A audiência com o Papa na Sala Clementina |
Francisco,
na audiência desta sexta-feira (29) de inauguração do Ano Judiciário do
Tribunal Apostólico da Rota Romana, no Vaticano, direcionou o discurso ao tema
do matrimônio legalmente declarado nulo e de uma questão relevante: “o que será
dos filhos e da parte que não aceita a declaração de nulidade?”. Francisco
enalteceu aos oficiais, mas também estendeu o apelo a bispos e colaboradores
das Igrejas locais, a importância de considerar "o bem integral das
pessoas" diante de efeitos desastrosos que uma decisão sobre a nulidade
matrimonial pode acarretar: "se esforcem para exercer essa diaconia de
tutela, cuidado e acompanhamento", tanto ao cônjuge abandonado quanto aos
filhos.
Andressa Collet – Vatican News
Como tradicionalmente acontece todo início de ano,
o Papa Francisco recebeu na manhã desta sexta-feira (29), no Vaticano, prelados
auditores, oficiais e colaboradores para a inauguração do Ano Judiciário do
Tribunal Apostólico da Rota Romana. Em discurso, o Pontífice procurou fazer uma
ligação com o argumento de 2020 que toca boa parte das decisões do Tribunal
atualmente: “por um lado, a falta de fé, que não ilumina a união conjugal como
deveria; por outro, os aspectos fundamentais dessa união que, além da união
entre homem e mulher, incluem o nascimento e o dom dos filhos e o crescimento
deles”.
Francisco, enaltecendo a harmonia entre a
jurisprudência da Rota Romana e o magistério pontifício, reforçou “a figura
teológica da família como efeito do matrimônio, conforme prefigurado pelo
Criador”, um “fruto do projeto divino, pelo menos para a prole gerada. Os
cônjuges, com os filhos doados por Deus, são aquela nova realidade que chamamos
de família”.
O tema da nulidade do matrimônio
O discurso do Papa, então, foi direcionado ao tema
do matrimônio legalmente declarado nulo e de uma questão relevante: “o que será
dos filhos e da parte que não aceita a declaração de nulidade?” Em se tratando
do bem integral das pessoas, as escolhas diante dessa “árdua transição dos
princípios aos fatos” irão afetar diretamente as crianças:
“A
nova união sacramental, que se segue à declaração de nulidade, será certamente
uma fonte de paz para o cônjuge que a pediu. Entretanto, como explicar aos
filhos que - por exemplo – a sua mãe, abandonada pelo pai e muitas vezes não
disposta a estabelecer um outro vínculo matrimonial, recebe a Eucaristia
dominical com eles, enquanto o pai, convivente ou aguardando a declaração de
nulidade do matrimônio, não pode participar da mesa eucarística?”
O Papa recordou que esse tipo de questionamento
sobre o tema da família já foi feito em várias sedes, como nas assembleias dos
bispos de 2014 e 2015. Os Padres Sinodais perceberam o quanto é difícil, “às
vezes impossível, oferecer respostas”. Diante a tantas preocupações e
sofrimentos, “um instrumento pastoral útil” da Igreja é a Exortação Apostólica
Amoris laetitia, tanto que, em 19 de março, começa o “Ano da Família Amoris
laetitia”. No documento, explicou o Pontífice, são dadas “indicações claras
para que ninguém, especialmente os pequenos e os que sofrem, seja deixado
sozinho ou tratado como um meio de pressão entre pais divididos (cf. Exortação
Apostólica Amoris laetitia, 241).”
Francisco, então, fez um apelo ao exercício de uma
missão “carregada de sentido pastoral”, sobretudo quando se trata de uma
“delicada decisão sobre nulidade ou não de uma união conjugal”:
“Caros
Juízes, nos seus julgamentos, não deixem de dar testemunho desta ansiedade
apostólica da Igreja, considerando que o bem integral das pessoas exige que não
permaneçamos inertes diante dos efeitos desastrosos que uma decisão sobre a
nulidade matrimonial pode acarretar. Ao Tribunal Apostólico de vocês, assim
como aos outros Tribunais da Igreja, é solicitado que ‘os procedimentos para o
reconhecimento de casos de nulidade sejam mais acessíveis e ágeis, se possível,
completamente gratuitos" (ibidem, 244). A Igreja é mãe, e vocês, que têm
um ministério eclesial numa área tão vital como a atividade judiciária, são
chamados a se abrir aos horizontes desta difícil pastoral, mas não impossível,
que diz respeito à preocupação com os filhos, como vítimas inocentes de tantas
situações de ruptura, divórcio ou de novas uniões civis (cf. ibidem, 245).”
Diaconia de tutela, cuidado e
acompanhamento
O Papa lembrou que “muitas vezes a declaração de
nulidade matrimonial é pensada como um ato frio de uma mera decisão jurídica”,
mas que não deve ser assim. “Não devemos nos cansar de dedicar toda a atenção e
cuidado à família e ao matrimônio”, enfatizou Francisco, não esquecendo que
todas as decisões terão efeitos diretos nos filhos.
Ao final do discurso dirigido aos colaboradores do
Tribunal Apostólico, o Papa aproveitou para também fazer um apelo aos bispos
para que “se abram sempre mais ao desafio ligado a essa temática”. É um caminho,
caminho eclesiológico e pastoral necessário para não deixar à intervenção
somente das autoridades civis, “os fiéis que sofrem por julgamentos não aceitos
e sofridos”.
“É
mais urgente do que nunca que os colaboradores do bispo, em particular o
vigário judicial, os agentes da Pastoral Familiar e, especialmente os párocos,
se esforcem para exercer essa diaconia de tutela, cuidado e acompanhamento do
cônjuge abandonado e eventualmente dos filhos, que sofrem as decisões, por mais
justas e legítimas que sejam, de nulidade matrimonial.”
Processo breve ainda gera resistência
Ao
final do discurso escrito, o Papa, improvisando, agradeceu o trabalho realizado
pelo decano que, em alguns meses, deverá deixar o cargo por completar 80 anos.
Um agradecimento a dom Pio Vinto Pinto "pela tenacidade que teve em levar
adiante a reforma dos processos matrimoniais. Apenas uma sentença, depois o
processo breve, que foi como uma novidade, mas era natural porque o bispo é o
juiz". Francisco, aproveitou a oportunidade, para contar que
recebeu muitos telefonemas e cartas após a promulgação do processo breve -
"que teve e tem muitas resistências" e que, segundo as determinações
do Papa, confia a decisão sobre uma eventual nulidade ao bispo diocesano: "o
juiz é o bispo. Ele deve ser ajudado pelo vigário judicial, deve ser ajudado
pelo promotor de justiça, ele deve ser ajudado. Mas ele é o juiz, não pode
lavar as mãos. E voltar a isso que é a verdade evangélica".
Vatican News
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