dioceseuinvitoria |
Arcebispo de Salvador (BA)
Na pandemia, a experiência da fragilidade humana, da dor e da morte, tem sido intensa, levando-nos a pensar sobre o sentido da vida e da morte, sobre o viver e o morrer. A pandemia faz refletir sobre o caminho que temos percorrido e os passos a serem dados. Muitos levantam questões acerca da presença de Deus neste contexto de sofrimento. O “silêncio de Deus” é um tema teológico crucial e uma experiência espiritual, que têm recebido especial atenção.
O grito de Jesus na cruz “meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34) continua a expressar o clamor de tantos que se sentem abandonados, não por Deus, mas pelo homem; de tantos que não são amados, não por Deus, mas por nós. Esta Páscoa, celebrada numa fase de agravamento da pandemia, é uma ocasião especial para o silêncio e a escuta. É preciso silenciar para escutar. A pandemia obrigou a parar o ritmo agitado de vida e a busca insaciável de consumir; a recolher-se, apesar das resistências ao distanciamento social. A pretensão de onipotência tem sido golpeada abalando as torres de Babel. Os muros têm sido abatidos pelo vírus que não conhece fronteiras, obrigando a sentir-se habitante de uma mesma casa e participante de uma mesma família, embora os mais pobres e vulneráveis sejam os mais atingidos. A experiência da fragilidade e da finitude tem sido compartilhada até por quem não costuma admitir.
Não é Deus quem deixou de falar; foi o homem que se tornou incapaz de escutar. Não é Deus quem deixou de amar e de ensinar a amar. É o homem que deixou de amar e de aprender a amar. Para desvendar o silêncio de Deus é preciso fazer silêncio e mergulhar no mistério do amor divino. “Mistério” não por ser complicado ou inacessível. Na visão bíblica e na experiência de quem crê, o “mistério” compreende a grandeza do amor de Deus que se revela e se oculta, porque não pode ser encerrado nos limites estreitos de nosso pensar e de nosso sentir. É preciso fazer silêncio para contemplar, para discernir os sinais de Deus, para escutar o que ele está querendo nos dizer. Diante do mistério, por mais explicações que se queira dar, a atitude de fé e o silêncio são indispensáveis.
É necessário, ao mesmo tempo, fazer silêncio para escutar o clamor de quem sofre, à espera de atenção e de solidariedade. Este tempo doloroso da pandemia tem sido uma oportunidade para contemplar o rosto de Cristo sofredor nos rostos de tantas pessoas que sofrem. O silêncio, enquanto atitude espiritual, não implica em acomodação ou omissão, assim como o aparente “silêncio” de Deus não significa que ele deixou de amar. No calvário tem muita gente disposta a descer o monte para abraçar, consolar e cuidar, para assumir o papel de Verônica que enxuga as lágrimas e de Cirineu que ajuda a carregar a cruz.
No alto do calvário tem muita gente unida a Jesus sofredor à espera da vitória pascal, tem muita gente que vive da esperança ancorada na fé, trazendo no coração a certeza de que a noite longa da dor e da provação cederá lugar à manhã da ressurreição.
A superação do cenário doloroso que vivemos pressupõe a esperança, pois somente quem conserva a esperança pode pensar o amanhã. Somos chamados a sermos portadores da esperança neste tempo tão difícil. A fé, que se expressa pelo amor ao próximo, fundamenta e alimenta a nossa esperança e nos impulsiona a caminhar.
Na Páscoa, a vida venceu a morte, o amor triunfou sobre a violência. Jesus ressuscitou! Por isso, ela nos traz a esperança de vida nova e de superação das situações de morte. Na páscoa do êxodo, Deus ouviu o clamor do seu povo sofredor libertando-o da opressão. Na nova e definitiva páscoa, ele respondeu ao clamor de Jesus, o justo que sofre e doa sua vida. Na páscoa de Jesus que acontece, hoje, ele continua a escutar o nosso clamor e a nos ensinar a ouvir o clamor de quem sofre. Diante dos desafios, renovamos a certeza na vitória da vida, do amor e da luz, alcançada por Cristo, de modo a transformar a vida cotidiana numa Páscoa permanente.
CNBB
Nenhum comentário:
Postar um comentário