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ANO B
2º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Tema do 2º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 2º Domingo do Tempo Comum propõe-nos uma reflexão sobre a disponibilidade para acolher os desafios de Deus e para seguir Jesus.
A primeira leitura apresenta-nos a história do chamamento de Samuel. O autor desta reflexão deixa claro que o chamamento é sempre uma iniciativa de Deus, o qual vem ao encontro do homem e chama-o pelo nome. Ao homem é pedido que se coloque numa atitude de total disponibilidade para escutar a voz e os desafios de Deus.
O Evangelho descreve o encontro de Jesus com os seus primeiros discípulos. Quem é “discípulo” de Jesus? Quem pode integrar a comunidade de Jesus? Na perspectiva de João, o discípulo é aquele que é capaz de reconhecer no Cristo que passa o Messias libertador, que está disponível para seguir Jesus no caminho do amor e da entrega, que aceita o convite de Jesus para entrar na sua casa e para viver em comunhão com Ele, que é capaz de testemunhar Jesus e de anunciá-l’O aos outros irmãos.
Na segunda leitura, Paulo convida os cristãos de Corinto a viverem de forma coerente com o chamamento que Deus lhes fez. No crente que vive em comunhão com Cristo deve manifestar-se sempre a vida nova de Deus. Aplicado ao domínio da vivência da sexualidade – um dos campos onde as falhas dos cristãos de Corinto eram mais notórias – isto significa que certas atitudes e hábitos desordenados devem ser totalmente banidos da vida do cristão.
LEITURA I – 1 Sam 3, 3b-10.19
MENSAGEM
A primeira nota que é preciso sublinhar na história da vocação de Samuel é que a vocação é sempre uma iniciativa de Deus (“o Senhor chamou Samuel” – vers. 4a). É Deus que, seguindo critérios que nos escapam absolutamente mas que para Ele fazem sentido, escolhe, chama, interpela, desafia o homem. A indicação de que “Samuel ainda não conhecia o Senhor porque, até então, nunca se lhe tinha manifestado a Palavra do Senhor” (vers. 7) sugere claramente que o chamamento de Samuel parte só de Deus e é uma iniciativa exclusiva de Deus, à qual Samuel é, num primeiro momento, totalmente alheio.
Uma segunda nota é sugerida pelo enquadramento temporal do chamamento: Deus dirige-Se a Samuel enquanto este estava deitado, presumivelmente, durante a noite. É o momento do silêncio, da tranquilidade e da calma, quando a algazarra, o barulho e a confusão se calaram. A nota sugere que a voz de Deus se torna mais facilmente perceptível ao vocacionado no silêncio, quando o coração e a mente do homem abandonaram a preocupação com os problemas do dia a dia e estão mais livres e disponíveis para escutar os apelos e os desafios de Deus.
Uma terceira nota diz respeito à forma como se processa a resposta de Samuel ao chamamento de Deus.
Antes de mais, o autor do texto sublinha a dificuldade de Samuel em reconhecer a voz do Senhor. Jahwéh chamou Samuel por quatro vezes e só na última vez o jovem conseguiu identificar a voz de Deus. O facto sublinha a dificuldade que qualquer chamado tem no sentido de identificar a voz de Deus, no meio da multiplicidade de vozes e de apelos que todos os dias atraem a sua atenção e seduzem os seus sentidos.
Depois, sobressai o papel de Eli na descoberta vocacional do jovem Samuel. É Eli que compreende “que era o Senhor quem chamava o menino” e que ensina Samuel a abrir o coração ao chamamento de Jahwéh (“se fores chamado outra vez, responde: «fala, Senhor; o teu servo escuta»” – vers. 9). O pormenor sugere que, tantas vezes, os irmãos que nos rodeiam têm um papel decisivo na percepção da vontade de Deus a nosso respeito e na nossa sensibilização para os apelos e para os desafios que Deus nos apresenta.
Finalmente, o autor põe em relevo a disponibilidade de Samuel para ouvir e para acolher a voz de Deus: “fala, Senhor; o teu servo escuta” (vers. 10). No mundo bíblico, “escutar” não significa apenas ouvir com os ouvidos; mas significa, sobretudo, acolher no coração e transformar aquilo que se ouviu em compromisso de vida. O que Samuel está aqui a dizer a Deus é que está disposto a acolher os seus apelos e desafios e a comprometer-Se com eles. O que Samuel está a dizer a Jahwéh é que aceita embarcar no desafio profético e ser um sinal vivo de Deus, voz “humana” de Deus, na vida e na história do seu Povo.
LEITURA II – 1 Cor 6,13c-15a.17-20
MENSAGEM
A questão fundamental, para Paulo, é esta: pelo Baptismo, o cristão torna-se membro de Cristo e forma com ele um único corpo. A partir desse momento, os pensamentos, as palavras, as atitudes do cristão devem ser os de Cristo e devem testemunhar, diante do mundo, o próprio Cristo. No “corpo” do cristão manifesta-se, portanto, a realidade do “corpo” de Cristo.
Por outro lado, o cristão torna-se também Templo do Espírito. Para os judeus, o “templo” de Jerusalém era o lugar onde Deus residia no mundo e se manifestava ao seu Povo… Dizer que os cristãos são “Templo do Espírito” significa que eles são agora o lugar onde reside e se manifesta a vida de Deus. No Baptismo, o cristão recebe o Espírito de Deus; e é esse Espírito que vai, a partir desse instante, conduzi-lo pelos caminhos da vida, inspirar os seus pensamentos, condicionar as suas acções e comportamentos.
Aqui estão os elementos fundamentais da antropologia cristã… O “corpo” é o lugar onde se manifesta historicamente a realidade dessa vida nova que inunda o crente, após a sua adesão a Cristo. O “corpo” não é algo desprezível, baixo, miserável, condenado – na linha do que pensavam algumas correntes filosóficas bem representadas na cidade de Corinto; mas é algo que tem uma suprema dignidade, pois é nele que se manifesta para o mundo a realidade da vida de Deus. No “corpo” do cristão que vive em comunhão com Cristo manifesta-se – através das palavras e das acções do crente – essa vida nova que Deus quer propor ao mundo e oferecer aos homens.
Daqui, Paulo tira as devidas consequências e aplica-as à situação concreta dos crentes de Corinto, às vezes tentados por comportamentos pouco edificantes, particularmente no âmbito da vivência da sexualidade… Se os cristãos são membros de Cristo e se vivem em comunhão com Cristo, os comportamentos desregrados no domínio da sexualidade não fazem qualquer sentido; se os cristãos são “Templo do Espírito” e os seus corpos são o lugar onde se manifesta a vida nova de Deus, certas atitudes e hábitos desordenados não são dignos dos crentes.
No “corpo” dos cristãos deve manifestar-se a vida de Deus. Ora, tudo aquilo que é expressão de egoísmo, de procura desenfreada dos próprios interesses, de realização descontrolada dos próprios caprichos, de comportamentos que usam e instrumentalizam o outro, está em absoluta contradição com essa vida nova de Deus que é relação, que é intercâmbio, que é entrega mútua, que é compromisso, que é amor verdadeiro. Os crentes são livres; mas a liberdade cristã tem como limite o próprio Cristo: nada do que contradiz os valores e o projecto de Jesus pode ser aceite pelo cristão. Aliás, os crentes devem ter consciência de que o radicalismo da liberdade acaba frequentemente na escravidão.
O nosso texto termina com um convite singular: “glorificai a Deus no vosso corpo” (vers. 20). É através de comportamentos e atitudes onde se manifesta a realidade da vida nova de Jesus que os crentes podem “prestar culto” a Deus. O “culto” a Deus não passa pela prática de um conjunto de ritos externos, mais ou menos pomposos, mais ou menos solenes, mas por um compromisso de vida que afecta a pessoa inteira e que diz respeito à relação do crente com os outros irmãos ou irmãs e consigo próprio. É preciso que em todas as circunstâncias – inclusive no campo da vivência da sexualidade – a vida do crente seja entrega, serviço, doação, respeito, amor verdadeiro. É esse o culto que Deus exige.
EVANGELHO – Jo 1,35-42
MENSAGEM
Num primeiro momento, o quadro situa-nos junto do rio Jordão (vers. 35-37). Os três primeiros personagens em cena são João e dois dos seus discípulos – isto é, dois homens que tinham escutado o anúncio de João e recebido o seu baptismo, símbolo da ruptura com a “vida velha” e de adesão ao Messias esperado. Estes dois discípulos de João são, portanto, homens que, devido ao testemunho de João, já aderiram a esse Messias que está para chegar e que esperam ansiosamente a sua entrada em cena.
Entretanto, apareceu Jesus. João viu Jesus “que passava” e indicou-O aos seus dois discípulos, dizendo: “eis o cordeiro de Deus” (vers. 36). João é uma figura estática, cuja missão é meramente circunstancial e consiste apenas em preparar os homens para acolher o Messias libertador; quando esse Messias “passa”, a missão de João termina e começa uma nova realidade. João está plenamente consciente disso… Não procura prolongar o seu protagonismo ou conservar no seu círculo restrito esses discípulos que durante algum tempo o escutaram e que beberam a sua mensagem. Ele sabe que a sua missão não é congregar à sua volta um grupo de adeptos, mas preparar o coração dos homens para acolher Jesus e a sua proposta libertadora. Por isso, na ocasião certa, indica Jesus aos seus discípulos e convida-os a segui-l’O.
A expressão “eis o cordeiro de Deus”, usada por João para apresentar Jesus, fará, provavelmente, referência ao “cordeiro pascal”, símbolo da libertação oferecida por Deus ao seu Povo, prisioneiro no Egipto (cf. Ex 12,3-14. 21-28). Esta expressão define Jesus como o enviado de Deus, que vem inaugurar a nova Páscoa e realizar a libertação definitiva dos homens. A missão de Jesus consiste, portanto, em eliminar as cadeias do egoísmo e do pecado que prendem os homens à escravidão e que os impedem de chegar à vida plena.
Depois da declaração de João, os discípulos reconhecem em Jesus esse Messias com uma proposta de vida verdadeira e seguem-n’O. “Seguir Jesus” é uma expressão técnica que o autor do Quarto Evangelho aplica, com frequência, aos discípulos (cf. Jo 1,43; 8,12; 10,4; 12,26; 13,36; 21,19). Significa caminhar atrás de Jesus, percorrer o mesmo caminho de amor e de entrega que Ele percorreu, adoptar os mesmos objectivos de Jesus e colaborar com Ele na missão. A reacção dos discípulos é imediata. Não há aqui lugar para dúvidas, para desculpas, para considerações que protelem a decisão, para pedidos de explicação, para procura de garantias… Eles, simplesmente, “seguem” Jesus.
Num segundo momento, o quadro apresenta-nos um diálogo entre Jesus e os dois discípulos (vers. 38-39). A pergunta inicial de Jesus (“que procurais?”) sugere que é importante, para os discípulos, terem consciência do objectivo que perseguem, do que esperam de Jesus, daquilo que Jesus lhes pode oferecer. O autor do Quarto Evangelho insinua aqui, talvez, que há quem segue Jesus por motivos errados, procurando n’Ele a realização de objectivos pessoais que estão muito longe da oferta que Jesus veio fazer.
Os discípulos respondem com uma pergunta (“rabbi, onde moras?”). Nela, está implícita a sua vontade de aderir totalmente a Jesus, de aprender com Ele, de habitar com Ele, de estabelecer comunhão de vida com Ele. Ao chamar-Lhe “rabbi”, indicam que estão dispostos a seguir as suas instruções, a aprender com Ele um modo de vida; a referência à “morada” de Jesus indica que eles estão dispostos a ficar perto de Jesus, a partilhar a sua vida, a viver sob a sua influência. É uma afirmação respeitosa de adesão incondicional a Jesus e ao seu seguimento.
Jesus convida-os: “vinde ver”. O convite de Jesus significa que Ele aceita a pretensão dos discípulos e os convida a segui-l’O, a aprender com Ele, a partilhar a sua vida. Os discípulos devem “ir” e “ver”, pois a identificação com Jesus não é algo a que se chega por simples informação, mas algo que se alcança apenas por experiência pessoal de comunhão e de encontro com Ele.
Os discípulos aceitam o convite e fazem a experiência da partilha da vida com Jesus. Essa experiência directa convence-os a ficar com Jesus (“ficaram com Ele nesse dia”). Nasce, assim, a comunidade do Messias, a comunidade da nova aliança. É a comunidade daqueles que encontram Jesus que passa, procuram n’Ele a verdadeira vida e a verdadeira liberdade, identificam-se com Ele, aceitam segui-l’O no seu caminho de amor e de entrega, estão dispostos a uma vida de total comunhão com Ele.
Num terceiro momento (vers. 40-41), os discípulos tornam-se testemunhas. É o último passo deste “caminho vocacional”: quem encontra Jesus e experimenta a comunhão com Ele, não pode deixar de se tornar testemunha da sua mensagem e da sua proposta libertadora. Trata-se de uma experiência tão marcante que transborda os limites estreitos do próprio eu e se torna anúncio libertador para os irmãos. O encontro com Jesus, se é verdadeiro, conduz sempre a uma dinâmica missionária.
portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.pt
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