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Diretor da União dos Juristas Católicos de São Paulo recorda: "É incompatível dizer-se católico e, ao mesmo tempo, apoiar o aborto".
Personalidades católicas e aborto: uma grave responsabilidade que deve ficar clara. Este é o mote de um artigo publicado pelo advogado Miguel da Costa Carvalho Vidigal, doutorando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP e diretor da União dos Juristas Católicos de São Paulo. Seu artigo “O papel do homem público católico em face do aborto“, foi divulgado em janeiro de 2021 pelo jornal O São Paulo, da arquidiocese paulistana.
O advogado começa observando que, assim como 2020 ficou marcado pela pandemia de uma doença mortal que literalmente interrompeu o mundo, também o ano de 1920, exatamente um século antes, ficou marcado pelo início de outra pandemia mortal, que nunca foi interrompida.
Vale acrescentar que, pelo contrário, ela se alastrou e foi se tornando endêmica, pois a disfarçaram de “vacina”: até hoje ela é apresentada, por retórica ideológica, como “solução de saúde pública”. De fato, só entre 2015 e 2019, segundo estimativas da OMS confirmadas pelo Instituto Guttmacher, a pandemia do aborto legalizado matou no mundo cerca de 73 milhões de seres humanos POR ANO.
Foi sob a revolução soviética que, em novembro de 1920, aprovou-se a primeira lei do mundo autorizando o aborto. A partir do âmbito comunista, ela foi se expandindo para outras sociedades não comunistas, mas cada vez mais secularizadas, graças a denominadores ideológicos comuns com a ideologia materialista e utilitarista que embasa o comunismo.
Esta expansão, no entanto, foi acontecendo pela pressão de decisões judiciais e leis impulsionadas por lobbies, o que fez com que, na quase totalidade dos casos, a maioria da população se manifestasse contra a legalização do extermínio de seres humanos inocentes nos seus primeiros estágios de desenvolvimento. O aborto, quase sempre, foi legalizado não conforme e em favor da democracia, mas a despeito da democracia: contra, portanto, a vontade da maioria.
É importante recordar que a Igreja Católica não rechaça o aborto apenas com base em crença religiosa, mas sim, fundamentalmente, com base na lei natural e na objetividade científica e biológica. Um ser humano, afinal, é um ser humano a partir da sua concepção, quando os gametas de seus genitores se fundem e geram um novo ser humano diferenciado de seus pais e em pleno e contínuo processo natural de desenvolvimento, próprio de todo indivíduo da espécie humana. Este novo ser humano já é pessoa por obviedade biológica e, para ser reconhecido, respeitado e defendido como pessoa, não precisa nem depende de nenhuma data convencionada arbitrariamente por um grupo de parlamentares ou magistrados, por mais que alguns destes se arroguem a inexistente prerrogativa de definir que um ser humano só deve ser reconhecido como ser humano a partir da semana 12 no país X, da semana 14 no país Y, da semana 16 no país W. A própria arbitrariedade dessas “datas de validade” do aborto legal já escancara que não se trata de um critério natural, mas meramente ideológico.
Personalidades católicas e aborto: uma grave responsabilidade que deve ficar clara
Mesmo ficando claro que o aborto é preponderantemente uma questão de biologia e moral e não de crença religiosa, Miguel da Costa Carvalho Vidigal corrobora também os aspectos distintamente católicos ligados à defesa da vida do nascituro, sobretudo em relação às personalidades públicas que se declaram católicas.
Em seu artigo, ele destaca:
- É incompatível dizer-se católico e, ao mesmo tempo, apoiar o aborto.
- Do ponto de vista bíblico, a base para condenar o aborto é o quinto mandamento da Lei de Deus, “não matarás”.
- Santo Agostinho, interpretando o Antigo Testamento, afirma que a alma já está presente desde o seio materno.
- São Jerônimo, em sua Carta a Eustochium, condena expressamente o “parricídio dos próprios filhos não nascidos”.
- São Basílio enfatiza que “qualquer pessoa que propositadamente elimina um feto incorre nas penas de assassinato. Nós não especulamos se o feto está formado ou não formado”.
- Já no século I, a Igreja Católica condenava o aborto como ato imoral, e, no concílio de Elvira, nos anos 300, determinou a excomunhão para quem o praticasse, independentemente do estágio de desenvolvimento do bebê.
- O Código de Direito Canônico de 1983 corrobora, no cânon 1398, a excomunhão “latae sententiae” para quem participa ou colabora com a realização de um aborto. Isto quer dizer que essa excomunhão é automática.
- Em 2004, o então cardeal Joseph Ratzinger, que viria a ser eleito Papa como Bento XVI, reforçou que as personalidades políticas católicas que promovem o aborto devem ser claramente informadas pelos seus padres sobre o ensinamento da Igreja.
- No mesmo documento, Ratzinger recorda que esses políticos devem abster-se da Sagrada Eucaristia, que pode e deve ser-lhes recusada. O documento cita o cânon 915 do Código de Direito Canônico: “Não sejam admitidos à Sagrada Comunhão os excomungados e os interditos, depois da aplicação ou declaração da pena, e outros que obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto”.
Miguel da Costa Carvalho Vidigal menciona também a clara exposição escrita por dom José Guerra Campos, bispo de Cuenca, na Espanha. Mediante carta pastora, o bispo esclarece que todo católico é moralmente obrigado a denunciar, repudiar e exigir a revogação das leis pró-aborto porque o silêncio perante elas é cúmplice de uma verdadeira matança de inocentes. No tocante às responsabilidades do político, dom José Guerra Campos detalha:
“Os católicos que favorecem o aborto em postos de autoridade e de função pública, na medida em que cooperam para a realização de um aborto concreto e efetivo, incorrem evidentemente na mesma excomunhão. Às vezes não se poderá determinar se a ação das autoridades recai em um aborto concreto e efetivo, ou se se restringe a fomentar possibilidades e facilidades gerais para sua concretização. Neste caso será duvidosa a excomunhão; mas não é duvidosa a sua tremenda responsabilidade moral, ordinariamente maior que a dos executores, nem é duvidoso que merecem reprovação pública e penas espirituais, embora estas não se contraiam automaticamente. Os que implantaram a lei do aborto são autores conscientes e contumazes do que o Papa qualifica de ‘gravíssima violação da ordem moral’, com toda a sua carga de nocividade e de escândalo social (…) Os católicos em cargo público, que promovem ou facilitam com leis ou atos de governo — e em todo caso protegem juridicamente — a prática do crime do aborto, não poderão escapar à qualificação moral do crime do aborto, não poderão escapar à qualificação moral de pecadores públicos. Como tais terão de ser tratados — particularmente no uso dos Sacramentos — enquanto não repararem segundo suas possibilidades o gravíssimo mal e escândalo que produziram”.
Miguel da Costa Carvalho Vidigal observa que, recentemente, países como Argentina e Coreia do Sul aprovaram novas legislações favoráveis ao aborto livre. Ele questiona:
“Houve católicos no meio desses políticos que votaram tais leis? Houve quem lhes trouxesse de forma clara a condenação pela qual incorrerão cada vez que um aborto for efetivado no amparo legal que criaram? Mais ainda: haverá católicos dispostos a seguir os ensinamentos de dom José Guerra Campos e a continuar firmes no combate e na luta contra aquilo que o Papa Francisco classificou como assassinato intrauterino?”
O diretor da União dos Juristas Católicos de São Paulo finaliza:
“Que Nossa Senhora, Mãe do Salvador, tenha piedade do mundo por este século de mortes, perpetradas contra os mais indefesos e inocentes dos seres humanos, e nos faça sempre prontos a combater este que é, certamente, um dos principais erros do mundo moderno”.
Aleteia
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