L'Osservatore Romano |
Longe de qualquer retórica, a África desempenha um papel cada vez mais fundamental no Catolicismo contemporâneo. De acordo com dados divulgados em março passado pelo Departamento Central de Estatística da Igreja que editou o Anuário Pontifício de 2020 e o Annuarium Statisticum Eccleasiae de 2018, podemos observar que a proporção de católicos em África é de 19,4 por cem habitantes. Se se considerar que a população africana é hoje de cerca de um bilião e 300 milhões de habitantes, isto significa que há mais de 250 milhões de católicos. O crescimento é certamente significativo tendo em conta que eram 185 milhões em 2010.
E o que dizer quanto às vocações? No período entre 2013 e 2018, a África registou um reconfortante +14,3% enquanto para o mesmo quinquénio houve um aumento dos religiosos de +6,8% e das religiosas de +9%. Um exemplo do crescimento expansivo do enclave católico no continente é dado pelos países da África subsariana: em 1910 representavam 1% dos católicos do planeta; em 2019 com 171,48 milhões de fiéis, representavam 16% dos católicos do mundo. Segundo os estudiosos, se considerarmos os processos em curso, dentro de cerca de vinte anos atingirão 24% do total.
A importância do continente africano no cristianismo mundial (incluindo também as Igrejas protestantes e as Igrejas independentes) é, além disso, ainda maior se considerarmos a dinâmica de crescimento, que poderia levar a população cristã da África subsariana, de acordo com as previsões do Pew Research Center, a duplicar até 2050, para mais de um bilião e cem milhões de pessoas. É uma realidade que no início da segunda metade deste século os 5 dos 10 países em escala planetária com a maior população de cristãos estarão em África: Nigéria, República Democrática do Congo, Tanzânia, Etiópia e Uganda.
Um facto que precisa de ser refletido, novamente de acordo com o Pew Research Center, é que «os cristãos em África e na América Latina tendem a rezar mais frequentemente, a assistir mais regularmente aos cultos religiosos e a considerar a religião mais importante na sua vida do que os cristãos no resto do mundo». Esta informação não pode de modo algum ser subestimada se se considerar o nível de compromisso e identificação dos fiéis: de facto, 75 por cento dos cristãos na África subsariana declaram que a religião é muito relevante na própria vida, em comparação com outras realidades continentais, como a ocidental, que vê cada vez mais uma adesão predominantemente nominal.
A este respeito, é de notar o papel particular que a Igreja africana desempenha na educação, num contexto muitas vezes marcado por uma grave exclusão social. Ela representa, na prática, um ponto de referência para as gerações mais jovens, que frequentemente encontram nas estruturas escolares propostas que visam o crescimento integral da pessoa. Isto não é novidade se considerarmos que Kwame Nkrumah, um dos mestres do pan-africanismo, bem como o primeiro presidente do Gana, unanimemente considerado pelos seus compatriotas «pai da pátria», declarou publicamente em 1957 numa conferência na Universidade de Friburgo: «A pessoa que me apresentou disse que eu sou responsável pelo despertar deste grande continente. Creio que isto não é verdade. Se quisermos considerar a situação de uma forma mais exata, devo dizer que os responsáveis pela tomada de consciência dos africanos, foram os missionários cristãos com as suas escolas». E que dizer em relação à melhoria dos serviços de previdência social em África? Segundo dados da Organização mundial da saúde (oms), 70% são de inspiração católica. Existem numerosas congregações religiosas, masculinas e femininas, juntamente com várias realidades da cooperação internacional para o desenvolvimento de inspiração católica que estão na vanguarda da afirmação do direito sacrossanto à saúde dos grupos sociais desfavorecidos presentes no vasto continente africano. Foi também graças ao empenho deles que se forjou a resiliência das populações nativas africanas hoje forçadas a conviverem, não só com a Covid-19, mas também com outras enfermidades endémicas como as doenças tropicais neglicenciadas (Dtn), sem mencionar as três mais perigosas, ou seja, a malária, a Sida e a tuberculose, ou epidemias particularmente graves embora territorialmente circunscritas como o ébola.
Particularmente significativa é a contribuição das Igrejas locais para o crescimento da sociedade civil que, em perspetiva, deveria representar o berçário das futuras classes dirigentes. Não é acasional que sempre que se há eleições na África subsariana ou surgem situações de beligerância aberta, os episcopados locais intervêm apelando à reconciliação, ao diálogo e sobretudo ao respeito pelos direitos humanos. Com frequência os bispos africanos intervieram no debate sobre as reformas constitucionais, criticando por vezes o enfraquecimento das instituições estatais e em particular as tentativas de algumas componentes políticas de minar a independência do poder judicial através de ações corruptas.
Emblemática é a recente mensagem publicada pelo Simpósio das Conferências Episcopais de África e Madagáscar (Secam) para recordar a visita feita há um ano pelo Papa Francisco a Moçambique, Madagáscar e Maurícias. Os bispos africanos recordaram, entre outras coisas, que «o Papa Francisco insistiu que para tornar possível a reconciliação é necessário superar tempos de divisão e violência, xenofobia e tribalismo. A este respeito, devemos aceitar o desafio de acolher e proteger os migrantes que vêm em busca de trabalho e melhores condições de vida para as suas famílias, de defender os encontros ecuménicos e inter-religiosos e de encontrar formas de promover a colaboração entre todos — cristãos, religiões tradicionais, muçulmanos — para um futuro melhor para a África».
Mas atenção, nem tudo o que brilha é ouro. Muitas das dioceses africanas encontraram, nos últimos anos, benefícios na ajuda (espiritual e material) das Igrejas de tradição antiga (especialmente europeias e norte-americanas). Mas a situação atual no Ocidente é marcada por um declínio nas vocações missionárias e nas ofertas. Além disso, a atual pandemia de coronavírus está a penalizar muitas das atividades de cooperação missionária. Isto significa, essencialmente, que as Igrejas africanas, olhando para o futuro, devem elaborar novos modelos de desenvolvimento em nome da autossuficiência.
Uma coisa é certa: São Paulo vi justamente disse aos bispos africanos reunidos em Kampala: «Vós, africanos, sois agora os missionários de vós próprios. A Igreja de Cristo está verdadeiramente plantada nesta terra abençoada».
Giulio Albanese
L'Osservatore Romano
Nenhum comentário:
Postar um comentário