: a caridade que engloba e, de certa forma, supera todos as demais dimensões da vida cristã (cf. 1Cor 13).
Além disso, precisamos ter uma visão realmente cristã do que seja o “juízo”. Quando pensamos, por exemplo, no famoso método Ver/Julgar/Agir, o juízo é muito semelhante ao “discernimento” jesuíta: aprofundar-se tanto na realidade quanto na intimidade com Deus, para compreender o Seu desígnio naquela situação. O discernimento procura o verdadeiro e o justo, para orientar a ação. Numa ótica “mundana”, contudo, o julgamento destina-se a condenar ou não condenar (isto é, absolver) alguém ou alguma situação. Enquanto o juízo cristão é uma postura propositiva, voltada ao bem da pessoa e do outro, o julgamento humano é normalmente entendido como uma postura negativa, voltada – na melhor das hipóteses – à supressão de algo que não está certo.
Daí nasce a capacidade de diálogo, que se abre para o encontro com o outro – categorias chave para a compreensão da nova encíclica do Papa.
O fruto da misericórdia
Essas virtudes de Francisco/Bergoglio não são méritos exclusivos dos cristãos. Existe uma infinidade de não cristãos que praticam esses valores, tanto ou mais que a maioria dos cristãos. Contudo, os cristãos contam com uma ajuda a mais, uma facilitação para viverem assim.
Certa vez, um jornalista agnóstico, pessoa muito generosa e sincera, depois de passar um longo tempo procurando entender o cristianismo, me deu a seguinte explicação: “Tanto vocês, cristãos, quanto eu, agnóstico, somos capazes de amar e procurar fazer o bem. Mas vocês acreditam fazer a experiência de serem amados com um amor imenso e totalmente gratuito e, por isso, agem acreditando que podem e devem amar aos demais com esse amor gratuito. Eu nunca experimentei esse amor, por isso não acredito que conseguirei amar assim”.
A fonte da postura humana e do testemunho do Papa é a experiência que ele mesmo faz da misericórdia, de receber um amor imerecido e gratuito, um perdão que supera seus limites e pecados – como declara numa entrevista ao jesuíta Antonio Spadaro. Por isso proclamou o Jubileu Extraordinário da Misericórdia.
O jornalista agnóstico estava certo ao perceber que a experiência do encontro com Cristo que nos ama gratuitamente é a origem do amor e do testemunho cristão, como lembra o Papa em sua carta ao jornalista Eugenio Scalfari.
Fratelli tutti?
Dizer que todos somos irmãos pode parecer ingênuo às pessoas do nosso tempo, marcado por um certo realismo cínico, que “desconstrói” valores e ideais. É preciso um testemunho como o de Francisco pode trazer credibilidade a essas palavras. Quando esse testemunho acontece, se mostra fascinante e capaz de levar esperança e gerar um compromisso com o bem comum.
Aleteia
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