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domingo, 20 de junho de 2021

Cooperativismo jesuítico-guarani, uma semente de fraternidade (Parte 3/3)

Caminho das Missões, em Jesus PY - Foto; José Roberto de Oliveira

Cooperativismo jesuítico-guarani

"Um processo de cooperação é extremamente importante para o mundo novo que nós sonhamos, para esse mundo mais igualitário, mais fraternal". A cooperação deve ser o fundamento do nosso mundo cristão, porque é um jeito de romper os individualismos que existem dentro de cada um de nós, afirma o pesquisador das Missões jesuítico-guaranis, uma "utopia" que existiu na América do Sul nos séculos XVII e XVIII.

Jackson Erpen – Cidade do Vaticano

Essa “experiência” vivida no sul da América do Sul, das Reduções jesuítico-guaranis, foi um sonho que acabou sendo destruído pelo conflito de interesses entre as Coroas portuguesa e espanhola. Há vozes que dizem que haveria por parte dos próprios jesuítas, não de maneira geral, escravização de indígenas dentro das Reduções. O que você poderia dizer sobre esse tipo de observação, que vem inclusive de alguns antropólogos.

Veja, tu tens razão, todavia, eu sou um defensor do processo histórico-cultural que aconteceu aqui. A história ela é inexorável! Em 1629 em diante, os luso-brasileiros, os bandeirantes especialmente, buscaram os índios guaranis como escravos. Todo mundo sabe disso, apesar de que, por exemplo no Brasil, o bandeirantismo é louvado como o “grande herói pátrio”. Mas veja, só eles, os bandeirantes, naquele período entre 1629 e 1645, eles mataram 600 mil guaranis. 300 mil levando como escravos e depois na maioria deles dava uma tristeza, o Banzo que os negros chamam, morriam de tristeza ali em São Paulo, Rio, na região de São Vicente. Nos ataques, mas 300 mil foram mortos, ou seja, então 600 mil foram mortos naquele período, isso no mundo luso-brasileiro. No mundo espanhol, os índios eram encomendados, os seja, las encomiendas. O que é isso? Quando você ganhava um conjunto de terra, eram grandes áreas, duas, três, quatro, cinco, seis sesmarias, ou seja, multiplica por 8.600 hectares qualquer um desses números, então dentro dessa área, no mundo espanhol, havia obviamente indígenas que viviam milenarmente naquele lugar ali, famílias, aldeias. Então esses indígenas eram encomendados, ou seja, era uma espécie de escravidão, mas no mundo espanhol era proibido se falar e dizer que você tinha escravos. Eram escravos também, todo mundo sabe disso. Por quê? Porque eram obrigados a dar tantos dias de serviço ao dono da terra, ao novo dono da terra que ganhou do governo espanhol. Veja que os guaranis reduzidos eles tinham uma terceira hipótese.

Quer dizer, a primeira hipótese, ou você era encomendado, do mundo espanhol, ou era escravo do mundo português - porque eles buscavam os guaranis, porque eles eram os únicos agricultores nessas terras planas da América, no Sul América do Sul. Então os guaranis plantavam milenarmente batata-doce, amendoim, mandioca, toda sua produção, que era o normal deles, eles eram agricultores, eram seminômades, é verdade, mas eram agricultores. Então eles precisavam muito de mão de obra, tanto no mundo espanhol como no mundo luso-brasileiro.

“Então, as Reduções são uma via possível de não ser escravizado no modelo bandeirante ou das encomiendas.”

Então veja que havia uma escolha livre. O cooperativismo exige isso, que as pessoas escolham livremente estar naquele processo, isso é elemento central do cooperativismo. Então veja que eles ficavam nas Reduções jesuíticas exatamente porque não queriam ser escravizados. E o que eu chamo de inexorável? Inexorável é isso, havia três hipóteses: ou ser escravo, ou ser encomendado ou ficar nas Reduções. Claro, que alguns índios ficaram na selva, como por exemplo os mbiás [Mbyá, M'byá, Guarani Mbya, Mbyá-Guarani ou embiás] que hoje estão mais perto das cidades, foram terminando essas grandes áreas de florestas, e os mbiás hoje estão presentes, como estão aqui na região. Mas os guaranis que foram cristianizados não foram os mbiás, foram outras tradições guaranis. Então centralmente é isso.

Mas veja que o modelo de cooperação, ele exige que as pessoas deem isso, cada um de acordo com sua capacidade. Então, veja que o modelo que se trabalhou foi um modelo de cooperação. E a história é inexorável. Ajudaram, colaboraram, fizeram, por exemplo os jesuítas mais importantes dentro da Igreja, naquele período dos anos 1600-1700? Sim! Agora ocorreu um grande desenvolvimento em termos de tecnologia, de educação, de conhecimento para essas famílias? Também sim! Então buenas, vamos dizer, cada um que vê, olha com os seus olhos. Talvez um antropólogo dissesse: ‘Ah! Os jesuítas nunca podiam ter cristianizado os guaranis!’ Mas veja, que a história é inexorável. A vinda deles para a América, vem exatamente nessa linha do desenvolvimento do cristianismo, do conhecimento, da educação, do processo da industrialização que é o centro dos jesuítas, que é isso, um cristão dos fazeres, não é um cristão do rezar. Claro que reza também, mas é acima de tudo um cristão que faz coisas, que desenvolve econômica e socialmente aquela sociedade. E este processo é o processo que se deu. Então é possível que alguém olhe com esses olhos que a tua pergunta fez, é possível, mas essa pessoa esquece o inexorável processo histórico daquele passado, daqueles anos 1600-1700, quem sabe um pouquinho até antes, os 1585 em diante. Então é muito importante e hoje eu vejo que a sociedade analisa isso, mas eu faço essa minha fala nesse sentido, de que é importantíssimo que não se veja simplesmente com os olhos simplesmente de 2021, mas que se olhe com os olhos daquele 1585, do 1609 ou do 1700. Como era a sociedade e como eram as exigências tanto do rei de Espanha como do reinado de Portugal. Como eles exigiam...

“Se há uma coisa inexorável é 1492, que foi o descobrimento, a ocupação da América.”

Quer dizer, essa data é inexorável, porque a partir disso os europeus, como todo mundo sabe, exigiam que se retirasse, se encontrasse nestas terras as riquezas, as que haviam: prata, ouro, pedras preciosas – especialmente esses três elementos – mas quando não tinha isso nas terras, se exigia produção. Então, se algo é inexorável é a história que ocorreu e que foi efetivamente a que ocorreu, e com todas as lutas e com todos os heróis que sucederam neste período todo e com o povo que está aqui vivo hoje na América Latina. Então, nós somos todos – mesmo aquelas famílias alemãs, italianas, polonesas e tantas outras etnias que vieram para cá depois - nós somos muito reflexo desse processo histórico todo e que nos diz, que nos dá os sobrenomes que nós temos hoje, e o nosso modo de ser, que os guaranis chamam de Ñde reko, que é o modo se ser das pessoas, cada um com um pouquinho mais ou um pouquinho menos de inflexão desse processo histórico.

Catedral de Santo Ângelo e peregrinos.
Foto: José Roberto de Oliveira

Fazendo um salto do passado para o presente, mas também com uma perspectiva futura: como o cooperativismo pode representar um contraponto, e também porque não o modelo e uma esperança em um mundo que a gente vive, às vezes tão egoísta individualista?

O processo de cooperação ele nasce dentro de cada um de nós, através de uma coisa que eu chamo de “índice de capacidade humana e social do desenvolvimento”, que esse é meu trabalho de mestrado, é a minha pesquisa toda que eu fiz, ela acabou se transformando num livro chamado “Índice de capacidade humana e social do desenvolvimento”, que é um índice matemático – eu estudei engenharia, então eu penso também em números. Então tem lugares que são mais empreendedores, tem lugares que têm níveis de empreendedorismo, níveis de conhecimento sobre os temas, níveis de confiança, que é fundamental entender por que algumas comunidades desenvolvem e outras não, que é o nível de confiança existente naquele lugar, ou seja, o capital social existente naquele lugar. Então essas relações elas dizem que cada um de nós, ele se integra a um processo de desenvolvimento de diversas formas. Algumas pessoas são extremamente individualistas e que precisamos de pessoas que trabalham com essas ideias mais individualistas no mundo. Mas precisamos também de ideias de mais cooperação no mundo. Então tem pessoas que têm índoles maiores de serem cooperadores com processo de desenvolvimento local, regional e de países. Então, essa forma de pensar da cooperação ela interage e age de diferentes formas dentro de cada um de nós. Algumas pessoas têm índoles para serem funcionários, outras pessoas têm para serem empreendedores, outras querem ser empreendedores, mas têm dificuldades econômicas, essas questões naturais da vida. Então, o processo de cooperação é um processo que pode ser criado dentro das mentes das pessoas, para isso precisa aprender isso e obviamente muito mais que aprender, colocar isso no coração das pessoas.

Então veja que o mundo precisa muito de cooperação, tanto para o desenvolvimento das comunidades mais pobres, você sabe que nós temos em grande quantidade no Brasil e no conjunto todo da América Latina, então a cooperação ela deve ser incentivada, ela deve ser adubada, vamos dizer assim, no conjunto da sociedade, no sentido que nós possamos nos unir e comunidades unidas, elas têm poder imenso, até poder político mesmo, essa coisa do voto mesmo, e no cooperativismo, não importa o tamanho do teu capital, importa é que você tenha o valor de um voto, então todo o processo de cooperação, isso é fundamental. E veja que na vida a gente tem que pensar nas coisas também.

“Então, um processo de cooperação ele é extremamente importante para o mundo novo que nós sonhamos, para esse mundo mais igualitário, mais fraternal.”

Quer dizer, essas ideias lá da Revolução Francesa elas deveriam estar presentes hoje em cada um de nós, na nossa luta diária, no escrever, no dizer, no fazer isso especialmente. E o cooperativismo, a cooperação ela deve ser o fundamento do nosso mundo cristão, porque é um jeito de romper esses individualismos e que está dentro de cada um, sem dúvida nenhuma. Mas veja que é uma luta diária, para nós nos melhorarmos como pessoa, como gente, como cristão, e começar a pensar nesse mundo novo, mais irmão, mais cooperador, mais de ajuda mútua mesmo, com mais “amor”, que é o centro, parece, da ideia da cooperação.

Ruínas de São Miguel Arcanjo.
Foto: José Roberto de Oliveira

Uma mensagem final...

Sempre agradecer pela condição nossa de falar sobre as Missões e convidar as pessoas – eu vejo que as nossas falas têm refletido muito. Eu recebi vários comunicados via whatsapp, telefonemas de gente de vários países, falando da importância que foi a nossa última conversa, e essa de agora com certeza também vai refletir muito e que as pessoas acabam também pensando sobre essas coisas todas e conhecendo toda essa nossa história de Missões. Então nós convidamos as pessoas também para virem para cá, para verem diretamente essa história que ainda está vivíssima, esse mundo bonito da terra vermelha, que aqui une três países e especialmente nós aqui do lado brasileiro. Então convidamos a nossa gente do país, do Brasil, mas também gente de toda a América Latina e europeus que venham conhecer essa experiência cristã, fundamental para o mundo que se construiu e que temos hoje, e que se Deus quiser, teremos no futuro um mundo mais irmão, mais fraterno, mais igualitário.

*José Roberto de Oliveira é natural de Santo Ângelo (RS), engenheiro de formação, na área da Topografia e Cartografia; foi por longo tempo docente na URI (Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões); diretor de desenvolvimento do Turismo no Rio Grande do Sul; um dos fundadores do Ministério do Turismo; criador em 2012, junto com os jesuítas, mais argentinos e paraguaios, da “Nação Missioneira”; foi criador do Circuito Internacional Missões Jesuíticas e representante brasileiro no Mercosul, também em função de seu envolvimento no tema das Missões.

Fonte: Vatican News

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF