Translate

domingo, 14 de março de 2021

PAIS DA IGREJA: São Gregório Palamas (Parte 2/3)

São Gregório Palamas | ECCLESIA
Arcipreste George Florovsky

«São Gregório Palamas
e a Tradição dos Padres»

Tradução: Rev. Pedro Oliveira Junior

4. O significado da «Época» dos Padres

Agora nós atingimos o ponto crucial. O nome "Igreja dos Padres" é normalmente restrito aos professores ou doutores da Igreja Antiga. E atualmente é assumido que a autoridade deles depende de sua "antigüidade," de sua proximidade relativa da "Igreja Primitiva" , da "Época" inicial da Igreja. Já São Jerônimo teve que contestar esta idéia. De fato, não houve decréscimo de "autoridade" nem nenhum decréscimo de competência e conhecimento espiritual, no curso da história Cristã. Na verdade, porém, esta idéia de "decréscimo" afetou fortemente o pensamento teológico moderno, porque é, com freqüência, assumida a Igreja Primitiva como mais próxima da fonte da verdade. Como admissão da nossa própria falha e inadequação, como um ato de humilde auto-crítica, tal assunção é saudável e útil. Mas é perigoso fazer disto um ponto de partida ou mesmo a origem da nossa "teologia da história da Igreja," ou mesmo da nossa teologia da Igreja, porque a Época dos Apóstolos deve reter esta posição única. No entanto, ela foi simplesmente um começo. É largamente assumido que a "Época dos Padres" também terminou, e de acordo com esta idéia ela é encarada como simplesmente uma formação antiga, "antiquada" em certo sentido, e "arcaica." O limite da Época Patrística é definido variadamente. É normal se olhar para São João Damasceno como o "último Padre" no Oriente, e São Gregório Dialoguista ou São Isidoro de Sevilha como os "últimos" no Ocidente. Esta periodização tem sido contestada corretamente nos últimos tempos. Não deveria, por exemplo, ao menos São Teodoro o Estudita, ser incluído entre os "Padres"? Mabillon sugeriu que Bernardo de Claraval, o Doutor melífluo, foi o "último" dos Padres, e seguramente não desigual aos anteriores. [4] Na verdade, é mais do que uma questão de periodização. Do ponto de vista Ocidental "a Época dos Padres" foi sucedida, e mesmo trocada pela "época dos Eruditos"que foi um passo adiante essencial. Desde o surgimento do Escolasticismo a "teologia Patrística" ficou antiquada, se tornou realmente "época passada," uma espécie de prelúdio arcaico. Este ponto de vista, legitimado pelo Ocidente, tem sido, mui infelizmente, aceito também por muitos no Oriente, cegamente e sem crítica. Coerentemente, tem-se que enfrentar uma de duas alternativas. Ou se lamenta o "atraso" do Oriente que nunca desenvolveu um Escolasticismo próprio. Ou se retirar para a "Época Antiga," de maneira mais ou menos arqueológica, e praticar o que tem sido descrito astutamente como a "teologia da repetição." Esta última posição é, na verdade, simplesmente, uma forma peculiar de "escolasticismo" imitativo.

Hoje em dia, não é raro que seja sugerido que, provavelmente, "a Época dos Padres" tenha terminado muito antes de São João Damasceno. Muito freqüentemente, não se vai além da Época de Justiniano, ou então do Conselho de Calcedônia. Não foi Leôncio de Bizâncio, já o "primeiro dos Escolásticos" ? Psicologicamente, esta atitude é bastante compreensível, apesar de não poder ser justificada teologicamente. De fato, os Padres do Quarto Século são muito mais impressionantes, e sua grandeza única não pode ser negada. No entanto, a Igreja permaneceu completamente viva também depois de Nicéia e Calcedônia. A atual super ênfase nos "primeiros cinco séculos," distorce perigosamente a visão teológica, e impede o correto entendimento do próprio dogma de Calcedônia. O decreto do Sexto Concilio Ecumênico é freqüentemente visto como um "apêndice" de Calcedônia, interessando só aos especialistas teológicos, e a grande figura de São Máximo o Confessor é quase que completamente ignorada. Coerentemente, o significado teológico do Sétimo Concílio Ecumênico é perigosamente obscurecido. E se fica pensando, porque a Festa da Ortodoxia deveria se relacionar com a comemoração da vitória da Igreja sobre os Iconoclastas. Não foi ela uma controvérsia simplesmente "ritualística" ? Nós freqüentemente esquecemos que a famosa fórmula do Consensus Quinquaesecularis [acordo dos cinco séculos], o que significa até Calcedônia, foi uma fórmula Protestante, e reflete uma peculiar "teologia da história" Protestante. Foi uma fórmula restritiva, apesar dela ter parecido bastante inclusiva para aqueles que queriam se afastar da Época Apostólica. A questão é, no entanto, que a atual fórmula Oriental dos "Sete Concílios Ecumênicos," não é muito melhor, se ela tender, como quase sempre o faz, a restringir ou limitar a autoridade espiritual da Igreja aos oito primeiros séculos, como se a "Idade Dourada" do Cristianismo tivesse passado, e nós estivéssemos agora, já, provavelmente, na Idade de Ferro, muito mais baixos na escala do vigor e autoridade espirituais. Nosso pensamento teológico foi perigosamente afetado pelo padrão de decaimento, adotado pela interpretação da história Cristã no Ocidente desde a Reforma. A plenitude da Igreja foi então interpretada de maneira estática, e a atitude para com a Antiguidade tem sido, correspondentemente, distorcida e mal construída. Finalmente, não faz diferença se nós restringimos a autoridade normativa da Igreja a um, cinco ou oito séculos. Não deveria haver nenhuma restrição. Conseqüentemente, não há espaço para qualquer "teologia de repetição." A Igreja ainda é completamente autoritativa como ela foi nos tempos passados, já que o Espírito de Verdade a vivifica agora não menos efetivamente do que no passado.

5. O legado da teologia bizantina

Um dos resultados da nossa descuidada periodização é que nós simplesmente ignoramos o legado da teologia Bizantina. Estamos preparados, agora mais do que há algumas décadas atrás, a admitir a autoridade perene "dos Padres," especialmente a partir do renascimento dos estudos Patrísticos no Ocidente. Mas ainda tendemos a limitar o escopo da admissão, e obviamente "teólogos Bizantinos" não são prontamente contados entre os "Padres." Estamos inclinados a discriminar bastante rigidamente entre "Patrística" — em um sentido mais ou menos estreito — e "Bizantinismo." Ainda estamos inclinados a olhar o Bizantinismo como uma conseqüência inferior da Época Patristica. Ainda temos dúvidas sobre a relevância normativa para o pensamento teológico. Porém, a teologia Bizantina foi muito mais do que uma simples "repetição" da teologia Patristica, e nem o que foi novo nela foi de qualidade inferior em comparação com a "Antiguidade Cristã." Na verdade, a teologia Bizantina foi uma continuação orgânica da Época Patrística. Houve qualquer interrupção? O ethos da Igreja Ortodoxa Oriental foi alguma vez mudado, em algum ponto histórico ou data, que, no entanto, nunca foi unanimemente identificado, de modo que os últimos desenvolvimentos fossem de menor autoridade e importância, que qualquer outro? Esta admissão parece estar silenciosamente implicada nos compromissos restritivos dos Sete Concílios Ecumênicos. Então São Simeão o Novo Teólogo e São Gregório Palamas são simplesmente deixados de fora, e os grandes Concílios Hesicastas do século quatorze são ignorados e esquecidos. Qual é a posição e autoridade deles na Igreja?

Porém, de fato, São Simeão e São Gregório são ainda mestres e inspiradores autoritativos de todos aqueles que, na Igreja Ortodoxa, estão lutando pela perfeição, e estão vivendo a vida de oração e contemplação, seja nas comunidades monásticas sobreviventes, ou na solidão dos desertos, ou até mesmo no mundo. Estas pessoas fiéis não estão cientes de nenhuma alegada "quebra" entre "Patristica" e "Bizantinismo." A Philokalia, esta grande enciclopédia da piedade Oriental, que inclui escritos de muitos séculos, está, em nossos dias, crescentemente se tornando o manual de guia e instrução para todos aqueles que estão desejosos de praticar a Ortodoxia em nossa situação contemporânea. A autoridade do compilador da Philokalia São Nicodemos da Santa Montanha, foi recentemente reconhecido e melhorado por sua formal canonização na Igreja. Neste sentido, somos levados a dizer, "a Época dos Padres" ainda continua na "Igreja Venerante." Não deveria continuar também na nossa busca e estudo teológicos, pesquisas e instrução? Não deveríamos recuperar a "mente dos Padres" também em nosso pensamento e ensinamento teológico? Recuperá-la, de fato, não como uma maneira ou pose arcaica, e não simplesmente como uma venerável relíquia, mas como uma atitude existencial, como uma orientação espiritual. Somente desta maneira pode a nossa teologia se reintegrar na plenitude de nossa existência Cristã. Na é suficiente manter uma "Liturgia Bizantina," como fazemos, restaurar a iconografia Bizantina e a música Bizantina, como ainda estamos relutando em fazer consistentemente, e praticar certas maneiras Bizantinas de devoção. Tem-se que ir para as próprias raízes desta tradicional "piedade," e recuperara a "mente Patristica." De outra forma poderemos estar em perigo de ficarmos divididos internamente — como muitos em nosso meio estão na verdade — entre as formas "tradicionais" de "piedade" e um hábito muito não-tradicional de pensamento. É um perigo real. Como "reverenciadores" nós estamos ainda na "tradição dos Padres." Não deveríamos estar, consciente e declaradamente, na mesma tradição também como "teólogos," como testemunhas e professores de Ortodoxia? Poderemos manter nossa integridade de alguma outra forma?

NOTAS

4. Mabillon, Bernardi Opera, Praefatio generalis, n. 23 (Migne, P. L., CLXXXII, c. 26).


FONTE:

Folheto Missionário da Holy Trinity Orthodox Mission
466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011
Redator: Bispo Alexandre Mileant


ECCLESIA

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF