Ecclesia |
Cristo, o Espírito Santo e a Igreja
Ioannis D. Zizioulas*
Trad.: Pe. André Sperandio
1. Introdução
Uma das críticas fundamentais que os teólogos ortodoxos expressaram em conexão com a eclesiologia do Vaticano II diz respeito ao "lugar" que o concílio deu à pneumatologia em sua eclesiologia. Em geral, parece que, em comparação com a cristologia, a peumatologia não foi tratada com a devida importância no ensino conciliar sobre a Igreja. Em particular, destacou-se que o Espírito Santo é introduzido na eclesiologia só depois de já estruturado o edifício da Igreja com material exclusivamente cristológico. Evidentemente, isto teve importantes consequências sobre o ensino do concílio em temas como os sacramentos, o ministério e as instituições eclesiais em geral.
A crítica pode ser válida em seu conjunto, mas quando nos perguntamos qual é o aspecto positivo, isto é, o que a Igreja Ortodoxa gostaria que o concílio tivesse feito com a pneumatologia em sua eclesiologia, enfrentamo-nos então com uma série de problemas. Em um de seus artigos, o Pe. Congar cita dois observadores ortodoxos no concílio, cujos nomes deixa respeitosamente no anonimato, que lhe disseram que, "se devemos propor um esquema De ecclesia bastaria dois capítulos: um sobre o Espírito Santo e outro sobre o cristão [1] . Esta citação é, em si mesma, uma clara indicação de como a teologia ortodoxa precisa levar à cabo uma profunda reflexão sobre a relação entre cristologia e pneumatologia, e de que o presente estado da teologia ortodoxa neste aspecto, não é absolutamente satisfatório.
Um rápido olhar para a história da moderna teologia ortodoxa no que diz respeito a este tema nos devolve à crítica do pensamento ocidental levada à cabo por Khomiakov no século XIX e à famosa idéia de sobornost que surgiu dela [2]. Khomiakov não disse nada especificamente acerca do problema que estamos tratando, mas suas opiniões fazem sentido apenas se se introduz uma boa dose de pneumatologia na eclesiologia. De fato, esta dose - que, a propósito, já havia sido generosamente dada à eclesiologia por um contemporâneo católico de Khomiakov, Johannes Möhler, em sua obra Die Einheit [3] - foi tão forte que fez da Igreja uma «sociedade carismática» mais que o «Corpo de Cristo». Isto levou teólogos ortodoxos posteriores, especialmente o Pe. Jorge Florovsky, a reiterar com especial ênfase que a doutrina da Igreja é um «capítulo da cristologia» [4]. Ao fazer isso, Florovsky colocou de forma indireta o problema da relação entre cristologia e pneumatologia, sem oferecer, não obstante, uma solução. De fato, há razões para crer que, mais que sugerir um síntese, inclinou-se por uma abordagem cristológica em sua eclesiologia.
O teólogo ortodoxo de nosso tempo que estava destinado a exercer a maior influência neste tema foi Vladimir Lossky. Suas opiniões são conhecidas, mas, em particular, é preciso mencionar dois aspectos: o primeiro é que há uma «economia do Espírito Santo» específica junto à do Filho [5]. O segundo, que o conteúdo da pneumatologia, diferentemente do da cristologia, deveria definir-se em termos eclesiógicos como referindo-se à «personalização» do mistério de Cristoi, sua apropriação pelo fiel que poderia denominar-se o aspecto «subjetivo» da Igreja (o outro, o objetivo, é próprio da cristologia) [6].
Assim, com ajuda do esquema «natureza frente à pessoa» Lossky defendeu que tanto a cristologia como a pneumatologia são componentes necessários da eclesiologia, e viu na estrutura sacramental da Igreja o aspecto cristológico «objetivo», que deverá estar constantemente acompanhado pelo aspecto «pessoal» ou «subjetivo». Este último se refere à liberdade e integridade de cada pessoa, à sua vida espiritual interior, à sua deificação etc. Parece oferecer possibilidades para uma síntese entre cristologia e pneumatologia na eclesiologia. No entanto, o esquema que elabora converte a abordagem de Lossky em algo enormemente problemático, como veremos posteriormente. Pelas mesmas razões, também seu primeiro aspecto, referido à «economia específica do Espírito», é questionável, e de fato faz da síntese algo tão complicado que deve ser abandonada.
Lossky não tirou conclusões das implicações que sua abordagem tinha para a estrutura real ou para as instituições da Igreja. O problema sobre como relacionar o institucional com o carismático, os aspectos cristologicos da eclesiologia com os pneumatológicos, ainda espera ser considerado pela teologia ortodoxa.
Os outros dois teólogos ortodoxos atuais que ressaltaram a importância da pneumatologia na eclesiologia reconheceram as dificuldades inerentes a qualquer dissociação entre a cristologia e pneumatologia. Nikos Nissiotis e o padre Boris Bobrinskoi sublinharam que a obra do Espírito Santo e a de Cristo caminham juntas e não podem ver-se separadas. Esta é uma correção importante às abordagens de Khomiakov e, em grande medida, de Lossky, ainda que a prioridade dada a pneumatologia se mantém tanto em Nissiotis como em Brobinskoy [7]. Não obstante a questão acerca de como a pneumatologia e a cristologia podem se unir em uma síntese completa e orgânica continua em aberto. Trata-se provavelmente de uma das questões mais importantes enfrentadas atualmente pela teologia Ortodoxa.
Como sugere esta breve revisão histórica, a teologia ortodoxa não tem uma resposta preparada para oferecer a esses problemas. Frequentemente se crê que a ortodoxia pode oferecer sua contribuição nos debates ecumênicos oferecendo sua pneumatologia. Isto pode ser verdade em certa medida, especialmente se o aporte ortodoxo serve para corrigir os excessos ocidentais na eclesiologia. Porém, na hora de fazer justiça aos componentes básicos, a tradição ortodoxa mesma ou – e isto é o mais importante - na hora de apresentar propostas positivas para enfrentar os problemas ecumênicos atuais, claro está que a teologia ortodoxa precisa colaborar com a teologia ocidental se quer ser útil a si mesma e aos outros.
Este breve estudo irá refletir sobre problemas e preocupações referentes à ortodoxia mesma que não é, em absoluto, imune a problemática pós-conciliar. A síntese adequada entre cristologia e pneumatologia é um assunto pendente, tanto para a ortodoxia como para o Ocidente.
Notas:
[1] Y. Congar, Actualité d'une pneumatologie: Proche-Orient Chrétien 23 (1973) 121-132, aquí 121.
[2] A. S. Khomiakov, L'Église Latine et le Protestantisme au point de vue de l'Eglise d'Orient, 1872; W. I. Birkbeck (ed.) Russia and the English Church during the last Fifty Years 1, 1895; G. Florovsky, Sobornost: The Catholicity of the Church, en The Church of God. An Anglo Russian Symposium, 1934; A. Gratieux, A. S. Khomiakov et le Movement slavophile I-II, 1939; E. Lanne, Le mystère de l'Eglise dans la perspective de la théologie orthodoxe: Irénikon 35 (1962) 171-212; esp. E. Suttner, Offenbarung, Gnade und Kirche bei A. S. Khomiakov, 1967; y recientemente, P. O'Leary, The Triune Church. A Study in the Ecclesiology of A. S. Khomiakov, 1982.
[3] J. A. Möhler, Die Einheit in der Kirche, oder das prinzip des Katholizismus, 1825. Cf. Y. Congar, La pensèe de Möhler et l'eclésiologie orthodoxe: Irénikon 12 (1935)) 321-329.
[4] G. Florovsky, Le corps du Christ vivant, en Le sainte Église universelle, Confrontation aecumenique, 1948, 12. Cf. también el estudio de J. Romanides, Orthodox Ecclesiology according to Alexis Khomiakov: The Greek Orthodox Theological Review 2 (1956) 57-73.
[5] Cf. V. Lossky, The Mystical Theology of the Eastern Church, 1957, especialmente 135ss, 156ss, 174ss.
[6] Cf. ibid.; também seu In the Image and Likeness of God, 1974, especialmente o capítulo 9.
[7] Cf. N. Nissiotis, The Importance of the doctrine of the trinity for Church Life and Theology, en A. J. Philippou (ed.) The Orthodox Ethos, 1964, especialmente 62-63; N. Nissiotis, Pneumatologie orthodoxe, en F. J. Leenhard e outros, Le Saint-Esprit, 1963; B. Brobinskoy, Le Saint Esprit dans la liturgie: Studia Liturgica 1 (1962) 47-60; Id., Présence réelle et communion eucharistiche: Revue des Sciences philosophiques et théologiques 53 (1969) 402-420.
Referência:
*ZIZIOULAS, Ioannis D. . Cristo, el Espírito y la Iglesia. In: ZIZIOULAS, Ioannis D. El Ser Eclesial. Persona, comunión, Iglesia . 1ª. ed. Salamanca: Sígueme, 2003. cap. 3, p. 137-155.
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