Dom Ricardo Hoepers Bispo de Rio Grande - RS |
A que ponto chegamos! Ao tomar
consciência da ADI 5668/2017 eu lembrei do mito grego de Procusto que fazia os
viajantes deitarem numa cama, no meio da noite, imobilizava-os e os obrigava a
ocupar o exato tamanho do leito oferecido. Dependendo do tamanho do hóspede,
ele o adaptava à cama, cortando a cabeça ou os pés, ou esticando até quebrar os
ossos. É isso que alguns partidos têm feito no Brasil com suas ideologias. Se
as leis, a sociedade e toda a nação não se adaptarem aos seus projetos, não
servem. Eles não podem ceder, mas o país inteiro tem que ceder a eles. Falam em
diálogo, mas no fundo, querem imobilizar a todos com um monólogo de sua
ideologia partidária.
O Plano Nacional de Educação (PNE)
passou por um longo caminho para ser aprovado. A partir de 2011 foram quatro
anos de discussões, incluídos diferentes setores da sociedade, realizadas
consultas públicas e as diretrizes exaustivamente debatidas em todos os
segmentos previstos. Enfim, em 2014, o PNE foi aprovado nas instâncias
previstas. As propostas foram sendo depuradas para que o PNE pudesse atender
aos novos desafios da Educação, em meio a uma sociedade em mudança de época.
Longe de ser um PNE perfeito, foi democraticamente construído, e seu valor
está, tanto no processo, quanto no resultado. Depois de 2014 vinha o desafio de
implementar e fazer acontecer as adequações necessárias sobre os Planos
educacionais dos Estados e Municípios. E, mais uma vez, o Brasil mostrou sua
vitalidade aprovando os mesmos, em seus níveis subsequentes, com a participação
vigorosa e atuante dos legisladores, educadores e famílias.
Diante desse contexto gostaria de
afirmar que a ADI 5668, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) é
como a cama de Procusto: improcedente, incoerente, injusta, inconsequente, inadequada,
interesseira.
·
Improcedente porque sua argumentação procede de uma carência de
interpretação que quer incluir o que já está incluído.
·
Incoerente porque um partido que se diz democrático não pode impor algo
que a sociedade não quer.
·
Injusta porque quer defender um único grupo em detrimento de outros.
·
Inconsequente porque não leva em conta as reais dimensões que envolvem
um tema reduzindo-o a uma única estratégia.
·
Inadequada porque não considerou o processo realizado, mas só o
resultado.
·
Interesseira porque não admite que seus interesses não estejam
demarcados categoricamente como prerrogativa em detrimento do bem comum.
Sinceramente, não quero acreditar que
o Supremo Tribunal Federal (STF) irá cair nas redes desse argumento maquiado de
vingança, ajuizado na ADI 5668, que aparenta ser mais um imbróglio jurídico.
Parece ser forçada por quem não admite derrota nos processos democráticos e
quer impor sua ideologia goela abaixo, não se importando com quem vai se
afogar. O STF tem uma chance privilegiada, um momento oportuno, de mostrar a
sociedade que os processos democráticos têm um valor imprescindível para o
equilíbrio social. Os partidos devem aprender a dialogar nas instâncias
corretas, no momento certo e da maneira certa e não instrumentalizar o STF para
seus deleites ideológicos. Ao meu ver, esse é o âmago da questão: um partido
político, usando de um instrumento democrático como uma ADI, faz uma petição na
maior instância jurídica do país (STF), para impor sobre toda a sociedade,
através de um Plano Nacional de Educação, uma ideologia de desconstrução dos
valores da família, chamada teoria de gênero. Todo o processo democrático de
construção do PNE escolheu tirar essa referência ideológica. As famílias
brasileiras não querem esse viés estranho aos seus valores nas escolas, pois
educação sexual é uma prerrogativa do seio familiar. Mas, o PSOL não
satisfeito, quer obrigar o fatídico retorno dessa proposta, através de um
discurso maquiado de “prevenção do bullyng”. Isso, ao
meu ver, é manipulação dos interesses da nação. O STF há de desconstruir esse
intento antidemocrático.
E como fica a questão da prevenção
do bullyng nas escolas públicas e particulares?
O bullyng existe, é real e, de fato, muitas
crianças, adolescentes e jovens sofrem essa realidade. A CNBB, em sua nota,
colocou muito bem que são muitos tipos e cita alguns: em nível físico, moral,
psicológico, material, verbal, sexual, social, religioso, familiar ou
cibernético. Foi exatamente por isso que o PNL previu com muita propriedade
toda essa amplitude que, contempladas nas Diretrizes, podem ser tratadas de
modo personalizado nas suas realidades respeitando a cultura local. Assim foram
aprovadas as Diretrizes do PNE:
Está contemplada a abertura para
todas as ações de defesa, proteção e prevenção ao bullyng na expressão: ERRADICAR TODAS AS FORMAS DE
DISCRIMINAÇÃO.
Estão contemplados os valores que
fundamentam a sociedade. O Brasil tem VALORES MORAIS E ÉTICOS que devem ser
respeitados dentro do processo democrático.
Está contemplado o respeito aos
DIREITOS HUMANOS E À DIVERSIDADE que temos no nosso país.
Portanto, diante dessa perspectiva é
necessário um grande esforço em nível nacional, de todos os setores da
sociedade, para adequar as realidades educacionais àquilo de melhor que o PNE
propõe, de maneira especial a valorização dos nossos educadores. Essa sim seria
a pauta mais digna para uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF: A VALORIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. É
inconstitucional o tratamento que está sendo dado aos profissionais da área da
educação conforme rege a Constituição no art. 206, inciso V, que trata da
valorização dos profissionais da educação escolar. Se alguém está
sofrendo bullyng em nosso país, são os nossos educadores,
que são intimidados a sofrer a humilhação de dar o melhor de si e receber o
desprezo e a desvalorização profissional estampados nos seus salários. Esse é o
maior bullyng nacional.
O Papa Francisco já se manifestou em
muitos discursos oficiais sobre a ideologia de gênero. Falando para os jovens
de Nápoles, em 2015, o Papa Francisco diz que a teoria de gênero é um erro da
mente humana. E mais: “A crise da família é uma realidade social. Há as
colonizações ideológicas das famílias, modalidades e propostas que estão na
Europa e provêm também de além-mar. E ainda o erro da mente humana que é a
teoria de gênero, que cria muita confusão. Assim a família está sob ataque”.
Os termos usados pelo PSOL para
justificar a ADI 5668, tais como “heteronormatividade, norma cisgênera,
homossexuais, bissexuais, assexuais, travestis, transexuais ou intersexos” são
extremamente complexos, sem consenso científico, e trazem muita confusão quando
utilizados indevidamente para crianças e adolescentes. E o problema se torna
ainda maior ao ser jogado nas costas do educador a responsabilidade de
distinguir essas situações e resolver esses dilemas criados e impostos por
grupos ideológicos. Se a família está sob ataque, como diz o Papa, neste caso,
eu diria que querem tornar a escola o campo de guerra.
Talvez para responder a esses
desafios educacionais já temos uma perspectiva que nos traz o próprio Papa
Francisco: um Pacto Educativo Global. É uma
proposta que une as famílias, comunidades, escolas e universidades, as
instituições, as religiões, governantes, a humanidade inteira “na formação de
pessoas maduras”. O Pacto Educativo Global parte da figura de um provérbio
africano: “Para educar uma criança, é necessária uma
aldeia inteira”, isto é, todos somos responsáveis. Vamos voltar a
focar no essencial, e para um país se desenvolver o essencial é cuidar da
família e da educação, pois o resto vem por consequência.
CNBB
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