Santa Missa presidida pelo Papa Francisco em Erbil, no Curdistão iraquiano |
"Embora o Concílio eminentemente
queira ser um Concílio pastoral e de um agir pastoral, a Lumen Gentium é
Constituição que vai dar o Norte, a doutrina, construindo a concepção da Igreja
como um corpo, um corpo com diversos membros, não qualquer corpo, mas um Corpo
Místico; mais: um Corpo Místico de Cristo, cabeça, onde todos os batizados são
membros, enxertados, ligados a Cristo-cabeça.”
Jackson Erpen – Vatican News
O Concílio Vaticano II teve
quatro Constituições, sendo duas dogmáticas: a Dei Verbum,
sobre a revelação divina e a Lumen Gentium,
sobre a Igreja, aprovada em 21 de novembro de 1964 por 2151 votos favoráveis e
5 contrários. Seu capítulo II é dedicado ao “Povo de Deus”, o III à
“Constituição hierárquica da Igreja e em especial o Episcopado”, o IV aos
“Leigos”, o V à “Vocação de todos à santidade na Igreja”, o VI aos
“Religiosos”, o VII à “Índole escatológica da Igreja peregrina e a sua união
com a Igreja celeste”, e por fim, o VIII, à “Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de
Deus, no Mistério de Cristo e da Igreja.
Desta Constituição, emergem
algumas imagens da Igreja, como Sacramento de Salvação; a Igreja, sociedade
visível e espiritual; a Igreja, Corpo místico de Cristo. Padre Gerson
Schmidt*, que em nosso último programa abriu um novo capítulo sobre os
documentos conciliares, nos explica hoje como surgiram estas imagens da Igreja:
"As diversas imagens da
Igreja descritas no Concílio Vaticano II foram sendo construídas, antes do
Concílio, nos movimentos teológico, litúrgico, ecumênico e pastoral que
aconteceram antes da convocação do Concílio. A Lumen Gentium denota
a consciência de que a Igreja existe a partir de Cristo e em Cristo. Essa
perspectiva cristocêntrica é a culminância do movimento eclesiológico iniciado
na Escola teológica de Tubinga, que se expande por meio dos teólogos da Escola
Romana, no Concílio Vaticano I, e encontra expressão, por meio do magistério,
na Carta Encíclica Mystici
Corporis, do Papa Pio XII, em 1943¹. Portanto, quase 20 anos
antes do Concilio Vaticano II. Essa visão eclesiológica cristocêntrica é, além
disso, frisada por Paulo VI, no seu discurso de abertura da Segunda Sessão do
Concílio Vaticano II, após a morte de João XXIII². A concepção da Igreja como Corpo
de Cristo teve uma participação da Escola Romana, com autores como J. Perrone,
C. Passaglia, J. B. Franzelin, C. Schrader, que experimentam a influência de
Móhler, teólogos renomados na época pré-conciliar.
Na visão da Escola Romana, a
Igreja não é simplesmente uma sociedade religiosa dotada de uma autoridade
recebida de Deus, mas um organismo não só humano-social, mas espiritual, com
missão especial, fundamentalmente recebida da autoridade de Cristo e seu
prolongamento no tempo, na história, e por ele indissoluvelmente visível e
invisível, humana e divina. Nessa Escola Romana faz-se germinar grande
influência dessa concepção da Igreja como Corpo de Cristo³.
Passaglia afirma, por exemplo,
que “a Igreja é Corpo místico de Cristo em que Cristo se manifesta, expande sua
vida, mediante a qual se tem visível entre os homens e por meio da qual
continua oferecendo o fruto de sua economia salvífica”. Entenda o ouvinte essa
palavra técnica “economia”. Na teologia é entendida como a pedagogia salvífica,
a salvação gradativa de Deus na história, por diversas etapas no tempo e
espaço, onde Deus se revela, atua e salva. Então, traduzindo em miúdos:
“A Igreja, como corpo visível de Cristo, manifesta
e continua perpetuando a salvação contínua de Cristo, na história concreta dos
homens, a cada tempo, para cada pessoa em sua época, chão e lugar. Deus opera e
quer salvar o homem concreto, situado no tempo e no espaço onde vive e habita.”
A Escola Romana oferece uma visão
da Igreja impregnada de um maior sentido histórico, personalista e concreto,
situando a Igreja na história, como Povo de um Deus que intervêm na história da
salvação. Todos os batizados se encontram unidos em um só corpo, do qual todos
os batizados são responsáveis e protagonistas, inclusive os leigos. Deste modo
o visível e invisível, o exterior e o interior podem encontrar harmonia e
reconciliação.
O Concílio Vaticano I não assumiu
essas novas perspectivas. Negligenciou esse pensamento da Igreja como Corpo de
Cristo, segundo o que haviam pretendido exponentes da Escola Romana [4]. A
maioria dos Padres não viam em tal expressão mais que uma metáfora, não uma
definição da Igreja, uma nova perspectiva teológica e, consequentemente,
pastoral.
No Concílio Vaticano I seguirá
dominando o carácter corporativo, sobretudo hierárquico da Igreja. Será o
Concílio Vaticano II que vai recuperar fortemente essa concepção da Igreja como
Corpo Místico de Cristo, já expressada e construída pelos teólogos da época.
Embora o Concílio eminentemente queira ser um Concílio pastoral e de um agir
pastoral, a Lumen Gentium é Constituição que vai dar o norte,
a doutrina, construindo a concepção da Igreja como um corpo, um corpo com
diversos membros, não qualquer corpo, mas um Corpo Místico; mais: um Corpo
Místico de Cristo, cabeça, onde todos os batizados são membros, enxertados,
ligados a Cristo-cabeça.”
*Padre Gerson Schmidt foi
ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e
Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela
FAMECOS/PUCRS.
______________________________
¹ O. GONZÁLEZ HERNÁNDEZ, A
nova consciência da Igreja e seus pressupostos histórico-teológicos. In G.
BARAÚNA, A Igreja do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1965, p. 281s.
² O. GONZÁLEZ HERNÁNDEZ, A
nova consciência da Igreja e seus pressupostos histórico-teológicos. In G.
BARAÚNA, A Igreja do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1965, p. 281s.
³ C. PASSAGLIA, De
Ecclesia Christi (Ratisbona 1853) 1,38.
4 A. CHAVASSE, «L'ecclésiologie au Concile du
Vatican, L'infaillibilité de l'Église», en M. NEDONCELLE, O.C, 233-234.
Vatican News
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