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SOLA SCRIPTURA
Na vaidade de suas mentes
Uma análise ortodoxa deste ensinamento ortodoxo
Por John Whiteford
Tradução de Rafael Resende Daher
1º Falsa Suposição: A Bíblia deve ser entendida como última palavra sobre a fé, piedade e louvação.
A) É O ENSINAMENTO DA ESCRITURA "TOTALMENTE SUFICIENTE"?
A suposição mais óbvia por de trás da doutrina da Sola Scriptura é a de que a bíblia possui tudo o que é preciso para a vida do Cristão — tudo o que é necessário para a verdadeira fé, prática, devoção e louvação. O trecho mais citado para apoiar esta suposição é:
"… e desde a infância conheces as Sagradas Escrituras e sabes que elas têm o condão de te proporcionar a sabedoria que conduz à salvação, pela fé em Jesus Cristo. Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus se torna perfeito, capacitado para toda boa obra" (II TM 3:15-17).
Os que usam esta passagem para defender a Sola Scriptura, afirmam toda a "auto-suficiência" da Bíblia, porque "Somente a Bíblia Sagrada pode fazer o homem piedoso e perfeito... a perfeição pode ser atingida sem a necessidade da tradição." [1]
Mas o que pode ser realmente dito baseando-se nesta passagem? Para os iniciantes, devemos perguntar sobre o que o apóstolo Paulo está falando quando ele fala a Timóteo sobre ele conhecer a Bíblia desde criança. Devemos estar seguros de que Paulo não está falando sobre o Novo Testamento, pois o Novo Testamento ainda não havia sido escrito quando Timóteo ainda era uma criança — na realidade, ele ainda não estava pronto quando Paulo escreveu esta Epístola a Timóteo, e muito menos o Cânon do Novo Testamento como o que conhecemos hoje. Obviamente, na maioria das referências da Bíblia encontradas no Novo Testamento, vemos que Paulo está falando do Velho Testamento, assim, se esta passagem for usada para fixar os limites da autoridade inspirada, não só a Tradição fica excluída, mas também todo o Novo Testamento.
Em segundo lugar, se Paulo pretendesse excluir a tradição por ser algo não benéfico, deveríamos saber por qual motivo Paulo utilizou no mesmo capítulo tradições orais que não estavam na Bíblia. Os nomes de Janes e Jambres não aparecem no Velho Testamento, contudo, em II TM 3:8 Paulo os chama de adversários de Moisés. Paulo utiliza a tradição oral para falar o nome dos dois mágicos mais proeminentes do Egito, que aparecem durante o Êxodo (7:8). [2] E este não é a única fonte não-bíblica utilizada no Novo Testamento — outro exemplo mais conhecido aparece na Epístola de São Judas que cita o Livro de Enoque (Judas 14:15 c.f. Enoque 1:9).
Quando a Igreja canonizou os livros da Bíblia oficialmente, o principal propósito era estabelecer uma lista de livros autorizados, para proteger a Igreja dos livros espúrios que reivindicavam autoria apostólica, mas que eram na verdade, trabalhos de hereges (v.g. o Evangelho de Tomé). Os grupos heréticos não conseguiam basear seus ensinamentos na Santa Tradição, pois seus ensinamentos eram criados fora da Igreja, então a única maneira que possuíam para autorizar suas heresias era distorcendo o significado da Bíblia, além de forjar novos livros, apóstolos, ou santos do Velho Testamento. A Igreja sempre se defendeu contra os ensinamentos heréticos reivindicando as origens apostólicas da Santa Tradição (provando-as pela Sucessão Apostólica, c.f. o fato de que seus bispos e professores possuem uma descendência histórica e direta dos Apóstolos), e também reivindicando a universalidade da Fé Ortodoxa (c.f. o fato de que a Fé Ortodoxa é a mesma fé que os Cristãos Ortodoxos sempre aceitaram ao longo da história e do mundo). A Igreja se defendeu contra os livros espúrios e heréticos estabelecendo uma lista autorizada de Livros Sagrados, que foram recebidos pela Igreja como Divinamente inspirados, tanto os do Velho Testamento como os de origem apostólica.
Estabelecendo a lista canônica da Bíblia Sagrada, a Igreja não pretende insinuar que toda a Fé Cristã e toda a informação necessária para a louvação e regra da Igreja está contida apenas na Bíblia. [3] Uma coisa que está além dos debates sérios é sobre a questão de quando a Igreja conclui os Cânones dos Livros Sagrados em fé e louvação, assim como a discussão se a fé a louvação atual é a mesma da do período primitivo — isto é uma verdade histórica. Como na estrutura da autoridade da Igreja, os bispos Ortodoxos em vários Concílios resolveram a questão do Cânon — e na Igreja Ortodoxa é assim até hoje quando qualquer pergunta sobre a doutrina ou a disciplina deve ser resolvida.
NOTAS DE RODAPÉ
1. George Mastrantonis, trans., Augsburg e Constantinopla: Correspondência entre os Teólogos de Tubingen e o Patriarca Jeremias II de Constantinopla sobre a Confissão de Fé de Augsburg (Brookline, Mass.: Holy Cross Orthodox Press, 1982), 114.
2. "The Illustrated Bible Dictionary," vol. 2 (Wheaton: Tyndale House Publishers, 1980), "Jannes and Jambres," de A. F. Walls, 733 -734.
3. Realmente, esta lista nem sempre foi a que a Igreja preservou desde a Antiguidade e que considerou como maior parte da Tradição. Por exemplo, o livro de Enoque, citado entre os livros canônicos, não fazia parte do cânon. Não pretendo saber por que isso ocorreu, mas por alguma razão, a Igreja resolveu preservar este livro, e ainda não o designou para a leitura na Igreja ou no cânon dos livros canônicos.
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