Índio Munduruku | Vatican News |
O
povo indígena Munduruku, da região de Jacareacanga, no sudoeste do Pará, tem
sofrido com ameaças contra à vida e à saúde, além da falta de segurança que tem
gerado mortes e garimpos ilegais no território. O Vatican News entrou em
contato com a Missão Santa Teresa do Tapajós, que atua no local. Os frades
confirmaram que a segurança pública federal tem "marcado forte
presença" para controlar a situação, mas os conflitos têm obrigado "o
comércio a fechar as portas. O povo com medo, se recolhe. Parece quase como uma
milícia do Rio de Janeiro. A gente precisa agir com prudência, pois está no
meio do fogo cruzado. Agora, após algumas prisões de contraventores, reina uma
calmaria, mas sujeita a surpresas", afirma Frei Marcos Juchem Júnior.
Andressa Collet - Vatican News
Termina nesta sexta-feira (18), no Supremo Tribunal
Federal, o julgamento sobre medidas a serem adotadas para garantir a proteção
da vida, da saúde e da segurança dos indígenas nas terras Yanomami e Munduruku.
Na quarta-feira (16), a maioria dos ministros já havia votado - em plenário
virtual - a favor de determinar ao governo federal a adoção das medidas em
virtude de ação de partidos e entidades indígenas que alegam, entre outros,
ataques aos locais que geraram mortes, garimpos ilegais e situação de saúde
precária.
Entenda o caso
A região de Jacareacanga, no sudoeste do Pará, há
semanas tem sofrido com ataques contra lideranças do povo Munduruku que se
opõem ao garimpo ilegal nas suas terras. Tanto que a Justiça Federal em
Itaituba/PA, a pedido do Ministério Público Federal, já havia ordenado na
terça-feira (15) o retorno do efetivo de segurança pública ao local para
restabelecer a ordem pública.
Os indígenas Munduruku, presentes em municípios
como Itaituba e Jacareacanga, no Pará, historicamente lutam pelo reconhecimento
dos seus direitos e da demarcação das terras na Amazônia. O povo também alega
sofrer ameaças e que o território tem sido alvo de mineração e extração de
madeira ilegais, gerando uma série de problemas sociais locais, como conflitos
entre garimpeiros e indígenas.
O apoio da Igreja no local
O Vatican News entrou em contato com a Missão Santa
Teresa do Tapajós, que atua no local. Os frades Marcos Juchem Júnior e Ari de
Souza confirmaram que a segurança pública federal tem "marcado forte
presença por agora" e que eles têm ajudado a Polícia Federal "a
localizar alguma liderança indígena que era contra o garimpo para poder receber
proteção, pois estava sendo ameaçada". O Frei Marcos, que inclusive
participou de uma reunião com a Polícia Federal, o Ibama e a Força Nacional
para falar sobre a situação local, revelou que o ambiente também sofre com
posições contrárias, já que há indígenas favoráveis ao garimpo:
“Eles
fizeram duas fortes concentrações contra a presença dos homens da lei que
vieram reprimir e destruir a atividade garimpeira, inclusive obrigando o
comércio a fechar as portas. O povo com medo, se recolhe. Parece quase como uma
milícia do Rio de Janeiro. A gente precisa agir com prudência, pois está no
meio do fogo cruzado. Agora, após algumas prisões de contraventores, reina uma
calmaria. Mas aparecem surpresas, pois a região é imensa de floresta e
distâncias.”
O Frei Marcos quando esteve em reunião com representantes da segurança pública |
Leia a seguir a declaração dos frades presentes em
Mundurukania sobre a situação dos indígenas:
Frei Marcos Juchem Júnior e Frei Ari de Souza*
Os carmelitas descalços estão aqui na Amazônia desde de junho de 2015. O tema dos indígenas é muito complexo e não se pode com algumas afirmações dar uma panorâmica da realidade daqui. Vamos expor alguns aspectos, que parecem ser de pouca importância, mas no seu conjunto se poderá dar o estado real dos últimos anos e acontecimentos ocorridos em um curto tempo para cá.
É de fato preocupante a situação aqui em Jacareacanga, envolvendo a situação
dos nativos Munduruku. Ao ler a entrevista de Maria Leusa, líder
indígena, e de algumas outras lideranças, se pode ver o quanto é delicado o
contexto que se apresenta no tempo atual: "estamos ficando na miséria, sem
rio e sem floresta, com tudo destruído. Estamos com nossos filhos doentes,
perdendo nossos anciãos pela Covid por conta da invasão, e perdendo peixe,
principalmente naquelas regiões [mais] invadidas." Claro que
deveremos entender essa afirmação que, em poucas palavras, apresenta uma
fotografia, de alguns aspectos muito centrais e importantes, atingidos pela
atividade adversa do garimpo na reserva indígena.
Os rios continuam, alguns poluídos e contaminados
pelo garimpo; a floresta da Mundurukania continua 99% de pé, e houve mortes de
nativos por causa da Covid-19. Temíamos que seria muito pior, como no início
foi alarmado, mas nos solidarizamos com os falecimentos havidos. Mesmo os
indígenas tinham prioridade na vacinação, embora alguns se recusem a receber a
vacina.
Segundo meu limitado conhecimento de toda a complexidade, no que me é possível,
coloco uns pontos para reflexão. Aqui não julgo. E longe de culpar os
nativos. Procuro apresentar uns temas e questões que constatamos com o único
intuito de despertar a gravidade e delicado contexto aqui presente, para ajudar
e conseguirmos formas de ajudar os irmãos indígenas.
Creio que a atual problemática do garimpo é também um reflexo
e consequência de uma realidade mais ampla que, agora, recrudesceu, mostrando
pontos críticos e delicados presentes nesta região amazônica. É fato que o
branco está garimpando muito no Estado do Pará: o ouro, a cassiterita nesta
região do sudoeste do Estado. Descobrindo o ouro na Mundurukania, o branco se
meteu na área indígena com o assentimento de alguns indígenas, o que causou uma
forte divisão entre os nativos, provocando esses conflitos, enfrentamentos
entre os indígenas contra e a favor do garimpo, onde o branco - com a sua
influência - está presente e, com técnicas e tratores, faz uma exploração forte
do ouro e da cassiterita, deixando um grande estrago na natureza.
Existem causas que agudizam esta realidade na Mundurukania, que vem de mais
tempo. Apresento alguns pontos delicados e importantes. Nos últimos anos
houve um aumento bastante considerável do número de nativos Munduruku. Se 25
anos atrás eram em 5 mil, hoje são 15 mil. Isso requer sempre mais condições e
meios para a sua subsistência. Os rios são os mesmos; os peixes já pescados do
rio para os nativos se alimentarem, não existem mais. Claro que há a
reprodução. Os mesmos nativos sabem que em outras regiões do país os
mesmos têm mais meios de vida, cultivando a terra com soja, café, além da
criação de peixes...
Igualmente nas festas dos indígenas, como dos padroeiros das aldeias, após as
celebrações religiosas, estando presentes os nativos das aldeias vizinhas e
parentes, se requer um número considerável de peixes para lhes dar de comer.
Como não têm meios de conservar os peixes pescados com dias de antecedência, os
mesmos o precisam fazer na véspera. A forma de capturá-los é usar o timbó, uma
planta venenosa, que entorpece os peixes, os mata... aqui morrem todos os
peixes, também os pequenos. Isto já levou os mesmos indígenas a se oporem a
isso. Em parte, o conseguiram, mas não de todo. Algumas aldeias já deixam de
oferecer certos alimentos nas festas, por não terem condições de o fazerem.
Quanto à caça, vai na mesma linha: os animais abatidos não existem mais. A caça
de agora não é tão silenciosa. Antes feita com flechas, agora se faz com armas
de fogo, se abatem alguns animais, mas muitos outros se espantam fugindo para
mais longe. Também, manter uma arma de fogo, cada cartucho não é tão barato.
A questão religiosa também
apresenta os seus problemas. A nossa presença junto aos nativos não é tão forte
como quiséramos. O grande número de aldeias, o maior número de nativos, as
dispersões e entretenimentos até legítimos, mas que influenciam na recepção e
vivência dos sacramentos. As diversas denominações de evangélicos presentes nas
aldeias, com alguma denominação que exige que se deixe os costumes, por
exemplo, no vestir, em se pintar para as festas ou outras manifestações, é uma
diversidade que lhes gera confusões diversas. O que é quase inacreditável, já
que alguma denominação evangélica afirma que não é problema destruir o meio
ambiente, pois "Jesus está voltando, e logo será o fim".
Uma outra queixa que se houve de alguns caciques é
que os mesmos não são obedecidos mais como anteriormente, de modo particular
nas aldeias maiores. Isso pode revelar a falta de uma coordenação e liderança
mais efetiva entre o povo indígena. Junto a isso, algumas dificuldades na
convivência na aldeia entre as famílias, onde as mesmas ou alguns grupos
decidem fundar outras aldeias, em geral, mais perto de Jacareacanga, pois lhes
facilita o vir para a cidade e, claro, a sempre maior influência da cidade
sobre o modo de viver, com possíveis aspectos positivos ou negativos.
Ao visitar as aldeias, sobretudo as maiores, sinto
que há necessidade de haver um estímulo maior e incentivo às escolas, à
educação e até às condições materiais de vida, como o acesso aos
alimentos. Outra particularidade da Mundurukania é a grande distância e as
horas de viagem para os nativos virem pelos rios até Jacareacanga: alguns
viajam 4 dias de rabeta, que é um tipo de canoa. O retorno, 6 dias, rio acima,
a fim de providenciar as suas necessidades. Aqui em
Jacareacanga, os indígenas fazem romarias com vazilhames vazios para conseguir
combustível, solicitando ao prefeito e particulares, para retornarem às suas
aldeias. São centenas de litros de combustível, já que aqui não é barato.
Tudo isso requer dinheiro. Como vão ter recursos
para essas viagens, além de comprar mantimentos necessários para as aldeias?
A natureza oferecia uma abundância em tempos idos
para um certo número de nativos. Hoje será que tudo é tão abundante? Creio que
há necessidade de colocar na natureza, plantar e cultivar a terra para produzir
alimentos. Essa mudança de atitude e visão precisa ser ensinada aos nativos e
com condições de cultivar a terra. Na floresta, este cultivar requer um empenho
maior: levar sementes, arar a terra, plantar, colher, armazenar para o sustento
e industrializar certos produtos, como diversos subprodutos da macaxeira e da
mandioca, o transporte para comercializá-los, o combustível necessário para
isso.... Quanto dinheiro conseguirão com todo esse trabalho? Também a colheita
da castanha ou a extração dos óleos de cobaíba e andiroba.
Muitos nativos vivem na cidade de Jacareacanga e
trabalham nos mais diversos setores, desde o comércio, prefeitura, saúde,
ensino, e as mulheres, de domésticas... Como também há trabalho nos
garimpos fora da área indígena, com os brancos. Isso nos mostra que o nativo
quer trabalhar, precisa trabalhar para comprar as coisas, mas não há
empregos para tantos aqui na cidade. Ví com satisfação um indígena
comprando à vista o seu telefone celular e logo fazer um plano para o uso do
mesmo. Acontece também de algum indígena vir pedir esmola ou dinheiro aqui na
casa paroquial: lhes damos, porém, com cuidado, pois se sabem que damos para
alguns, os contentamos, mas podemos descontentar muitos se não lhes damos.
Vejo que algum recurso que algumas aldeias ou
nativos possam conseguir com o ouro dos garimpos será
passageiro. As consequências que ficam em geral não são positivas, como a
destruição da natureza, o mercúrio que fica na terra e nos rios. Alguns se
queixam que não ajudam entre si, uma partilha deste dinheiro. Falando de ouro,
quem não gosta dele, até os irmãos de Santa Teresa da Ávila, presentes na
América espanhola, o buscaram com avidez, como todos os advindos em busca de
riquezas.
“A
grande preocupação - e várias interrogações - são como alavancar e empreender
uma vida integrada, digna, saudável para os indígenas, onde os mesmos sejam os
primeiros protagonistas neste tempo atual, que já foi submetido a grandes
mudanças. E essas se encontram, não estacionadas, mas, sim, num dinamismo
constante.”
Diante
de tudo isso, o que se pode fazer? Vejo
que há necessidade de se conseguir fazer análises profundas, uma radiografia da
nova realidade e num diálogo envolvente, participativo dos indígenas e demais
estruturas que são corresponsáveis para irem construindo um processo positivo
de novas soluções, mantendo também os valores e costumes da sua cultura, a
preservação da natureza, como a ecologia, para que os povos originários
consigam um equilíbrio em sintonia com as necessidades e aspirações atuais.
*Missão Santa Teresa do Tapajós
Fonte: Vatican News
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