São GREGÓRIO DE NISSA |
Sobre a Vida de Moisés
Tradução segundo a Patrologia Grega de Migne
com base na versão de D. Lucas F. Mateo
História de Moisés
Capítulo 3
Com efeito, quem estava livre de culpa permanecia incólume, enquanto que com a mesma força, ao mesmo tempo e no mesmo lugar, era castigado o culpado. Ao comando de Moisés todo tipo de água se converteu em sangue para o Egito, ao ponto de que também os peixes morressem por causa da densidade carnosa em que se havia transformado a água; o sangue, por outro lado, voltava a se converter em água para os hebreus, quando a tomavam. Aqui os magos reaparecem para simular, na água que tinham os hebreus, a aparência de sangue (Ex 7, 20-22). Sucedeu o mesmo com as rãs que invadiram o Egito: sua aparição até uma proliferação de tal magnitude não pode ser avaliada como uma conseqüência da natureza, mas que o comando dado à espécie das rãs modificou a natureza conhecida destes animais. Todo o Egito foi atormentado por estes animais que invadiram inclusive as casas, enquanto a vida dos hebreus se mantinha limpa dessas coisas repugnantes (Ex 7, 25-29). Da mesma forma, a atmosfera não permitia aos egípcios nenhuma distinção entre a noite e o dia; permaneciam em um obscuridade uniforme, enquanto para os hebreus, nas mesmas circunstâncias, nada havia mudado em relação ao habitual. E do mesmo modo com relação a todas as demais coisas: o granizo, o fogo, os mosquitos, as pústulas, as moscas, a nuvem de gafanhotos. Cada uma, segundo sua própria natureza, feriu os egípcios; os hebreus, ao contrário, sabiam do sofrimento de seus vizinhos por rumores e relatos, pois não experimentaram em si mesmos o ataque dessas calamidades. Depois, a morte dos primogênitos fez mais clara a diferença entre o povo hebreu e o egípcio: uns se desfaziam em lamentações pela perda dos seres mais queridos (Ex 12, 29); os outros permaneciam em total tranqüilidade e segurança, porque tinham a salvação confirmada pela aspersão do sangue e por haverem marcado as portas com sangue, como senha, em cada um dos lados das ombreiras e no montante que as unia (Ex 10, 21-23). Depois disso, enquanto os egípcios estavam abatidos pelo desastre dos primogênitos e choravam sua desgraça, solitários ou todos juntos, Moisés começou a dirigir o êxodo dos israelitas, após haver advertido que levassem consigo, como empréstimo, a riqueza dos egípcios. Quando já se passavam três dias de caminho fora do Egito – conta-nos a história – pareceu insuportável ao Egípcio que Israel não permanecesse na escravidão e, havendo mobilizado todos os seus súditos para a guerra, correu atrás do povo com sua cavalaria. Este, quando viu o arrancar da cavalaria e da infantaria, sendo inexperiente nas artes da guerra e estando pouco acostumado a estes espetáculos, deixou-se levar imediatamente pelo medo e rebelou-se contra Moisés. A história conta também este feito paradoxal de Moisés: que sua atividade foi dupla. Com efeito, com a voz e a palavra dava ânimo aos israelitas e os exortava a ter boas esperanças, e ao mesmo tempo apresentava a Deus suas súplicas em seu coração em favor daqueles que se encontravam em tal apuro, e era instruído por meio do conselho divino sobre como poderia fugir de tal perigo (Ex 12, 31-14, 5). Pois Deus mesmo, como conta a história, escutava sua voz silenciosa. Uma nuvem guiava o povo por virtude divina, não por sua própria natureza. Sua substância, com efeito, não era formada por alguns vapores ou exalações como resultado de que o ar se houvesse feito mais denso por causa de substância úmida e de sua compressão pelos ventos, mas era algo muito maior e que excedia a compreensão humana. Como atesta a Escritura, aquela nuvem era um prodígio tal que, quando os raios do sol brilhavam abrasadores, se convertia em uma proteção para o povo, fazendo sombra para os que estavam em baixo e umedecendo o calor excessivo do ar com uma água fina; durante a noite se transformava em fogo, iluminando os israelitas com o resplendor de sua própria luz desde o entardecer até o nascimento do dia (Ex 13, 21-23).
Capítulo 4
Moisés olhava para a nuvem e ensinava o povo a seguir este fenômeno. Então chegaram ao mar Vermelho. Ali, enquanto a nuvem dirigia a marcha, as tropas dos egípcios cercaram completamente o povo por traz, sem lhe deixar possibilidade de escapar por nenhuma parte, encurralado entre seus terríveis inimigos e o mar. Foi então que Moisés, reconfortado com a força divina, fez o mais incrível de tudo. Tendo se aproximado da margem, golpeou o mar com seu bastão. O mar se fendeu com o golpe. E, como costuma acontecer com o vidro que começando a se rachar em uma parte a fenda chega diretamente até o outro extremo, assim, fendido todo aquele mar em uma extremidade pelo bastão, a fenda das ondas se estendeu até a margem oposta. Onde o mar se havia dividido, Moisés desceu até o fundo; junto com todo o povo, estava nas profundezas, com o corpo enxuto e iluminado pelo sol. No fundo seco do mar, atravessou a pé os abismos, sem temer aquela muralha de ondas que se haviam formado de um lado e de outro: uma fortificação reta, feita dos lados deles, da solidificação do mar (Ex 14, 19-22). Porem, quando o Faraó entrou com os egípcios no mar pelo caminho aberto recentemente entre as ondas, as águas se uniram novamente com as águas; o mar fechando-se sobre si mesmo segundo sua forma primitiva, mostrou a superfície da água novamente unida, enquanto os israelitas, na margem oposta, se refaziam do grande esforço de sua marcha através do mar. Então cantaram a Deus um canto de vitória por haver erguido para eles um troféu sem derramamento de sangue, posto que os egípcios haviam sido aniquilados sob as águas com todo seu exército, seus cavalos, seus carros e suas armas (Ex 14, 26-15, 21). Depois disto, Moisés continuou avançando e, após haver percorrido durante três dias um caminho sem água, encontrou-se em grandes dificuldades ao não ter como saciar a sede do exército. Havia uma lagoa de água salobra, mais amarga que a água do mar, ao redor da qual acamparam. Estavam ali sentados em torno da água, devorados pela ânsia de água. Moisés, impelido por uma inspiração divina, tendo encontrado um pedaço de pau naquele lugar, atirou-o na água que, imediatamente, se converteu em potável pela própria força daquele lenho, que transformou a natureza da água de salobra em doce (Ex 15, 22-25). Posto que a nuvem empreendesse novamente a marcha para adiante, eles se puseram também em marcha seguindo o movimento de seu guia. Faziam sempre o mesmo, parando onde a detenção da nuvem lhes dava o sinal de descanso, e empreendendo a marcha precisamente quando a nuvem recomeçava a guia- los. Seguindo este guia, chegaram a um lugar regado por água potável, banhado generosamente por doze fontes e que recebia a sombra de um bosque de palmeiras. As palmeiras eram setenta. Apesar de número tão pequeno, bastavam para produzir grande admiração a quem as olhava porque eram de excepcional beleza e altura (Ex 15, 27). Tendo o guia se posto novamente em movimento, isto é, a nuvem conduz o exército dali para outro lugar. Este era um deserto de areia seca que queimava, sem uma única gota de água que umedecesse aquele lugar. Aqui o povo foi atormentado novamente pela sede. Uma pedra situada a uma certa altura, golpeada com a vara por Moisés, deu água doce e potável mais que suficiente para a necessidade do exército (Ex 17, 1-6). Ali mesmo se acabou a provisão de alimentos que haviam trazido do Egito para o caminho. O povo foi acossado pela fome e teve lugar o milagre maior de todos: o alimento não lhes brotava da terra como seria natural, mas vinha gotejado de cima, do céu, em forma de orvalho. Pois ao amanhecer do dia caía para eles um orvalho. Este orvalho se convertia em alimento para os que o recolhiam. O que caía não eram gotas líquidas de água, como ocorre normalmente com o orvalho, mas em lugar de gotas de água caíam grãos parecidos com gelo; sua forma era redonda como semente de coentro, e seu sabor parecia a doçura do mel (Ex 16, 14).
ECCLESIA Brasil
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