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sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Santo Tomás de Aquino, o Doutor Angélico

Aleteia

Queridos irmãos e irmãs:

Após algumas catequeses sobre o sacerdócio e minhas últimas viagens, voltamos hoje ao nosso tema principal, isto é, para a meditação sobre alguns grandes pensadores da Idade Média. Havíamos visto a grande figura de São Boaventura, franciscano, e hoje gostaria de falar daquele que a Igreja chama o Doctor communis: São Tomás de Aquino. Meu adorado antecessor, o Papa João Paulo II, em sua encíclica Fides et ratio, lembrou que São Tomás “sempre foi proposto pela Igreja como mestre do pensamento e modelo do modo certo de fazer teologia” (n. 43). Não surpreende que, depois de Santo Agostinho, entre os escritores eclesiásticos mencionados no Catecismo da Igreja Católica, São Tomás seja citado mais que qualquer outro, até 61 vezes! Foi chamado também Doctor Angelicus, talvez por suas virtudes, em particular a sublimidade de seu pensamento e a pureza de sua vida.

Tomás nasceu entre 1224 e 1225, no castelo que sua família, nobre e rica, possuía em Roccasecca, nas proximidades de Aquino, perto da célebre abadia de Monte Cassino, onde foi enviado por seus pais para receber os primeiros elementos de sua instrução. Um ano depois, mudou-se para a capital do Reino de Sicília, Nápoles, onde Federico II havia fundado uma prestigiosa Universidade. Nela era ensinado, sem as limitações existentes em outros lugares, o pensamento do filósofo grego Aristóteles, a quem o jovem Tomás foi apresentado e de quem intuiu grande valor imediatamente. Mas, sobretudo naqueles anos transcorridos em Nápoles, nasceu sua vocação dominicana. Tomás foi, de fato, atraído pelo ideal da ordem fundada não muitos anos antes por São Domingos. Contudo, quando revestiu o hábito dominicano, sua família opôs-se a esta escolha, obrigando-o a deixar o convento e a passar algum tempo em família.

Em 1245, já maior de idade, pôde retomar seu caminho de resposta ao chamado de Deus. Foi enviado a Paris para estudar teologia, sob a orientação de outro santo, Alberto Magno, sobre o qual falei recentemente. Alberto e Tomás estreitaram uma verdadeira e profunda amizade e aprenderam a estimar-se e a apreciar-se, até o ponto que Alberto quis que seu discípulo o acompanhasse, também, a Colônia, aonde ele havia sido enviado pelos superiores da ordem para fundar um estudo teológico. Tomás manteve, então, contato com todas as obras de Aristóteles e de seus comentaristas árabes, que Alberto ilustrava e explicava.

Naquele período, a cultura do mundo latino estava profundamente estimulada pelo encontro com as obras de Aristóteles, que haviam sido ignoradas por muito tempo. Tratava-se de textos sobre a natureza do conhecimento, sobre ciências naturais, sobre metafísica, sobre a alma e sobre a ética, repletos de informações e instruções que pareciam válidas e convincentes. Era toda uma visão completa do mundo elaborada sem e antes de Cristo, com a pura razão, e parecia impor-se à razão como “a” própria visão; era, portanto, uma fascinação incrível para os jovens verem e conhecerem esta filosofia. Muitos acolheram com entusiasmo, até mesmo com entusiasmo acrítico, esta enorme bagagem do antigo conhecimento, que parecia poder renovar vantajosamente a cultura, abrir totalmente novos horizontes. Outros, porém, temiam que o pensamento pagão de Aristóteles estivesse em oposição à fé cristã e recusavam estudá-lo.

Encontraram-se duas culturas: a cultura pré-cristã de Aristóteles, com sua racionalidade radical, e a cultura clássica cristã. Certos ambientes eram levados à rejeição de Aristóteles, também pela apresentação que deste filósofo faziam os comentaristas árabes Avicena e Averróis. Na realidade, foram eles que transmitiram para o mundo latino a filosofia aristotélica. Por exemplo, estes comentaristas tinham ensinado que os homens não têm uma inteligência pessoal, mas que há um único intelecto universal, uma substância espiritual comum a todos, que opera em todos como “única”: portanto, uma despersonalização do homem. Outro ponto discutível transmitido pelos comentaristas árabes era aquele segundo o qual o mundo é eterno como Deus. Desencadearam-se, compreensivelmente, disputas sem fim no mundo universitário e no eclesiástico. A filosofia aristotélica ia se difundindo, inclusive pelas pessoas simples.

Tomás de Aquino, na escola de Alberto Magno, realizou uma operação de fundamental importância para a história da filosofia e da teologia, diria que para a história da cultura: estudou a fundo Aristóteles e seus intérpretes, procurando novas traduções latinas dos textos originais em grego. Assim, não se apoiava apenas nos comentaristas árabes, sendo que podia ler pessoalmente os textos originais, e comentou grande parte dos trabalhos aristotélicos, distinguindo neles o que era válido do que era duvidoso ou completamente rejeitável, mostrando a concordância com os dados da Revelação cristã e utilizando ampla e intensamente o pensamento aristotélico na exposição dos manuscritos teológicos que compôs. Em definitivo, Tomás de Aquino mostrou que entre a fé cristã e a razão subsiste uma harmonia natural. E esta é a grande obra de Tomás, que, naquele momento de confrontação entre duas culturas – momento em que parecia que a fé teria que render-se à razão -, mostrou que ambas caminham juntas; que, quando a razão parecia incompatível com a fé, não era razão, e quando a fé parecia opor-se à verdadeira racionalidade, não era fé; assim, criou uma nova síntese, que formou a cultura dos séculos seguintes.

Por seus excelentes dotes intelectuais, Tomás foi chamado a Paris como professor de teologia na cátedra dominicana. Aqui começou também sua produção literária, que prosseguiu até sua morte e que tem algo de prodigioso: comentários à Sagrada Escritura, porque o professor de teologia era, sobretudo, intérprete da Escrituras, comentários aos manuscritos de Aristóteles, obras sistemáticas poderosas, entre as quais sobressai a Summa Theologiae, tratados e discursos sobre argumentos diversos. Para a composição de seus textos, era ajudado por alguns secretários, entre eles seu irmão Reginaldo de Piperno, que o seguiu fielmente e ao qual esteve ligado por uma amizade sincera e fraterna, caracterizada por uma grande confiança. Esta é uma característica dos santos: eles cultivavam a amizade, porque esta é uma das manifestações mais nobres do coração humano e tem em si algo de divino, como Tomás mesmo explicou em algumas quaestiones da Summa Theologia, na qual escreve: “A caridade é a amizade do homem com Deus principalmente, e com os seres que Lhe pertencem (II, q. 23, a.1)”.

Não permaneceu durante muito tempo e de um modo estável em Paris. Em 1259 participou do Capítulo Geral dos Dominicanos para Valenciennes, onde foi membro de uma comissão que estabeleceu o programa de estudos da ordem. De 1261 a 1265, depois, Tomás esteve em Orvieto. O Pontífice Urbano IV, que sentia por ele uma grande estima, o encarregou da composição dos textos litúrgicos para a festa de Corpus Domini, que celebramos amanhã, instituída depois do milagre eucarístico de Bolsena. Tomás teve uma alma perfeitamente eucarística. Os belíssimos hinos que a liturgia da Igreja canta para celebrar o mistério da presença real do Corpo e do Sangue do Senhor, na Eucaristia são atribuídos à sua fé e à sua sabedoria teológica. Entre 1265 e 1268, Tomás residiu em Roma, onde, provavelmente, dirigia um Studium, quer dizer, uma Casa de Estudos da Ordem, e onde começou a escrever sua Summa Theologiae (cf. Jean-Pierre Torrell, Tommaso d’Aquino. L’uomo e il teologo, Casale Monf., 1994, pp. 118-184).

Em 1269, foi chamado novamente a Paris para um segundo ciclo de ensinos. Os estudantes – compreende-se – estavam encantados com suas lições. Um ex-aluno seu declarou que uma enorme multidão de estudantes seguia os cursos de Tomás, tanto que as salas de aula não conseguiam comportar-lhes, e acrescentou, com uma anotação pessoal que “escutá-lo era para ele uma felicidade profunda”. A interpretação de Aristóteles dada por Tomás não era aceita por todos, mas até mesmo seus adversários no campo acadêmico, como Godofredo de Fontaines, por exemplo, admitiam que a doutrina de Tomás era superior a outras por sua utilidade e valor e servia a todos os demais doutores. Talvez também para subtraí-lo das vivazes discussões em curso, os superiores enviaram-no mais uma vez a Nápoles, para colocar-se à disposição do rei Carlos I, que queria organizar os estudos universitários.

Além do estudo e do ensino, Tomás dedicou-se também à pregação ao povo. E também o povo ia de bom grado escutá-lo. Diria que é verdadeiramente uma graça grande quando os teólogos sabem falar com simplicidade e fervor aos fiéis. Por outro lado, o ministério da pregação ajuda os próprios especialistas em teologia, num saudável realismo pastoral, e enriquece de estímulos vivazes sua investigação.

Os últimos meses da vida terrena de Tomás permanecem rodeados de uma atmosfera particular, diria misteriosa. Em dezembro de 1273, chamou seu amigo e secretário Reginaldo para comunicar-lhe sua decisão de interromper todo o trabalho, porque durante a celebração da Missa havia compreendido, a partir de uma revelação sobrenatural, que tudo que ele tinha escrito até então era apenas “um montão de palha”. É um episódio misterioso que nos ajuda compreender não apenas a humildade pessoal de Tomás, mas também o fato de que tudo aquilo que chegamos a pensar e a dizer sobre a fé, por mais elevado e puro que seja, é infinitamente superado pela grandeza e pela beleza de Deus, que nos será revelada em plenitude no Paraíso. Um mês depois, cada vez mais absorto em uma meditação pensativa, Tomás morreu enquanto estava de viagem para Lyon, aonde ia para participar do Concílio Ecumênico proclamado pelo Papa Gregório X. Apagou-se na Abadia Cisterciense de Fossanova, após ter recebido o Viático com sentimentos de grande piedade.

A vida e o ensinamento de São Tomás de Aquino poderia se resumir em um episódio apanhado pelos biógrafos antigos. Enquanto o santo, como era seu costume, estava em oração perante o crucifixo, pelo início da manhã na Capela de São Nicolau, em Nápoles, Domingo de Caserta, o sacristão da igreja, sentiu desenvolver-se um diálogo. Tomás perguntava, preocupado, se o que havia escrito sobre os mistérios da fé cristã estava correto. E o Crucifixo respondeu: “Tu tens falado bem de mim, Tomás. Qual será tua recompensa?”. E a resposta que Tomás deu é a que nós também, amigos e discípulos de Jesus, sempre quisemos dizer: “Nada mais que Tu, Senhor” (Ibidem, p. 320).

Fonte: Zenit

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF