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Mercado editorial busca reerguer-se após crises e pandemia
NEGÓCIOS Rápidas transformações tecnológicas e economia debilitada impõem grandes desafios a gráficas e editoras. Mesmo com a pandemia, há luz no fim do túnel.
por 23/06/2021. em
Durante os mais de 40 anos de profissão, Antelo vivenciou em primeira pessoa a era de ouro e a decadência dos mercados gráfico e editorial. Em 2018, testemunhou o auge da crise, quando a Editora Abril e as duas maiores redes de livrarias do país – Saraiva e Cultura – entraram em recuperação judicial. Neste início de 2021, a gráfica em que trabalhou por quatro décadas fechou as portas definitivamente.
Hoje, aos 58 anos, Antelo atua como consultor independente, compartilhando com as empresas que ainda resistem todo o conhecimento adquirido nesse ramo que ele nunca deixou de amar. “O mercado gráfico e editorial é apaixonante. Uma vez dentro, é muito difícil sair. Estou nele há 45 anos e pretendo ficar por mais algum tempo. Eu amo tudo isso. Isso é uma sensação que quem trabalha nesse mercado tem; apesar de ser um trabalho estressante, sem horário e sem dia, ele é bem contagiante”, afirma Antelo, que é graduado em gestão da produção industrial.
O profissional lembra-se com saudades dos bons tempos. “Tinham grandes projetos, investimentos em maquinário, em novas plantas, novas tecnologias”, tudo impulsionado pelas grandes tiragens de revistas, livros, catálogos, tabloides etc. “Eu lembro que naquela época a revista Veja chegou a fazer um milhão e duzentos, um milhão e trezentos de tiragem”, revela Antelo.
Para ele, a crise está diretamente ligada à gradual disseminação das publicações on-line, que derrubaram a demanda e provocaram uma migração de boa parte da publicidade para outras mídias, deixando os parques gráficos com enorme capacidade ociosa. “Devido às compras de equipamentos e investimentos feitos em décadas anteriores, os clientes começaram a buscar alternativas para redução de preço. Como as gráficas estavam com muitos equipamentos e muitos deles até parados, começou-se a fazer uma redução enorme de margem [de lucro] e aí grandes gráficas começaram a entrar em colapso”, explica.
QUEDAS EM SÉRIE
De acordo com a série histórica da Pesquisa de Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, realizada anualmente pela FIPE (até 2018) e pela Nielsen (a partir de 2019), as editoras tiveram queda de faturamento de aproximadamente 25% entre 2006 e 2018, já considerada a inflação. As perdas foram mais acentuadas entre 2013 e 2018 (e particularmente entre 2013 e 2015, como se pode verificar no gráfico da página ao lado), coincidindo com a crise econômica que atinge o país.
Segundo Vitor Tavares, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL) – que financia a pesquisa em parceria com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) –, apesar de todas essas dificuldades, o setor está reagindo. “Isso tudo foi reflexo da crise econômica, da crise política. Quando você tem menos empregos, o poder aquisitivo da população é menor, então interfere no consumo do livro. Mas o que a gente mais sentiu foi a quebra das duas maiores redes de livrarias. Quase 40% da produção do livro em papel no varejo era escoada pela Saraiva e pela Cultura. Depois do primeiro impacto, o mercado foi se acomodando, se reinventando e, usando muita criatividade, conseguiu estancar essa queda.”
Em 2019, o faturamento surpreendeu e teve crescimento de 6,1% (cujo valor corrigido pela inflação chegou a 10,7%), o que ajudou a amenizar as perdas dos anos anteriores e criou grandes expectativas para o futuro. No entanto, a retomada acabou arrefecida pela Covid-19.
“Tudo indicava que 2020 seria o ano da virada no setor editorial e livreiro. Aí veio a pandemia. De fato, naquele primeiro momento, nos dois primeiros meses, foi algo muito traumático, muito assustador para todos, tanto para o editor, quanto para distribuidor, quanto para o livreiro. Fecharam tudo, ninguém sabia o que ia fazer”, conta Tavares. “A gente estava esperando ter um crescimento em 2020 da ordem de 6,7%, mas no primeiro momento da pandemia a queda foi assustadora. Nos primeiros três meses foi algo em torno de 20 a 30% dependendo da editora”, explica.
Passado o susto, no entanto, as coisas voltaram a melhorar. “A gente percebeu que as pessoas em casa também tinham a leitura como um dos seus entretenimentos. As vendas de livros pela internet tiveram um aumento da ordem de dobrar o faturamento”, afirma Tavares.
O presidente da CBL também notou um aumento na venda dos livros digitais (e-books), que, segundo ele, vieram para ficar, mas não para substituir os impressos. “As pessoas às vezes fazem o download e o livro é tão bom que a pessoa acaba comprando o livro em papel e vice-versa. São duas plataformas complementares”. Por outro lado, ele acredita que as vendas de livros pela internet se tornarão predominantes, pela comodidade que oferecem, mas que isso não inviabilizará a existência de boas livrarias físicas especializadas.
REVISTAS
A crise do mercado editorial também debilitou a produção jornalística impressa, em particular as revistas. Tanto os veículos de grande circulação, como a Veja, quanto aqueles voltados a determinados nichos de mercado, como a Cidade Nova e a Família Cristã, foram atingidos.
A Irmã Viviani Moura, 33, jornalista e diretora da publicação da Congregação das Irmãs Paulinas, fala um pouco sobre sua experiência: “Com o advento da internet, muitas mudanças aconteceram de forma muito rápida, alterando rumos, costumes e meios. Hoje, as pessoas têm a possibilidade de um maior acesso à informação e houve um aumento no consumo de conteúdo digital. A editora Paulinas também foi envolvida nesse processo de mudanças e investe no livro digital. Com a revista Família Cristã, aconteceu o mesmo. Ao longo de 86 anos de história, a revista precisou se reinventar em muitos momentos para continuar cumprindo a sua missão”, explica.
“Hoje, a revista é oferecida como um portal de conteúdos voltado para toda a família, trazendo os leitores que já eram leitores da revista impressa e alcançando as gerações jovens, familiarizadas com o digital. Nesta nova fase da Família Cristã, o trabalho nas redes sociais tem sido fundamental, pois é o ambiente no qual as famílias estão presentes”, conclui a jornalista, para quem o investimento no universo digital tem proporcionado muitos aprendizados.
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