S. Hilário | Canção Nova |
Santo Hilário de
Poitiers (c. 315-367)
Jesus disse: «Se ficastes a
conhecer-Me, conhecereis também o meu Pai. E já O conheceis, pois estais a
vê-Lo.» Quem se vê é Jesus Cristo homem. Os apóstolos têm diante dos olhos o
seu aspecto exterior, isto é, a sua natureza de homem, ao passo que Deus, liberto
de toda a carne, não é reconhecível num miserável corpo carnal. Como é então
que conhecer a Cristo é conhecer também o Pai?
Estas palavras inesperadas perturbam
o apóstolo Filipe, pois a fraqueza do seu espírito humano não lhe permite
compreender uma afirmação tão estranha. […] Então, com a impetuosidade que
resultava da sua familiaridade e da sua fidelidade de apóstolo, ele diz ao
Mestre: «Senhor, mostra-nos o Pai e isto nos basta.» Não é que deseje
contemplar o Pai com os olhos físicos; mas pede para compreender aquilo que vê
com esses olhos. Porque, vendo o Filho na sua forma humana, não compreende como
foi que, desse modo, viu o Pai. […]
O Senhor responde-lhe então: «Há
tanto tempo estou convosco e não Me conheces, Filipe?», repreendendo-o por ignorar
quem Ele era. […] Porque é que não O tinham reconhecido, a Ele que há tanto
tempo procuravam? É que, para O reconhecerem, tinham de reconhecer que a
divindade, a natureza do Pai, estava nele. Na verdade, todas as obras que Ele
tinha feito eram próprias de Deus: caminhar sobre as águas, dar ordens ao
vento, realizar coisas impossíveis de compreender, como transformar a água em
vinho e multiplicar os pães […], afugentar os demônios, curar doenças, dar
remédio às enfermidades do corpo, corrigir malformações congênitas, perdoar os
pecados, devolver a vida aos mortos. Tudo isso fora feito pelo seu corpo de
carne, e tudo isso Lhe permite proclamar-Se Filho de Deus. Daí a sua reprimenda
e a sua queixa: por causa da realidade misteriosa do seu nascimento humano,
eles não se tinham apercebido da natureza divina que realizava estes milagres
na natureza humana que o Filho tinha assumido […].
A Trindade, VII, 34-36
[…] «Crede em Mim: Eu estou no Pai e
o Pai está em Mim». O que significa este «Crede em Mim»? Trata-se de uma
expressão que se ilumina por meio da seguinte: «Mostra-nos o Pai». Cristo
ordena aos seus apóstolos que acreditem nele para lhes reforçar a fé, essa fé
que tinha pedido para ver o Pai. Porque não tinha bastado ao Senhor dizer:
«Quem Me vê, vê o Pai». […] O Senhor quer que acreditemos nele, para que a
convicção íntima da nossa fé não corra o risco de ser cancelada. […]
Acreditemos, ao menos com base no testemunho das suas obras, que o Filho de
Deus é Deus, que nasceu de Deus e que o Pai e o Filho são um; que um está no
outro pelo poder da sua natureza divina, e que nenhum deles existe sem o outro.
Aliás, o Pai a nada renuncia daquilo que possui pelo facto de estar no Filho,
enquanto este recebe do Pai tudo aquilo pelo qual é Filho.
Serem reciprocamente um no outro,
possuírem a unidade perfeita de uma natureza essencial, que o Filho único e
eterno seja inseparável da verdadeira natureza divina do Pai, tal maneira de
ser não pertence àquilo que tem uma natureza material. Não, esse estado de
facto em que uma pessoa habitando noutra a faz viver é uma característica
própria de Deus, o Filho único […]. Pois cada uma delas existe pelo fato de uma
não ser sem a outra, dado que a natureza do ser que existe é a mesma, quer se
trate daquele que engendra ou daquele que nasce.
É este o sentido dos textos: «Eu e o
Pai somos um» (Jo 10,30), «Quem Me vê, vê o Pai», e «Eu estou no Pai e o Pai
está em Mim». O Filho não é diferente nem inferior ao Pai […]; o Filho de Deus,
nascido de Deus, manifesta em Si a natureza do Deus que O engendra.
A Trindade, VII, 41
Fonte: Evangelho Cotidiano
Ecclesia
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