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Por Carter Griffin
Diz-se que Einstein afirmou sobre o sério e o frívolo: “Se existisse uma hora para salvar o planeta, analisaria o problema por 59 minutos e em 1 minuto o resolveria”
Tornou-se terrivelmente claro que temos um problema interno no clero da Igreja Católica. Os relatos dos abusos sexuais do clero e da negligência episcopal parecem ser infinitos. Queremos que o problema seja resolvido e somos todos tentados a colocar a nosso olhar sobre o suspeito mais próximo. Para muitos o suspeito imediato é o celibato sacerdotal. Não é difícil compreender o por quê. Vivemos as consequências da revolução sexual, e a própria ideia do celibato é recebida por tantos, também por muitos fiéis católicos, com um sorriso cético. A crise na Igreja, afinal é causada por sacerdotes que cometem pecados sexuais. Tais Sacerdotes são celibatários. O problema deve ser, portanto, o celibato.
Como para Einstein, todavia, é de vital importância analisar corretamente o problema. No cenário hipotético de Einstein, errar o diagnóstico seria catastrófico para o planeta. Através do ministério da Igreja recebemos a vida eterna, então a questão em jogo é ainda mais elevada.
Aqueles que afirmam com segurança que o celibato é o problema, geralmente consideram que uma vida empenhativa sem relações sexuais é uma contradição, na realidade não é saudável e conduz aos abusos. Muitos, imagino, nos veem celibatários, como um feixe de energia sexual pronto a explodir a qualquer momento. Não obstante, quando Nosso Senhor indicou o celibato para aqueles entre os seus discípulos que podem aceitar tal ensinamento (cfr. Mt 19,12), não fazia uma imposição impossível, ou que colocaria obstáculo no crescimento emotivo e psicológico. Com efeito, a esmagadora maioria dos sacerdotes celibatários vivem a própria vocação com alegria e fidelidade. Todo estudo científico com que me deparei tendo como objeto sacerdotes, indica que os seus níveis de felicidade pessoal e satisfação “profissional” são muito mais elevados que a média. Além disso, mesmo entre os católicos que são exasperados, em geral, com a Igreja, com os sacerdotes, com o celibato, admitem quase invariavelmente que seus respectivos padres (célibes) são diferentes.
O Verdadeiro problema: O celibato é mal vivido.
O problema não é o celibato; o problema é o celibato mal vivido. Os abusos sexuais cometidos pelos padres não são causados pelo celibato, como o adultério não é causado pelo matrimônio. Em ambos são as violações das sagradas promessas, através das quais o Senhor garante a sua ajuda para vivê-las fielmente. Em outras palavras, permitir aos padres que se casem não impediria as transgressões sexuais. O matrimônio, infelizmente, não é estranho ao escândalo. Com efeito, a ideia de que “casar” os padres resolverá a crise dos abusos sexuais sugere uma visão ainda mais obscura do matrimônio, bem como uma certa ingenuidade sobre a questão dos abusos sexuais cometidos por indivíduos casados. A sagrada vocação ao matrimônio não é uma cura para as pulsões sexuais imaginadas, erroneamente, pela mente popular como irrefreáveis. A resposta adequada não é eliminar o celibato, mas exigir dos sacerdotes, como das pessoas casadas, que correspondam as expectativas da própria vocação.
O próprio celibato, de fato, é um dom precioso e insubstituível para a Igreja, como afirmou São Paulo VI, na Sacerdotalis caelibatus, há cinquenta anos, “o celibato sacerdotal, que a Igreja conserva há séculos como uma joia preciosa, conserva todo seu valor também em nosso tempo, caracterizado por uma profunda transformação de mentalidade e de estruturas”.
O celibato costuma ser definido negativamente como “não casar”, mas na realidade é uma escolha positiva, uma forma potente de amar, com uma singularidade de intenções e uma abertura de coração única. Permite ao sacerdote viver sua paternidade espiritual com particular força e eficácia. Nas palavras do Concílio Vaticano II, o celibato “é uma fonte de fecundidade espiritual no mundo” que torna os padres “mais adequados para uma aceitação da paternidade em Cristo”.
Os benefícios espirituais do celibato sacerdotal enriqueceram a Igreja por séculos e também a cultura em sentido mais amplo. Se o celibato fosse abolido neste nosso momento de exasperação, embora de boa fé, não somente não seria capaz de resolver o problema dos abusos sexuais, como também privaríamos as futuras gerações de inumeráveis graças de paternidade espiritual que nos alcançam por meio do celibato sacerdotal.
Tornar o celibato opcional poderia ajudar?
Alguns, mesmo admitindo o valor do celibato, gostariam que o celibato fosse facultativo para aqueles que discernem a vocação sacerdotal. Também nesse caso, no entanto, não resolveria o problema. Depois de tudo, se o celibato é a causa do abuso, então a resposta não é o celibato opcional, mas o matrimônio obrigatório! Além disso, no nosso panorama cultural, se o matrimônio é uma opção, então a verdade, dita francamente, é que os sacerdotes celibatários seriam vistos por muitos como pessoas de ambíguas atrações sexuais.
Ademais, porque a ordenação episcopal seria presumidamente ainda limitada aos sacerdotes celibatários, como na Igreja oriental, a escolha de renunciar ao matrimônio (portanto permanecer elegível para o episcopado) convidaria a conjecturas cínicas. O celibato opcional levaria a um sacerdócio de dois níveis, nos quais a mediocridade e a ambição prosperariam facilmente.
Também se tais insídias pudessem ser de alguma forma evitadas, o celibato opcional lançaria inúteis confusões no percurso daqueles que discernem o chamado ao sacerdócio. O celibato é um belíssimo dom para a Igreja e para o próprio sacerdote, mas sem dúvida as vezes é um dom difícil de compreender, difícil de receber e difícil de viver. Desperta uma nobre generosidade no coração de um jovem homem, mas como todos os profundos amores humanos, a capacidade de ser celibatário requer tempo para amadurecer.
É verdade que alguns seminaristas escolheriam o celibato, ainda que fosse facultativo. No entanto, quem poderia duvidar que muitos – que de outro modo poderiam receber a bela graça do celibato – considerariam simplesmente não servir para tal? Quantas graças de celibato seriam perdidas tornando inutilmente difícil para quem está em discernimento sacerdotal receber tamanho dom?
Existe ainda uma maior dificuldade na proposta de celibato opcional. O sacerdócio não é uma posição sobre a qual a Igreja Católica possui um controle completo, porque fundamentalmente o sacerdócio não é seu, mas de Jesus. Certamente, porque na Igreja oriental existem sacerdotes casados validamente ordenados, e excepcionalmente também no rito latino, está claro que o celibato não é necessário para exercitar o ministério sacerdotal. Não menos claro, é também verdade que o próprio sacerdócio, isto é, o sacerdócio de Cristo – aquele que todos os sacerdotes ministeriais participam – é um sacerdócio celibatário. Jesus exercitou o seu ministério sobre a Terra como um padre celibatário e continua a fazê-lo do céu. O celibato é, portanto, de alguma forma essencial para o sacerdócio, também quando não exercitado por cada sacerdote ordenado.
A questão do celibato sacerdotal, então, é somente uma parte sujeita ao juízo prudente da Igreja. Por isso o celibato sacerdotal (ou continência perpétua) foi sempre parte da sua vida desde os tempos apostólicos. Houve sim um desenvolvimento histórico, naturalmente, não obstante às diversas solicitações de abandonar o celibato ao longo dos séculos, a Igreja sempre refutou firmemente. De fato, repetidamente reteve que o celibato sacerdotal é uma benção e está empenhada a promovê-la mais fielmente no seu clero.
O abuso sexual é um falimento da castidade e da formação sacerdotal
Essa afirmação nos leva a identificar os verdadeiros problemas que hoje a Igreja está afrontando em sua luta contra os abusos sexuais do clero. O abuso sexual não é causado pelo celibato, mas do fato de não vivê-lo, isto é, do vivê-lo mal. Em outras palavras, é causado pelos sacerdotes que não conseguem viver a castidade. Porque não há motivo para crer que os padres casados seriam de alguma forma imunes a tais pecados, a solução não pode ser encontrada na eliminação do celibato, e sim requerer não outra coisa senão uma castidade exemplar por parte de todo o nosso clero.
Essa é, portanto, a fonte do nosso problema: por decênios, demasiados sacerdotes não foram adequadamente selecionados ou formados para viver uma santa castidade celibatária ou foram autorizados a persistir nas transgressões sexuais com pouca supervisão ou responsabilidade. O testemunho coerente dos sacerdotes formados após a revolução sexual – principalmente aqueles que frequentaram o seminário nos anos 70 e 80 – confirma esta tese. É uma história triste, mas com um final positivo.
Por anos, houve uma surpreendente ausência de escrutínios para os homens que ingressavam na formação sacerdotal. Geralmente era necessário apenas demonstrar uma certa aptidão acadêmica e ter a recomendação de algum pastor. Não eram exigidos nenhuma abordagem mais aprofundada sobre o caráter moral e sobre a maturidade espiritual, nenhum exame psicológico. Foram admitidos muitos que eram psicológica e emocionalmente imaturos.
Além disso, a Igreja repetiu insistentemente sobre o fato que os homens com inclinação homossexual persistente não deveriam ser admitidos no seminário (último documento oficial que endossou essa posição, por inciso, foi aprovado pelo Papa Francisco em 2016). No entanto, tais homens são admitidos ao seminário em grande número. A maior parte dos sacerdotes com atração por pessoas do mesmo sexo obviamente não são culpáveis de abusos sexuais e vivem o seu celibato fielmente. É incontestável, também, que a grande maioria dos casos de abusos dos padres envolvem o abuso homossexual de meninos e de rapazes jovens. Ainda que controverso, a sabedoria da decisão da Igreja tornou-se claríssima se olhada retrospectivamente. Ignorá-la teve consequências interruptivas sobre a vida de milhares de jovens nos últimos decênios.
Uma vez ingressados no seminário, a situação não melhorava muito. A formação para um celibato casto era inadequada para não dizer outra coisa! A vida interior e as práticas ascéticas necessárias para sustentar uma castidade saudável não eram, de fato, propostas. Muitos homens foram ordenados com a falsa impressão, reforçada pelos formadores do seminário, que a exigência do celibato seria revogada em pouco tempo. Em alguns seminários, o hábito depravado de licença sexual entre os seminaristas e, mesmo entre os membros da formação, corromperam jovens vulneráveis ou distanciaram decepcionados aqueles que buscavam a virtude.
Para piorar as coisas, em muitos seminários a dissidência teológica e a experimentação litúrgica se propagaram, levando a um duplo modelo hipócrita que os homens traziam posteriormente consigo para o sacerdócio. A infidelidade intelectual invariavelmente culmina na infidelidade moral. Se posso flexibilizar arrogantemente o ensinamento da Igreja às minhas próprias opiniões, preferências e caprichos, por que isso não pode ser estendido também aos preceitos morais? A dissidência difundida por decênios nas faculdades teológicas tiveram um efeito devastante sobre a Igreja, não somente na confusão doutrinal e litúrgica, como também, eu diria, nos abusos sexuais.
O falimento dos bispos na consideração dos sacerdotes responsáveis
Por fim, uma vez ordenados, alguns sacerdotes crescidos nesse clima de laxismo e inveja eram, obviamente, infiéis às próprias promessas. E raramente eram censurados pelos seus superiores, ao menos, de uma forma significativa. Alguns foram repetidamente transferidos para novos encargos; quase nenhum foi demitido do sacerdócio. A vastidão da corrupção do clero era um doloroso embaraço para os bispos e, por consequência, surgiu uma cultura de profundo acobertamento que agora está vindo à luz.
Existem indubitavelmente muitas razões pata tal confusão. Era um período de desarranjos sociais que contribuíam para incerteza e agitação na Igreja. Muitos sacerdotes não eram seguros de qual caminho andar. Suas respectivas autoridade e sacerdócio – em certo modo, a própria virilidade – foram gradualmente enfraquecidos e colocadas em dúvida. Alguns sacerdotes se renderam ao espírito desinibido de tal época, e muitos bispos perderam a coragem e o próprio sentido de auto-estima. O demônio intensificou sua guerra contra a pessoa humana em sua identidade sexual, uma brilhante e bem sucedida campanha de enganos, que ainda continua sustentada até os nossos dias.
Talvez tudo isso tenha sobrecarregado de alguma forma muitos bispos bons; não sei! No entanto, o que sabemos hoje, sem dúvidas, é que os padres não respondiam adequadamente por seus atos e frequentemente eram autorizados abusar do próprio rebanho no plano doutrinal, litúrgico e também sexual. A oportunidade, diversas vezes, prevaleceu sobre a integridade.
Sementes de renovamento: castidade
Tais são, portanto, algumas das fontes da falta de castidade do clero atualmente, mas não é ainda o fim da história. Também nesses anos de profunda confusão, o Espírito Santo espalhou sementes de renovamento que ainda trazem grandíssimos frutos atualmente. Muitos seminaristas, sacerdotes e bispos, contra toda perversão, permaneceram fiéis naquelas décadas desoláveis e hoje agradecem a Deus pela heroico testemunho.
Depois chegou o amplo pontificado de São João Paulo II. Entre as suas numerosas reformas, talvez a mais importante, ainda que raramente notada como tal, está o seu documento de referencia de 1992, Pastoris dabo vobis, no qual propôs um corajoso e positivo retrato do sacerdócio e da formação no seminário.
Nos anos sucessivos foi implementado de modo não uniforme em todo o mundo, mas a tendência de elevação na qualidade da formação era inconfundível. Os modelos de admissão na maior parte das dioceses foram fortemente elevadas e a qualidade da formação na maior parte dos seminários melhorou notavelmente. É verdade que muitos dos nossos cidadãos não se deram conta plenamente, a reforma do clero começou bem antes de duas décadas atrás.
Afrontar o problema dos abusos sexuais do clero significa, antes de tudo, retomar firmemente a fidelidade casta em nossas respectivas vocações. Seja para os sacerdotes, seja para os fiéis, a melhor resposta às desastrosas revelações de abusos sexuais clericais é uma firme determinação de crescer na própria fidelidade e na própria santidade. Um novo florescer da castidade, especialmente entre os jovens católicos, fará muito mais para reforçar o futuro celibato sacerdotal de qualquer programa ou iniciativa oficial.
A vocação à paternidade sacerdotal
Para aqueles que promovem as vocações e formam seminaristas, cultivar a fidelidade casta significa ajudar a compreender suas respectivas vocações celibatárias à luz da paternidade espiritual. Os candidatos deveriam, então, possuir uma identidade masculina plena de confiança e um desejo saudável e normal para o matrimônio e para a paternidade, a capacidade madura de renunciar a esses grandes bens para concentrar-se sobre a paternidade sobrenatural e ser capazes de demonstrar atitudes para as qualidades e virtudes humanas dos melhores pais naturais. No curso da formação deveria ser incutida a paternidade espiritual madura e viril, o apreço pelo dom do celibato e a capacidade de viver essa vocação pacífica e autenticamente.
Uma vez ordenados, os sacerdotes deveriam ser os mais altos modelos de castidade. As vocações deveriam ser afrontadas de modo coerente, com a seriedade que se espera de uma grave violação da confiança que convém a uma grave violação da confiança no confronto da própria família espiritual. A castidade, em outras palavras – serena, profunda e alegre – a serviço da paternidade sacerdotal é sem dúvidas o caminho para uma autêntica reforma sacerdotal.
Aqueles que creem que o celibato seja a causa dos abusos sexuais do clero estão simplesmente buscando, como todos nós, impedir que esses terríveis abusos se repitam. Einstein, porém tinha razão. Devemos concentrar muito tempo para identificar o problema, o verdadeiro problema não está no fato de os padres rebeldes não eram casados; o problema é que eram infiéis. O estilo de vida sacerdotal decadente que os levou a infidelidade é a exata oposição da amável e generosa paternidade espiritual a qual o celibato é ordenado.
Os médicos antigos, com as melhores intenções, muitas vezes curavam as doenças drenando o sangue dos pacientes, inconscientemente privando-os das substâncias nutritivas que realmente necessitavam para ser curados. Assim, também aqueles que buscam sanar a doenças dos abusos sexuais na Igreja privando-a da graça do celibato fariam bem pouco para curar a doença, e mais do que isso, privariam o Corpo de Cristo de nutrientes espirituais necessários para recobrar a saúde.
Se desejamos afrontar o problema dos abusos sexuais do clero, deveríamos começar esperando dos nossos sacerdotes a mesma fidelidade que esperamos de todas as outras pessoas, e convocando-os a abraçar, através do dom do celibato, as bênçãos da paternidade sacerdotal que hoje necessitamos mais do que nunca.
Copyright © Carter Griffin. Texto originale m inglês, 22 de fevereiro de 2019. https://www.thecatholicthing.org/2019/02/24/celibacy-is-the-answer-not-the-problem/ tradução italiana de Giovanni Zaccaria.
Padre Griffin é sacerdote da arquidiocese de Washington, DC,. Cresceu como presbiteriano e se converteu ao Catolicismo enquanto frequentava a Universidade de Princeton. Depois de se formar em 1994, serviu por quatro anos como oficial da Marinha dos Estados Unidos, antes de entrar para o seminário. Sua tese doutoral Paternidade sobrenatural através do celibato sacerdotal, realizada na masculinidade.” Foi publicada e 2010. Atualmente é vice-reitor do Seminário São João Paulo II, na arquidiocese de Washington. Seu próximo livro, “Por que o celibato? Recuperando a paternidade do padre” será publicado na próxima primavera pela Emmaus Road. Este artigo apareceu a primeira vez na First Things e é aqui republicado com a permissão do autor.
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