Ecclesia |
Cristo, o Espírito Santo e a Igreja
Ioannis D. Zizioulas*
Trad.: Pe. André Sperandio
4. Conclusões
Permitam-me concluir resumindo os aspectos mais importantes que tentei mostrar neste capítulo, apreciando o que disse à luz da situação real da ortodoxia em nossa época. Tratei da cristologia da pneumatologia e das instituições eclesiais na teologia ortodoxa, não na prática ortodoxa. Entretanto, o que disse não é mera teoria; deriva da experiência histórica, inclusive se esta experiência histórica tende a ser uma remota recordação do passado. Destaquei os seguintes aspectos:
1. A teologia Ortodoxa ainda não elaborou uma síntese adequada entre cristologia e pneumatologia. Sem esta síntese é impossível compreender a tradição ortodoxa em si ou aportar algo ao diálogo ecumênico de nossa época.
2. O mais importante sobre esta síntese é que a pneumatologia deve ser constitutiva da cristologia e da eclesiologia, isto é, algo que condicione o ser mesmo de Cristo e da Igreja. Isto somente pode ocorrer se se introduz dois ingredientes específicos da pneumatologia na ontologia de Cristo e da Igreja. Estes ingredientes são a escatologia e a comunhão.
3. Se a igreja é constituída graças a esses dois aspectos da pneumatologia, toda noção piramidal desaparece da eclesiologia. O «uno» e os «muitos» coexistem como dois aspectos do mesmo ser. A nível universal isto significa que as Igrejas locais constituem uma Igreja mediante um ministério ou uma instituição que se compõe simultaneamente de um primus e de um sínodo do qual ele é um primus. A nível local, significa que a cabeça da Igreja local, o bispo, está condicionado pela existência de sua comunidade e dos demais ministérios, especialmente o presbitério. Não há ministério que não necessite dos demais ministérios; nenhum ministério possui a plenitude, a totalidade de graça e poder independentemente dos demais ministérios,
4. Igualmente, ao estar condicionado pneumatológicamente o ser da Igreja, as instituições eclesiais se abrem a sua perspectiva escatológica. Muitas vezes se lhes concede demasiada historicidade às instituições eclesiais. A ortodoxia sofre com frequência de meta-historicismo. O Ocidente sofre de uma historicização de suas instituições eclesiais. O Ethos litúrgico da ortodoxia provavelmente tornará impossível que esteja totalmente envolvida na história, ainda que não tenha impedido a aparição de movimentos de libertação, como os da guerra da independência grega no século XIX. Porém, para justificar qualquer instituição eclesial permanente necessita-se de uma perspectiva escatológica; a história não é suficiente.
5. Finalmente, se a pneumatologia é algo constitutivo da eclesiologia, a própria noção de instituição se vê profundamente modificada. Somente de uma perspectiva cristológica é que se pode falar da Igreja como in-stituída (por Cristo), porém, de uma perspectiva pneumatológica temos que falar dela como con-stituída (pelo Espírito). Cristo in-stitui e o Espírito con-stitui. A diferença entre essas duas proposições (in- e con-) pode ser enorme para a eclesiologia. A «instituição» é algo que se nos apresenta como um fato, mais ou menos como um fait-accomplit. Como tal, é uma provocação a nossa liberdade. A «constituição» é algo que nos implica em seu próprio ser, algo que aceitamos livremente, porque participamos em sua aparição. No primeiro caso a autoridade é algo que se nos impõe, enquanto que no segundo é algo que surge de entre nós. Se se concede a pneumatologia um papel constitutivo na eclesiologia, todo tema do Amt und Geist , ou do «institucionalismo» se vê afetado. A noção de comunhão há de aplicar-se a ontologia mesma das instituições eclesiais, não apenas ao seu dinamismo e eficácia.
Contudo, consideremos a situação real e presente: quanto disto existe de fato e quanto pode ainda existir ou chegar a existir? O fato de que a ortodoxia não tenha experimentado situações similares às Igrejas ocidentais, como o problema do clericalismo, do anti-institucionalismo, do pentecostalismo etc., pode tomar-se como um indício de que em grande medida a pneumatologia salvou a vida da ortodoxia até agora. Não há sinal de tendências anti-institucionais na Igreja ortodoxa, ainda que na Grécia se possam observar atualmente alguns sinais esporádicos. Porém, a situação real da ortodoxia, tanto a nível teológico como canônico, já não faz Justiça à tradição sobre a qual refletiu minha exposição. As instituições sinodais já não refletem o verdadeiro balanço entre o «uno» e os «muitos», às vezes porque o «uno» ou os «unos» ignoram os «muitos». Certamente, o mesmo se pode dizer da vida eclesial local: a comunidade quase desapareceu e o número de bispos titulares aumenta rapidamente. O único nível no qual se mantém o balanço adequado entre o «uno» e os «muitos» é o litúrgico: é a liturgia o que ainda salva a ortodoxia? Quem sabe seja assim. Porém, por quanto tempo ainda? Ao compartilhar cada vez mais a cultura ocidental, a ortodoxia também compartilha os problemas das igrejas ocidentais. Assim, o problema das instituições eclesiais logo se converterá, existencialmente falando, em um problema ecumênico.
Porém, o que se pode fazer? O Vaticano II deu esperanças e fez promessas para muita gente de que era possível fazer algo. Não sou um expert na teologia do concílio; creio, porém, que uma das direções para onde apontou pode ser particularmente importante: a introdução da noção de comunhão na eclesiologia. Isto, combinado com a redescoberta da importância do λαός του Θεού (povo de Deus) e da Igreja local, pode ajudar inclusive aos ortodoxos a serem fiéis à sua identidade. Porém, há de se fazer muito mais, porque o Vaticano II não completou sua tarefa. O que um ortodoxo que compartilha as perspectivas desta exposição gostaria que se fizesse - quiçá por um Vaticano III - é tirar as conclusões ontológicas da noção de comunhão. Necessitamos uma ontologia da comunhão. Necessitamos que a comunhão condicione o ser mesmo da Igreja, não seu bem-estar, mas seu ser. A nível teológico, isto suporia conceder um papel constitutivo a pneumatologia, não um dependente da cristologia. Isto não fez o Vaticano II, porém, sua noção de comunhão o pode fazer. Quiçá isto transformará as instituições eclesiais automaticamente. Suprimirá qualquer estrutura piramidal que ainda possa restar na Igreja. Pode fazer, inclusive, que a pedra de toque da unidade da Igreja, o ministério do papa, seja visto de maneira mais positiva. Tudo isto, e quem sabe muito mais, depende de uma síntese adequada entre cristologia e pneumatologia na eclesiologia.
Referência:
*ZIZIOULAS, Ioannis D. . Cristo, el Espírito y la Iglesia. In: ZIZIOULAS, Ioannis D. El Ser Eclesial. Persona, comunión, Iglesia . 1ª. ed. Salamanca: Sígueme, 2003. cap. 3, p. 137-155.
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