São GREGÓRIO DE NISSA |
(Aprox. 330-395)
Sobre a Vida de Moisés
Tradução segundo a Patrologia Grega de Migne
com base na versão de D. Lucas F. Mateo
História de Moisés
Capítulo 42
Porém ele estava tão longe de participar da enfermidade que curou a doença de quem havia adoecido. Não só permaneceu quieto, sem se deixar levar pela vingança contra os que o haviam ferido, mas aplacou a Deus em favor deles, mostrando com sua ação - penso - que quem se encontra bem protegido com o escudo da virtude não é arranhado pelas pontas dos dardos. Ele, com efeito, engrossa a ponta das armas, e a solidez da armadura as faz voltar para trás. A armadura que protege destes dardos é o mesmo Deus, do qual se reveste quem combate pela virtude. Revesti-vos, diz, de nosso Senhor Jesus Cristo (Rm 13, 14 e Ef 6, 13), isto é, da armadura completa, sem fissuras. Moisés, bem protegido por ela, tornou ineficaz o malvado arqueiro. Com efeito, nem ele foi presa de um impulso de vingança contra os que o haviam feito dano, nem depois de eles serem condenados por um juiz irrepreensível, ignorou o que é justo segundo a natureza, mas se fez suplicante diante de Deus em favor dos irmãos. Certamente não haveria de ter feito isso se não tivesse estado atrás de Deus, que lhe havia mostrado suas costas como guia seguro da virtude. As coisas que seguem são parecidas. Posto que o inimigo natural dos homens não encontrou nele campo para o dano, volta a guerra contra os mais fáceis de caçar. E tendo lançado no povo, como um dardo, a paixão da gula, preparou-os para comportar-se ao modo egípcio no que concerne ao paladar, fazendo-os preferir as ansiadas carnes do Egito àquele alimento celestial. Porem ele, mantendo sua alma no alto, sobrevoava acima de semelhante paixão e estava todo inteiro pendente da herança futura, prometida por Deus aos que saíssem do Egito espiritual e marchassem para aquela terra na qual mana leite misturado com mel. Por esta razão constituiu exploradores que informassem dos bens daquela terra. Os portadores de boas esperanças são, a meu ver, as considerações nascidas da fé, que fortalecem a esperança com os bens que estão preparados; os que causam a desilusão das melhores esperanças são os pensamentos que provêm do inimigo, os quais debitam a fé na promessa. Sem levar em conta nenhuma palavra dos adversários, Moisés julgou digno de fé quem dava as melhores referências acerca daquela terra. Josué era o chefe da melhor exploração e o que com sua autoridade dava credibilidade às notícias. Ao vê-lo, Moisés teve como indubitáveis as esperanças destes bens futuros, tomando o ramo de uvas, transportado por ele em varas, como sinal das riquezas dali (Nm 13, 24). Evidentemente, ao ouvir que Jesus revela aquela terra e que levanta o ramo de videira no madeiro, entendes que coisa confirmava Moisés nas esperanças. O ramo de uvas pendurado no madeiro que outra coisa designa senão o ramo pendente do madeiro nos últimos dias, cujo sangue se converte em bebida salvadora para os crentes? Moisés nos anunciou isto como símbolo, dizendo: Bebiam vinho, sangue da uva (Dt 32, 14), referindo-se por meio disto à Paixão salvadora. Novamente o caminho através do deserto. O povo, que havia perdido a esperança nos bens da promessa, se vê incomodado pela sede.
Capítulo 43
Moisés novamente inunda o deserto para eles por meio da pedra (Nm 20, 2-11 e Ex 17, 1-7). Este relato, em sua interpretação espiritual, nos ensina como é o sacramento da penitência. Com efeito, aqueles que depois de haver experimentado a água da pedra se voltam para o ventre, a carne e os prazeres egípcios, são castigados com a ânsia da participação dos bens. Porem graças ao arrependimento lhes é possível encontrar de novo a rocha que abandonaram, e abrir de novo o veio de água e saciar-se novamente da fonte. A pedra o outorga isto àquele Moisés que acreditou que a exploração de Josué era mais verdadeira que a de seus adversários, que via o ramo de uvas (Jo 15, 1) pendente em nosso favor, e que de novo fez com a vara que a pedra manasse para eles. O povo ainda não havia aprendido a seguir as pegadas da grandeza de Moisés. Ainda se deixa arrastar para baixo, para os desejos servis, e se inclina aos prazeres egípcios. O relato mostra através destas coisas que a natureza humana é propensa a esta paixão acima de todas as demais, capaz de sucumbir à enfermidade por mil caminhos. Moisés, como médico que impede com sua arte que o mal vença sempre, não permite que a enfermidade predomine sobre eles a ponto de causar a morte (Nm 21, 6-9). Posto que a concupiscência de coisas absurdas engendrou serpentes cuja mordida era portadora de morte ao introduzir o veneno em quem era alcançado por seus dentes, o grande Legislador neutralizou com a imagem de uma serpente a força das feras verdadeiras. Talvez seja tempo de revelar mais claramente o enigma. Existe uma só proteção contra estas perversas paixões: a purificação de nossas almas que tem lugar através do mistério da piedade. Entre as coisas que cremos no mistério, é ponto capital a fé na Paixão Daquele que por nós aceitou o padecimento. A cruz, com efeito, é um padecimento; quem olha para ela, como explica o relato, não é atingido pelo veneno da concupiscência (Nm 21, 9 e Jo 3, 15). Olhar para a cruz não é outra coisa que converter a vida inteira de cada um em crucificação e morte ao mundo (Ga 6, 14), inamovível por qualquer pecado, crucificando verdadeiramente as próprias carnes com o temor de Deus, como diz o profeta (Sal 119, 120). O cravo que sujeita a carne é a continência. E posto que a concupiscência de coisas absurdas faz sair da terra serpentes portadoras de morte, - todo rebento da concupiscência é uma serpente-, a Lei nos mostra o que se revela no madeiro. Este é figura de serpente, porem não é serpente, como também disse o grande Paulo: Em semelhança da carne de pecado (Rm 8, 3). A verdadeira serpente é o pecado; quem marcha junto do pecado se reveste da natureza da serpente. Assim pois, o homem é libertado do pecado por aquele que tomou sobre si a aparência de pecado e se fez igual a nós que nos havíamos transformado em imagem da serpente. Por ele é evitada a morte proveniente das mordidas, porem não são aniquiladas as feras. Chamo feras à concupiscência. Com efeito, a má morte dos pecadores não tem força contra aqueles que olham para a cruz, ainda que a concupiscência contra o espírito, que está metida dentro da carne, não tenha sido destruída de tudo (Ga 5, 16-17). Também os crentes se deixam sentir muitas vezes as mordidas da concupiscência, porem quem olha para aquele que foi levantado no madeiro evita a paixão, dissolvendo o veneno com o temor do preceito, como se fosse um antídoto.
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