São GREGÓRIO DE NISSA |
(Aprox. 330-395)
Sobre a Vida de Moisés
Tradução segundo a Patrologia Grega de Migne
com base na versão de D. Lucas F. Mateo
História de Moisés
Capítulo 30
O olho da alma de Moisés, instruído nestas coisas e em outras semelhantes, purificado pela visão do tabernáculo e elevado por tais maravilhas, novamente ascende ao cume de outros conhecimentos, ao ser instruído sobre as vestimenta sacerdotal. A ela pertencem a túnica, o efod, aquele peitoral que brilhava com os múltiplos fulgores das pedras, o turbante em torno da cabeça e a lâmina (Ex 28, 36) que estava em cima; os calções, as romãs, as campainhas. Depois, por cima de tudo, o oráculo com o juízo, e a verdade que aparece em um e em outro (Ex 28, 30); e, em fim, as correntinhas que unem ambas as partes e nas quais estão inscritos os nomes dos patriarcas. Os nomes mesmo das vestimentas fazem supérflua uma consideração total e particularizada de cada detalhe. Com efeito, que vestes corporais têm como nome juízo, oráculo ou verdade? Isto nos demonstra claramente que a palavra, por meio destas coisas, não nos está descrevendo uma vestimenta perceptível com os sentidos, mas um ornamento da alma tecido com a prática da virtude. Jacinto é a tinta da túnica que cai até os pés. Alguns dos que nos precederam na interpretação dizem que o relato, com esta tinta, designa o ar. De minha parte, não seria capaz de decidir com exatidão se a plenitude desta cor tem algo em comum com a cor do ar. Contudo, não repudio esta interpretação, pois seu sentido é coerente com uma aplicação à vida virtuosa, já que significa que quem quer consagrar-se a Deus e oferecer seu próprio corpo para o sacrifício e converter-se em vítima viva do sacrifício vivo e do culto espiritual (Rm 12, 1), não deve danificar sua alma com a vestimenta de uma vida dissipada e carnal, mas fazer leves como uma teia de aranhas, pela natureza dos costumes, todas as vestes da vida, e aproximar de si o que leva ao alto, o que é leve e aéreo, para tecer de novo esta natureza corporal, de forma que, quando ouvirmos a trombeta escatológica, nos encontremos sem carga e leves à voz de quem convoca e, levantados ao ar, sejamos elevados juntamente com o Senhor (1Ts 4, 17), sem que nenhum peso nos arraste para a terra (1Co 15, 42-44). Quem conforme a exortação do Salmista fez adelgaçar sua alma como a aranha (Sal 38, 12), se revestiu daquela túnica arejada que vai da cabeça aos pés. Com efeito, a Lei não quer que a virtude esteja mutilada. As campainhas de ouro colocadas entre as romãs designam o esplendor das boas obras. Com efeito, duas são as coisas com as quais se realiza a virtude: com a fé em Deus e com uma vida segunda a consciência. O grande Paulo aplica estas romãs e estas campainhas à vestidura de Timóteo ao dizer que deve ter fé e consciência reta (1Tm 1, 19).
Capítulo 31
Assim pois, que a fé ressoe com som puro e grande na pregação da santa Trindade; que a vida imite a natureza do fruto da romã. Sua aparência é de algo incomestível por estar recoberta com uma casca dura e rugosa, porem seu interior é agradável de ver pela maneira variada e formosa da localização do fruto. E é ainda mais agradável de saborear, por seu doce paladar. O modo de vida sábio e austero não é agradável nem suave aos sentidos, porem está cheio de boas esperanças e amadurecendo tempo oportuno. Quando nosso jardineiro abrir a romã da vida no tempo oportuno e mostrar a beleza do que se guarda nela, então a participação nos próprios frutos será doce para quem os desfrute. Pois diz o divino Apóstolo que toda disciplina no presente não parece trazer gozo, senão tristeza, essa é a primeira impressão de quem toca a romã, porém depois dá um fruto de paz (Hb 12, 11). Esta é a doçura do interior comestível. No texto se ordena que a túnica esteja também com franjas (Ex 28, 35). As franjas são pendentes esféricos colocados no vestido para adorno e não por necessidade. Aprendemos com isto que é necessário medir a virtude não só pelo preceito, mas que devemos buscar também o que está alem do exigido, de forma que se acrescenta ao vestido algo de adorno. Assim se comportava Paulo, que unia de sua parte franjas formosas aos preceitos. Ainda que a Lei prescreva que todos os que servem o altar vivam do altar (1Co 9, 13-14), e que todos os que anunciam o Evangelho vivam disso, ele prega gratuitamente o Evangelho, passando fome, sede e estando nu (2Co 11, 7 e 1Co 4, 11). Estas são as formosas franjas, acrescentadas por nós, que embelezam a túnica dos mandamentos. Ainda mais, em cima da túnica, colocam-se as peças de tela que caem dos ombros e que cobrem até o peito e a espádua, unidas entre si por dois broches em cada lado dos ombros. Estes broches são de pedras que levam gravados os nomes dos patriarcas, seis em cada um. O tecido destas peças de tela é de diversas cores: o jacinto se entrelaça com a púrpura, e o vermelho carmim se mescla com o linho fino; o fio de ouro está entremeado com todas estas cores a ponto de fazer resplandecer uma única formosura em um tecido de tão diversas cores. O que aprendemos com isto é o seguinte: a parte superior do vestido, que se converte propriamente em adorno do coração, é feita da mescla de muitas virtudes. O jacinto se entrelaça com a púrpura, pois a dignidade real se une à pureza da vida. O escarlate se mescla com o linho, porque o resplandecente e límpido da vida cresce juntando-se com o vermelho do pudor. O ouro que brilha entre estas cores designa o tesouro escondido em uma vida assim.
Capítulo 32
Os nomes dos patriarcas, gravados junto aos ombros, contribuem não pouco a nosso ornamento, pois a vida dos homens se encontra enriquecida com os exemplos de boas obras que eles nos deram. Sobre este ornamento das peças de tela, ainda desce, desde cima, outro ornamento. Os escudos de ouro fixados em cada lado dos ombros, sustentando entre eles um objeto de ouro de forma quadrangular resplandecente com doze pedras colocadas em fila. Quatro filas, cada uma com três pedras. Entre elas não havia nenhuma igual à outra, mas cada uma brilhava com seus resplendores especiais. Esta era a forma destes ornamentos. A interpretação dos escudos pendentes dos ombros designa as duas partes da armadura contra o inimigo. Da mesma forma que a virtude está dirigida, como dissemos a pouco, pela fé e pela boa consciência, uma parte e outra é protegida com a defesa dos escudos, e se faz invulnerável ante os dardos do inimigo graças às armas da justiça a direita e a esquerda (2Co 6, 7). O ornamento quadrado que pende dos escudos de uma e outra parte e no qual, gravados em pedras, estão os patriarcas que dão nome às tribos, designa o véu que protege o coração. O relato nos ensina através das vestes que aquele que afastou o perverso arqueiro com estes escudos, adorna a própria alma com todas as virtudes dos patriarcas, cada um resplandecendo de forma diferente no tecido da virtude. A forma quadrada significa a estabilidade no bem, pois um objeto com esta forma é difícil de desarticular, por estar apoiado uniformemente nos ângulos pela retidão dos lados. As correntinhas com que estes ornamentos se aderem aos braços, parece-me que ensinam que, no que se refere à vida superior, é necessário unir a filo prática à que se realiza na contemplação, de forma que o coração se converte em símbolo da contemplação e os braços das obras. A cabeça adornada por diadema significa a coroa destinada aos que viveram retamente. Ela é adornada com o nome que está gravado na lâmina de ouro (Ex 28, 36) com caracteres indizíveis. Quem está revestido com tais ornamentos não leva calçado a fim de não estar sobrecarregado na estrada, nem ser entorpecido com um revestimento de peles mortas, conforme a interpretação que já fizemos na exegese do acontecimento da montanha. Com efeito, como poderia o calçado ser ornamento dos pés, se já na primeira iniciação do mistério foi afastado como estorvo para a subida? Aquele que passou através das sucessivas ascensões que consideramos, leva nas mãos as tábuas feitas por Deus e que contêm a Lei divina. Estas se quebram ao chocar-se com a dureza da resistência dos pecadores. A classe de pecado foi a idolatria. Os idólatras haviam esculpido a imagem de um bezerro, que, uma vez destruída por Moisés, foi dissolvida em água que se fez beber os que haviam pecado até que desaparecesse totalmente a matéria que havia sido posta ao serviço da impiedade dos homens (Ex 32, 15- 20). O relato anunciou então, profeticamente, coisas que principalmente aconteceram agora entre nós, em nosso tempo.
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