Ecclesia |
SOLA SCRIPTURA
Na vaidade de suas mentes
Uma análise ortodoxa deste ensinamento ortodoxo
Por John Whiteford
Tradução de Rafael Resende Daher
A Proximidade da Ortodoxia com a Verdade
Quando, pela misericórdia Divina, encontrei a Fé Ortodoxa, não tive nenhum desejo em olhar para o Protestantismo e seus "métodos" de estudos Bíblicos com um novo olhar. Infelizmente, muitos destes métodos e suposições estão infectando até alguns círculos da Igreja Ortodoxa. A razão disso, é que como declarei acima, a tentativa protestante em retratar o estudo da Bíblia como "ciência." Alguns tentam introduzir estes erros e suposições em seminários e paróquias da Igreja Ortodoxa. Mas isto não é recente; a heresia sempre tenta enganar o fiel. Como disse São Irineu, quando as heresias começaram a atacar sua cidade:
Por meio de palavras especiais e plausíveis, sua perspicácia fascina o mais simples para o conhecimento de seu sistema; mas eles destroem desajeitadamente os outros, enquanto os inicia em suas opiniões blasfemas....
Na verdade, o erro nunca é colocado nu com todas suas deformidades, exposto, para ser descoberto imediatamente. Mas ele é enfeitado astuciosamente com uma veste atraente, para que com sua forma externa, ele possa parecer ao ingênuo (por mais ridícula que esta expressão possa parecer) como mais verdadeiro que a própria verdade. [18].
Para que não reste qualquer dúvida ou confusão, deixe-me esclarecer: a interpretação da Bíblia Sagrada feita pela Ortodoxia não é baseada em "pesquisas científicas" das Escrituras. A Igreja afirma que o entendimento da Bíblia não reside em dados arqueológicos, mas na relação inigualável com o Autor da Bíblia. A Igreja Ortodoxa é o Corpo de Cristo, coluna e sustentáculo da Verdade, é o meio pelo qual Deus escreveu a Bíblia (por seus membros) e o meio pelo qual Deus preservou a Bíblia. A Igreja Ortodoxa interpreta a Bíblia pois ela é herdeira de uma tradição viva que começou com Adão, e que se estendeu a todos seus membros atuais. Esta verdade não pode ser "provada" em um laboratório. A pessoa deve ser convencida pelo Espírito Santo e sentir a vida na Igreja de Deus.
Os protestantes perguntarão agora o que é e o que significa a Tradição Ortodoxa, e se ela é a Tradição correta, ou até mesmo se há uma tradição correta? Em primeiro lugar, os protestantes precisam estudar a história da Igreja. Eles encontrão a existência de apenas uma Igreja. O Credo Niceno faz esta observação claramente "Creio... na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica." Esta declaração, que toda denominação protestante aceita como verdadeira, nunca foi interpretada como uma Igreja "nebulosa," "pluralística" e "invisível," que não consegue concordar em nenhuma matéria doutrinária. Os Concílios que canonizaram o Credo (assim como a Bíblia) anatematizaram os que estavam fora da Igreja, tanto os hereges, como os Montanistas, e cismáticos como os Donatistas. Eles não disseram "bem, não concordamos com a doutrina dos Montanistas, mas eles fazem parte da mesma Igreja que nós." Eles foram excluídos da comunhão da Igreja, até que voltassem à Igreja, para serem recebidos pela Igreja através do Santo Batismo e da Crisma (no caso dos hereges) ou apenas pela Crisma (no caso dos Cismáticos) [Segundo Concílio Ecumênico, Cânon VII].
Unir-se em oração com os que estão fora da Igreja era proibido, e ainda é (Cânones dos Santos Apóstolos, XLV, XLVI). Ao contrário dos protestantes, aquele que se fazia herói separando-se do grupo para formar seu próprio, a Igreja primitiva condenava este pecado como um dos mais condenáveis. Como Santo Ignácio da Antioquia (discípulo do Apóstolo João) advertiu: "Não engane os irmãos, ninguém que segue um cisma herdará o Reino de Deus, ninguém que segue doutrinas heréticas está do lado da paixão" (Filadelfios 5:3).
São as mesmas razões que fizeram o movimento protestante romper contra os abusos Papais, mas antes do rompimento do Ocidente Romano com o Oriente Ortodoxo estes abusos não existiam. Muitos teólogos protestantes da atualidade começaram a olhar este primeiro milênio da Cristandade não-dividida, e começaram a perceber o grande tesouro que o Ocidente perdeu (e alguns estão se convertendo à Ortodoxia). [19]
Obviamente, uma destas três declarações é a verdadeira:
1. não há nenhuma Tradição correta, e os portões do inferno prevaleceram contra a Igreja, portanto, os Evangelhos e o Credo Niceno estão errados;
ou:
2. a verdadeira Fé está no Papismo, com seus dogmas mudados e definidos pelo vigário de Cristo;
ou:
3. a Igreja Ortodoxa é a Igreja fundada por Cristo, e preservou fielmente a Tradição Apostólica. Estas são as escolhas do protestante: relativismo, Romanismo ou Ortodoxia.
A maioria dos protestantes, devido às suas bases teológicas da Sola Scriptura, que trazem desunião e discussões, desistiram há muito tempo da idéia da verdadeira unidade Cristã, considerando ridícula a hipótese da existência de apenas uma só Fé. Quando enfrentam tais afirmações relativas à unidade da Igreja citadas acima, os protestantes reagem com espanto, pois consideram estas atitudes contrárias ao amor Cristão. Sem a verdadeira unidade, eles se esforçam para a criação de uma falsa unidade, desenvolvendo a filosofia relativista do ecumenismo, na qual a convicção de que há apenas uma verdade é condenada. Porém, este não é o amor da Igreja histórica, mas um sentimento humanista. O Amor é a essência da Igreja. Cristo não veio estabelecer uma nova escola de pensamento, mas Ele veio construir sua Igreja, que jamais será vencida pelos portões do inferno (Mateus 16:17). Esta nova Igreja criou "uma unidade orgânica ao invés de uma unificação mecânica de pessoas divididas." [20] Esta unidade só é possível pela nova vida trazida pelo Espírito Santo, e vivenciada misticamente na vida da Igreja.
A Fé Cristã une o fiel a Cristo, compondo um corpo harmonioso de indivíduos separados. Cristo forma este corpo comunicando-se com cada membro e provendo a eles o Espírito da Graça de maneira eficaz, tangível... Se a união com o corpo da Igreja é cortada, a pessoa fica isolada em seu próprio egoísmo, sendo privada de influência benéfica e abundante do Espírito Santo que mora dentro da Igreja. [21]
A Igreja é Una porque ela é o Corpo de Cristo, e impossível que seu corpo seja dividido. A Igreja é uma, como Cristo e o Pai são um. Embora o conceito desta unidade pareça incrível, ela existe. Embora esta declaração pareça um pouco "dura" aos que não acreditam, esta é uma realidade da Igreja Ortodoxa, que exige de todos muita abnegação, humildade e amor. [22].
Nossa fé na unidade da Igreja tem dois aspectos, é uma unidade histórica e presente. Por exemplo, significa que quando os Apóstolos partiram desta vida, a unidade da Igreja não partiu com eles. Agora eles fazem mais parte da Igreja do quando estavam presentes em carne. Quando nós celebramos a Eucaristia em qualquer igreja local, nós não a celebramos sozinhos, mas com a Igreja inteira, a da terra e a do céu. Os santos do céu estão mais próximos de nós do que das pessoas que podemos ver e tocar. Assim, na Igreja Ortodoxa não somos ensinados apenas pelas pessoas de carne e osso que Deus designou para nos ensinar, mas também por todos estes mestres da Igreja que estão no céu e na terra. Estamos hoje mais subordinados aos ensinamentos de São João Crisóstomo do que os do nosso próprio Bispo. O modo de como estamos próximos da Bíblia não pode ser interpretado de maneira individual (II Pedro 1:20), mas pela Igreja. Esta aproximação com a Bíblia é demonstrada em uma definição clássica de São Vicente de Lerins:
Aqui, talvez, alguém pode perguntar: Como o cânon da Bíblia está completo e mais do que suficiente, por que é necessário acrescentar a autoridade da interpretação eclesiástica? De fato, (devemos responder) que a Bíblia Sagrada, devido a sua profundidade, não é aceita universalmente aceita por todos da mesma maneira. O mesmo texto é interpretado de maneira diferente por pessoas diferentes, de uma maneira que a pessoa poderá encontrar diversos significados quando houver muitos homens... Esta é a causa da distorção causada pelos vários erros, então, é realmente necessário que a interpretação dos escritos apostólicos e proféticos seja feita conforme a regra do significado eclesiástico e católico.
Na própria Igreja Católica, todo cuidado deve ser tomado para que a mesma crença existe em todos os lugares, sempre, para todos. Isto é o verdadeiro e correto "católico," indicado pela própria etimologia da palavra que inclui algo verdadeiramente universal. Esta regra geral é aplicada se seguirmos os princípios da universalidade, antiguidade e consentimento. Fazemos assim em relação à universalidade, pois a fé que confessamos deve ser a mesma fé que a Igreja inteira confessa no mundo inteiro. (Fazemos assim) em relação à antiguidade pois não devemos divergir de nenhuma maneira das interpretações que nossos antepassados e pais declararam como invioláveis. (Fazemos assim) em relação ao consentimento pois, devido à antiguidade, nós adotamos as definições e proposições de todos, ou quase todos, os Bispos. [23]
Nesta aproximação com a Bíblia, o trabalho do indivíduo em busca de originalidade não conta nada, mas sim o entendimento sobre o que está presente nas tradições da Igreja. Somos obrigados a não ir além do limite fixado pelos Pais da Igreja, e para passar fielmente a Tradição que recebemos. Isto requer muito estudo e meditação, e para entender a Bíblia verdadeiramente, devemos entrar profundamente na vida mística da Igreja. Por isso que Santo Agostinho expõe sobre como a pessoa deve interpretar a Bíblia (Em Doutrina Cristã, Livros I-IV) ele passa muito mais tempo falando sobre o tipo da pessoa que estuda a Escritura do que sobre os requisitos intelectuais que ela deve ter: [24]
- A pessoa deve amar a Deus de todo coração, e estar livre do orgulho,
- Deve estar motivada em buscar o conhecimento de Deus com fé e reverência, ao invés do orgulho e da ganância.
- Ter um coração subjugado por devoções, uma mente purificada, estar morta para o mundo;
- Buscar nada mais do que o conhecimento e a união com Cristo,
- Ser solícita e comprometida em trabalhos de misericórdia e amor.
Com um padrão tão alto quanto este, devemos seguir as orientações dos Santos Padres que tinham estas virtudes, para ficarmos livres da ilusão de que somos mais capazes e inteligentes do que eles ao interpretar a Sagrada Palavra de Deus.
Mas este trabalho foi feito pelos estudiosos protestantes? São estes degraus que nos ajudam a entender a história e seus significados obscuros, pois estes degraus estão de acordo com a Santa Tradição e devem ser usados.
Como São Gregório Nazianzeno disse sobre a literatura pagã:
"Assim como fazemos antídotos contra o veneno de certos répteis, devemos também fazer o mesmo contra a literatura secular de que recebemos princípios de dúvida e especulação, rejeitando assim sua idolatria..." [25]
Há muito tempo que impedimos a adoração dos falsos deuses do Individualismo, Modernismo, Vanglória Acadêmica, e há muito que reconhecemos os trabalhos que buscam levar luz à história e à lingüística da Bíblia, para que possamos entender a tradição perfeitamente. Mas os protestantes levam suas especulações além da dos textos canônicos, projetando idéias estranhas à Bíblia — quanto eles discordam da Santa Tradição, a Fé de sempre e todo lugar da Igreja, é claro que estão errados.
Se os protestantes pensam que isto é arrogante ou infantil, devemos considerar que eles pensam que são qualificados para cancelar (e normalmente, ignorar completamente) dois mil anos de ensinamento Cristão. Eles pensam que a aquisição de um título de P.H.D é capaz de dar mais perspicácia em relação aos mistérios de Deus, do que a sabedoria dos milhares de fiéis, Pais e Mães de Igreja, que serviam a Deus suportando torturas e martírios terríveis, e também zombarias e prisões devido à Fé? A arrogância está em suas mentes, pois eles não buscam aprender o que é realmente a Santa Tradição, e eles mesmos decidem o que é melhor, e agora todos acreditam que entendem a Bíblia realmente.
Conclusão
Talvez a Bíblia Sagrada seja o ápice da Santa Tradição da Igreja, mas a grandiosidade da elevada altura em que a Bíblia subiu depende da grande montanha em que ela está firmada. Retirada de seu contexto, da Santa Tradição, a pedra sólida da Bíblia torna-se uma mera bola de barro, que pode ser moldada facilmente por qualquer modelador que assim desejar. Não é nada honroso distorcer e abusar da Bíblia, mesmo que isso seja feito em nome de sua autoridade. Nós devemos ler a Bíblia; a Sagrada Palavra de Deus. Mas devemos entender sua mensagem com humildade, para sentarmos aos pés dos santos que foram "cumpridores da palavra e não apenas ouvintes" (Tiago 1:22), e que provaram durante suas vidas que mereciam interpretar a Bíblia. Permita-nos seguir àqueles que conheceram os Apóstolos, como Santo Ignácio da Antioquia e São Policarpo, quando tivermos alguma dúvida sobre os escritos dos Apóstolos. Permita-nos perguntar à Igreja, e não à nossa arrogância e auto-ilusão.
NOTAS DE RODAPÉ
18. A Cleveland Coxe, trans., Ante-Nicene Fathers, vol. i, The Apostolic Fathers with Justin Martyr and Irenaeus (Grand Rapids: Eerdmans Publishing Company, 1989), p 315.
19. Na verdade, um dos mais recentes volumes dos três da teologia sistemática, de Thomas Oden, está baseado na premissa de que o "consenso ecumênico" do primeiro milênio deve ser a norma para a teologia. [c.f. see, The Living God: Systematic Theology Volume One, (New York: Harper & Row, 1987), pp ix — xiv.]. Se Oden seguir sua metodologia corretamente, ele deve se converter à Ortodoxia.
20. The Holy New Martyr Archbishop Ilarion (Troitsky), Christianity or the Church? (Jordanville: Holy Trinity Monastery, 1985), p. 11.
21. Ibid., p. 16.
22. Ibid., p. 40.
23. São Vicente de Lerins, The Fathers of the Church vol.7, (Washington D.C.: Catholic University of America Press, 1949), pp. 269-271.
24. Santo Agostinho, "Em Doutrina Cristã" A Selected Library of the Nicene and Post-Nicene Fathers. series 1, vol. ii, eds. Henry Wace and Philip Schaff, (New York: Christian, 1887-1900), pp. 534-537.
25. São Gregório Nazianzeno, ""Oration 43, Panegyric on Saint Basil," A Selected Library of the Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church, series 2, vol. vii, eds. Henry Wace and Philip Schaff (New York: Christian, 18871900), p. 398f."
FONTE:
Folheto Missionário número P106
Copyright © 2005 Holy Trinity Orthodox Mission
466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011
Redator: Bispo Alexandre Mileant
(sola_scriptura_john_whiteford_p.doc, 04-29-2005)
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