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sábado, 10 de julho de 2021

A doutrina católica sobre o sacerdócio ministerial, antes, durante e depois do Concílio Vaticano II (Parte 5/5)

Presbíteros
Padre Mauro Gagliardi – Pontifício Ateneu Regina Apostolorum, Roma
  1. Aspectos concretos da pastoral e da formação para o presbiterato

Também nesta última seção, como em todas as anteriores, não temos nem poderíamos ter a menor veleidade de apresentar um discurso orgânico e completo. Façamos apenas um punhado de observações a um tema de grande importância, que merece reflexões adequadas em local apropriado.

A ação pastoral dos presbíteros e a formação dos candidatos ao presbiterato estão estreitamente ligadas à visão que tivermos da identidade e do papel do ministro ordenado. A linha magisterial que desembocou no grande Concílio de Trento imprimiu uma imagem clara do sacerdote e exerceu incalculável influência sobre a pastoral e sobre a formação. O presbítero é aí considerado sobretudo pastor de almas, autoridade constituída sobre uma porção do rebanho de Cristo, para cuja santificação colabora, como instrumento vivo do Senhor, sobretudo mediante a celebração dos sacramentos, principalmente a Eucaristia e a Penitência, mas também por meio dos outros munera que lhe são próprios[47]. A formação obtida no seminário – lembremos que foi justamente o Concílio de Trento que deu impulso a essa instituição – tendia fundamentalmente a preparar sacerdotes que se dedicassem ao cuidado das almas e sublinhava, com correção e de bom grado, a grandeza do sacerdote, escolhido pelo Senhor para desenvolver no seio da Igreja, em nome desta e em obediência a sua hierarquia, um papel de extraordinário valor e dignidade. O Padre da Igreja de referência, aqui, é São João Crisóstomo, que escreveu páginas esplêndidas sobre a dignidade e a grandeza do sacerdote.

O limite dessa orientação consiste no perigo do clericalismo e de uma insuficiente valorização do laicado católico. Outro perigo é o de absolutizar a figura sacerdotal, esquecendo que esta é chamada a desenvolver seu papel não apenas “diante” da Igreja, mas também “dentro” desta[48]. Em terceiro lugar, poderia nem sempre ser visto com clareza o vínculo de fraternidade sacerdotal, baseado no fato de pertencer à Ordem dos presbíteros. Enfim, se é verdade que nessa visão o vínculo entre episcopado e presbiterato se baseia no sacerdócio comum, ou seja, no poder de consagrar a Eucaristia e de celebrar outros sacramentos (munus sanctificandi), menos evidente é o laço entre bispos e presbíteros no que diz respeito aos outros dois munera. O Vaticano II, como vimos, quis, por conseguinte, reafirmar a doutrina tradicional sobre o presbiterato, dentro de uma visão que levasse em conta esses riscos, além das transformadas circunstâncias históricas. Não se trata de uma revisão dogmática, mas de uma apresentação nova da doutrina de sempre e de uma consistente aplicação pastoral dessa doutrina. Semelhante ensinamento, quando foi seguido e aplicado, trouxe frutos significativos para a vida sacerdotal e para a formação preparatória a esta.

Como dissemos, todavia, essa orientação muitas vezes foi substituída por um modelo diferente. O texto do Concílio foi abandonado muito cedo, e delineou-se uma visão principalmente – quando não exclusivamente – funcional do presbiterato. O próprio termo “sacerdócio” foi muitas vezes revogado do uso: houve quem falasse apenas de “presbíteros” e não mais de “sacerdotes”. Em muitos seminários, foi ensinado que não era preciso absolutamente dizer “tornar-se sacerdote”, mas, sim, “ser ordenado presbítero”. A primeira expressão era rejeitada por ter um sabor excessivamente ontológico: o presbiterato é um serviço à comunidade, assinalado mediante o rito da ordenação, mais que um dom sobrenatural, marcado indelevelmente na alma do ordenado com o caráter sacramental. Na formação proposta em muitos noviciados e seminários, foram apontados, por exemplo, de maneira quase exclusiva, perfis de bispos e sacerdotes mergulhados na animação social, e muito menos, ou de modo algum, figuras de sacerdotes – até mesmo santos e santificadores – que se dedicaram sobretudo ao ministério sacramental da Eucaristia e da Penitência, ou que foram mestres da Palavra de Deus e da arte da oração e da ascese cristãs. A apresentação de figuras de sacerdotes como Santo Afonso Maria de Ligório, São Pedro Juliano Eymard, São João Maria Vianney, São Pio de Pietrelcina, São Leopoldo Mandic não aparecia – e muitas vezes ainda não aparece – no currículo de muitas casas de formação para o presbiterato e, mesmo quando presente, desses sacerdotes era sublinhado particularmente o aspecto ativo e a obra caritativa – certamente de enorme importância -, mais que a prática de ensino da sã doutrina, a vida de oração, o cuidado com as almas e o culto divino. De fato, aconteceu muitas vezes não apenas que desse preeminência ao aspecto funcional do sacerdócio, posto acima do aspecto ontológico, mas também que a missão sacerdotal fosse entendida mais como um “ir para o mundo” que como uma solicitude perante aqueles que já são crentes e precisam de ajuda para tender à perfeição cristã. Além disso, foi sublinhada na formação a unidade entre os dois sacerdócios (comum e ministerial), e atenuada a sua distinção, que o Concílio define “em essência e não apenas em grau” (LG 10). Ou seja, enquanto o Vaticano II ditou a linha de uma renovação da vida sacerdotal e, por reflexo, da formação preparatória para esta – como podemos ver no Decreto Optatam Totius –, no pós-concílio outras teologias e outras linhas de formação foram impostas na prática, o que levou a inserir na Igreja muitos jovens sacerdotes cuja generosidade de empenho viu-se frustrada ou desorientada na ação, não tendo recebido uma ideia clara de sua identidade presbiteral e, portanto, de sua missão.

Também nesse caso, porém, não é preciso aplicar à situação descrita o dito latino post hoc ergo propter hoc. A difícil situação, a “crise de identidade do presbítero” do pós-concílio não encontra sua raiz nos textos do Vaticano II, mas na superposição a estes de uma hermenêutica da descontinuidade, que quis separar-se da grande tradição da Igreja e da fecunda releitura que desta fazem os textos conciliares, para propor uma leitura diferente. Devemos lembrar, porém, que, “enquadrando a tradicional doutrina do sacerdócio ministerial na perspectiva da missão, o Vaticano II não refutou a perspectiva do culto e da consagração, mas a tornou mais dinâmica e eclesial[49]. Em síntese, retomando mais uma vez a conhecida terminologia de Pastores dabo vobis 16, enquanto os riscos do modelo anterior podem ser sintetizados no perigo de viver um sacerdócio apenas “diante” e não também “dentro” da Igreja, os riscos desse modelo mais recente implicam a possibilidade de entender o presbiterato apenas “dentro” e não também “diante” da Igreja. Nas aplicações práticas mais radicais, além disso, foi perdida até mesmo a referência determinante à eclesiologia, e o ministério passou a ser entendido exclusivamente “para o mundo”, como ação não-religiosa perante o mundo e em favor da sociedade: é a completa secularização do sacerdócio católico, quando não existe mais nenhuma identidade presbiteral. É claro que, dentro de semelhante visão, muitos elementos tradicionais do sacerdócio católico – citamos aqui apenas o compromisso com o celibato[50] e a obrigação do traje clerical – já não têm uma razão de ser convincente e por isso são postos em discussão fortemente. Mas a própria vida espiritual e a propensão à santidade por uma vida de graça, de contemplação e de ascese – ardentemente recomendadas pelo Concílio – não se inserem facilmente num quadro como esse. Um ministério presbiteral entendido em sentido secular não requer todas essas coisas, que podem mesmo ser interpretadas como desvio de um tempo precioso que poderia ser dedicado à ação social, ou como uma fuga dos problemas da “vida real”.

Nesse sentido, a marca que o Santo Padre Bento XVI deu ao Ano Sacerdotal revela mais uma vez a contribuição de uma hermenêutica da continuidade, baseada na leitura dos textos conciliares e em sua aplicação prática. De modo particular, a referência qualificadora ao Cura d’Ars mostra-se extremamente significativa. Como conclusão, portanto, podemos trazer alguns excertos dos discursos mais recentes do Papa, algumas passagens dos quais tomamos a liberdade de destacar.

No discurso em que comunicou a instituição do Ano Sacerdotal, Bento XVI afirmou:

“Pela imposição das mãos do bispo e pela oração consagradora da Igreja, os candidatos tornam-se homens novos, tornam-se ‘presbíteros’. Nessa luz, aparece claramente como os tria munera são primeiro um dom e só consequentemente um ofício, primeiro a participação de uma vida, e por isso uma potestas. Sem dúvida, a grande tradição eclesial desvinculou justamente a eficácia sacramental da situação existencial concreta de cada sacerdote, e assim as expectativas legítimas dos fiéis são adequadamente salvaguardadas. Mas essa justa especificação doutrinal nada tira à necessária, aliás indispensável, tensão para a perfeição moral, que deve habitar cada coração autenticamente sacerdotal”.

Nesse discurso, o Sumo Pontífice declarou ter decidido instituir o Ano Sacerdotal justamente com a finalidade de promover a “tensão dos sacerdotes para a perfeição espiritual, da qual sobretudo depende a eficácia de seu ministério”. Em seguida, acrescentou:

“A missão tem suas raízes de modo especial numa boa formação, desenvolvida em comunhão com a Tradição eclesial ininterrupta, sem cesuras nem tentações de descontinuidade. Neste sentido, é importante favorecer nos sacerdotes, sobretudo nas jovens gerações, uma correta acolhida dos textos do Concílio Ecumênico Vaticano II, interpretados à luz de toda a bagagem doutrinal da Igreja. Parece urgente também a recuperação desta consciência que impele os sacerdotes a estar presentes e ser identificáveis e reconhecíveis quer pelo juízo de fé, quer pelas virtudes pessoais, quer também pelo hábito, nos âmbitos da cultura e da caridade, desde sempre no coração da missão da Igreja”[51].

Na carta enviada aos sacerdotes por ocasião da instituição do ano a eles dedicados, o Santo Padre recordou em primeiro lugar, diante dos escândalos provocados às vezes pelos sacerdotes, que

“o máximo que a Igreja pode extrair de tais casos não é tanto a acintosa relevação das fraquezas de seus ministros, como sobretudo uma renovada e consoladora consciência da grandeza do dom de Deus, concretizado em figuras esplêndidas de generosos pastores, de religiosos inflamados de amor por Deus e pelas almas, de diretores espirituais esclarecidos e pacientes”.

O Papa, em seguida, apontou o Santo Cura d’Ars como modelo de vida sacerdotal:

“A primeira coisa que devemos aprender é sua total identificação com o próprio ministério. Em Jesus, tendem a coincidir Pessoa e Missão: toda a sua ação salvífica era e é expressão do seu ‘Eu filial’, que, desde toda a eternidade, está diante do Pai em atitude de amorosa submissão à sua vontade. Com modesta, mas verdadeira analogia, também o sacerdote deve ansiar por essa identificação. Não se trata, certamente, de esquecer que a eficácia substancial do ministério permanece independentemente da santidade do ministro; mas também não podemos deixar de ter em conta a extraordinária frutificação gerada pelo encontro entre a santidade objetiva do ministério e a subjetiva do ministro”.

Bento XVI cita depois algumas expressões de São João Maria Vianney, relativas à centralidade da Missa para a vida sacerdotal:

“Dizia ele: ‘Todas as boas obras reunidas não igualam o valor do sacrifício da Missa, porque aquelas são obra de homens, enquanto a Santa Missa é obra de Deus’. Estava convencido de que todo o fervor da vida de um padre dependia da Missa: ‘A causa do relaxamento do sacerdote é que não presta atenção à Missa! Meu Deus, como é de lamentar um padre que celebra [a Missa] como se fizesse um coisa ordinária!’ E, ao celebrar, tinha tomado o costume de oferecer sempre também o sacrifício de sua própria vida: ‘Como faz bem um padre oferecer-se em sacrifício a Deus todas as manhãs!’ Essa sintonia pessoal com o Sacrifício da Cruz levava-o – por um único movimento interior – do altar ao confessionário”.

A respeito da vida ascética do sacerdote, o Pontífice lembra que o Santo Cura

procurava aderir totalmente à própria vocação e missão por meio de uma severa ascese: ‘Para nós, párocos, a grande desdita’, deplorava o Santo, ‘é entorpecer-se a alma’, entendendo, com isso, o perigo de o pastor se habituar ao estado de pecado ou de indiferença em que vivem muitas de suas ovelhas. Com vigílias e jejuns, punha freio ao corpo, para evitar que este opusesse resistência a sua alma sacerdotal. E não se esquivava a mortificar-se a si mesmo pelo bem das almas que lhe estavam confiadas e para contribuir para a expiação dos muitos pecados ouvidos em confissão”.

O Papa mencionou depois outros aspectos, entre os quais o da comunhão dos presbíteros com os bispos:

“Queria ainda acrescentar, apoiado na exortação apostólica Pastores dabo vobis, do Papa João Paulo II, que o ministério ordenado tem uma radical ‘forma comunitária’ e pode ser cumprido apenas na comunhão dos presbíteros com o seu bispo. É preciso que essa comunhão entre os sacerdotes e com o respectivo bispo, baseada no sacramento da Ordem e manifestada na concelebração eucarística, se traduza nas diversas formas concretas de uma fraternidade sacerdotal efetiva e afetiva. Só desse modo é que os sacerdotes poderão viver em plenitude o dom do celibato e serão capazes de fazer florir comunidades cristãs em que se renovem os prodígios da primeira pregação do Evangelho”[52].

Enfim, na homilia pronunciada durante as Vésperas da Solenidade do Santíssimo Coração de Jesus, o Papa disse:

“Como não recordar com emoção que diretamente deste Coração brotou o dom do nosso ministério sacerdotal? Como esquecer que nós, presbíteros, fomos consagrados para servir, humilde e respeitavelmente, o sacerdócio comum dos fiéis? A nossa missão é indispensável para a Igreja e para o mundo, e requer plena fidelidade a Cristo e união incessante com Ele; ou seja, exige que tendamos constantemente para a santidade [para o amor de Jesus], como fez São João Maria Vianney”[53].

Referência: Clerus.org

Fonte: https://www.presbiteros.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF