Católicos recebem o Papa Francisco em Mianmar em 2017 |
No
domingo 16 de maio o Papa Francisco celebrará uma missa na Basilica Vaticana
com a comunidade birmanesa que reside em Roma. Padre Maurice Moe Aung dos
Missionários da Fé, pede solidariedade e responsabilidade a todos os que têm no
coração o destino de um país onde a estabilidade política, social e econômica
ainda está longe.
Antonella Palermo – Vatican News
Quando - na entrevista que concede ao Vatican
News - a palavra "ditadura" tem que ser pronunciada, sua voz
fica embargada. Seu coração e pensamentos estão constantemente ligados ao seu
país natal, Mianmar, onde, segundo os dados mais recentes, 5% da população é
cristã, cerca de 700.000 são católicos. Padre Maurice Moe Aung é
um padre católico birmanês da Congregação dos Missionários da Fé. Deixou seu país
há trinta anos para estudar filosofia e teologia em Roma, depois voltou para
Mianmar e nos últimos anos retornou à Itália onde é vigário paroquial da Igreja
Mãe da Divina Graça em Ponte Galeria, Roma. Nascido no Estado de Kayah, na
fronteira com a Tailândia, ele conheceu o trabalho do PIME, que deu muito
impulso à evangelização no país asiático.
Antes dos preparativos para a Missa a ser presidida
pelo Papa Francisco para os fiéis católicos residentes em Roma no dia 16 de
maio, a comunidade dos que emigraram de Mianmar se redescobriu mais unida,
relata o padre. "Os birmaneses na Itália são principalmente estudantes. As
comunidades religiosas são numerosas e depois há os leigos que trabalham",
ele aponta. E esclarece: "O sudeste asiático tem sofrido muito. Camboja,
Vietnã, Mianmar. Não podemos mais esperar. O mundo deve nos ajudar, com
determinação".
Entrevista
Que lembranças o senhor tem de seu país?
R. - Todos amam seu país: suas origens, seus
costumes, a paisagem. Minha família é católica. Entretanto, há situações, como
acontece em outros países - em alguns países da América Latina, no Vietnã, na
China - em que se tenta sobreviver o melhor que se pode. Felizmente, consegui
sair e me tornar um sacerdote.
O senhor se sentia sufocado em sua realização como cidadão
e em sua vocação para a vida consagrada?
R. - Não apenas eu. Penso em muitos outros jovens
que já viveram isso...
Existe algum episódio, em particular, que ainda
constitua uma ferida difícil de sarar mesmo de longe e à distância do tempo?
R. - Toda a vida, toda a vida... Desde que éramos
crianças. Talvez alguém diga que não é acreditável, "deve ser uma invenção
sua"..., mas eu lhe asseguro que é tudo verdade. Um dia, por exemplo,
lembro que os militares chegaram em nossa paróquia. Eles usaram nosso telefone
sem nenhum respeito, como se fossem os proprietários da casa, para seus
próprios fins. Teria muitos episódios a contar. A Igreja Católica sempre se
empenhou sobretudo em obras sociais, mas muitas vezes, por exemplo, o trabalho
de algumas paróquias foi perseguido, controlado, e as ajudas bloqueadas...
O que faz com que vocês sigam em frente, de
qualquer modo?
R. - Antes de tudo a fé. Não há amor maior, como
ouvimos na liturgia do domingo passado, do que dar a vida por seus amigos. A
Igreja Católica está testemunhando a essência do Evangelho, o amor ao próximo,
sem distinção de raça ou crença religiosa. Trabalhamos nos últimos anos desta
forma, sem usar violência, e continuamos a fazer isso.
O que é liberdade para o senhor?
R. - Para mim, para nós, é um sonho. Continuamos a
sonhar, continuamos a ter esperança. Liberdade é poder viver sua fé sem ter
sempre que avaliar tantas outras coisas... Creio que seja para todos um desejo
primário, o mais importante, na minha opinião.
O senhor lembra do estado de espírito que tinha
quando deixou seu país pela primeira vez?
R. - Triste.
Agora não está aliviado?
R. - Não se consegue ficar aliviado. Para mim, sim,
abriu-se uma luz. Mas penso nos meus companheiros, em tantos jovens que
permaneceram naqueles anos... É uma triste lembrança.
Seus familiares?
R. - Minha família mora lá. Até alguns meses atrás
as coisas estavam indo um pouco melhor, nos últimos dez anos pudemos viver um
pouco mais livremente. Agora voltou esta situação difícil. É um pouco como reviver
os anos do passado.
Mianmar seria um país rico se pensarmos em seus
recursos naturais. Ao invés disso, existem grandes desigualdades. Como podem
ser canceladas?
R. – Isso pode ser superado apenas com a
democracia. Ultimamente, as coisas estavam melhorando, mas parece que as
esperanças desapareceram.
O senhor tem confiança nas novas gerações? Acha que
serão capazes de iniciar uma história virtuosa para o país?
R. - Sim, eu tenho fé nos jovens de hoje que estão
muito mais atualizados e preparados do que os da minha geração. Eles sabem como
se mover, no que se concentrar. Não tenho palavras para dizer o que eles estão
fazendo, a julgar pelo que vejo.
Como a Igreja Católica coexiste com outras
religiões e com os vários grupos étnicos que existem em Mianmar?
R. - Nunca tivemos grandes problemas com outras
religiões. Nós colaboramos. Como cristão, sinto que posso dizer que não teremos
muitos problemas a este respeito.
O senhor estava em Mianmar durante a visita do Papa
Francisco ao país?
R. - Não, infelizmente. Eu estava aqui. Somos
religiosos e, se não coincidir com o período de férias, não podemos nos
deslocar. Eu não tinha possibilidade voltar ao país.
À distância, o que mais o impressionou na visita do
Papa?
R. - Sua grande paternidade, sua ternura, sua
humildade. O Papa conquistou os corações também dos budistas, dos muçulmanos
graças à sua humildade.
O que a Igreja em Mianmar mais precisa?
R. - As coisas são escassas, vamos precisar de
muita ajuda, especialmente para a educação. Nossas comunidades continuam a se
dedicar à educação das crianças. Vamos precisar de ajuda material e moral.
Acrescento que é importante que o mundo reconheça nossas dificuldades, de algum
modo em Mianmar vivemos a mesma situação que outros países: por exemplo,
Iraque, Síria, Líbia. Devo reconhecer que nos últimos meses tem-se falado
muito. Também em nome do povo birmanês, acho que posso realmente
agradecer-lhes. Também pelo apoio de vários governos.
Qual é o sinal da missa celebrada pelo Papa no
Vaticano, marcada para o domingo 16 de maio para os fiéis birmaneses em Roma?
R. - É um grande sinal de esperança e de paz. Onde
quer que ele tenha ido, sempre gerou paz, esperança, amor fraternal. Neste
domingo não devemos pensar que somos os protagonistas, que é uma coisa
estreita. O Santo Padre está conosco, com o povo birmanês, mas ele está com
todos os povos que sofrem injustiça e guerra.
O senhor recorda alguma bela imagem que pertence à sua
memória quando criança?
R. - Lembro-me de minha primeira confissão, com Dom
Giovanni Battista, um missionário do PIME. Eu tremia muito, estava com muito
medo. Ele tinha uma longa barba branca... Quando fui, porém, não encontrei um
pequeno tribunal, como eu imaginava, com um juiz que te dá uma penitência. Eu
encontrei o abraço de um pai, a ternura, a misericórdia de um pai. Isso ficou
muito marcado em mim. Hoje, como sacerdote, quando me coloco à disposição para
as confissões, tento fazer com que as pessoas sintam essa emoção, esse
sentimento. Também hoje, como então, a confissão é fazer uma experiência de
misericórdia do Pai.
No fundo é a necessidade de afeto inerente à alma
de cada ser humano...
R. - Sim, com efeito. Lembro também que, quando
estávamos lá, eram feitas procissões. Podíamos andar pelas ruas. Mesmo os
budistas às vezes se ajoelham, não exatamente em adoração, mas como um sinal de
respeito pela imagem de Nossa Senhora, respeito pelo Santíssimo Jesus. Eu era
uma criança, era um acólito, não entendia muito, mas este profundo respeito
permaneceu impresso em mim, apesar da situação política. Eu estudei em um
mosteiro budista quando eu era criança, mas nunca sofri nenhuma discriminação.
Lembro que minha família morava em uma localidade onde éramos os únicos
católicos. E assim meu pai convidava pessoas de diferentes religiões para virem
à nossa casa e rezávamos juntos. Era a segunda metade dos anos oitenta. Posso
dizer que vivi uma juventude bastante pacífica, nesse aspecto.
O senhor sente que viveu ou sobreviveu?
R. - Eu vivi. Os outros não tiveram a chance que eu
tive, e lamento muito por isso, porque eles teriam mais potencial para si
mesmos, para o país, muito mais do que eu.
Qual é o seu desejo para o seu país?
R.
- De grande paz. De harmonia entre os vários grupos étnicos, isso... unidade
nacional, o amor.
Vatican News
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