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- O ensinamento do Concílio Vaticano
II
O Vaticano II toca o tema do presbiterato em diversos documentos, mas
dele trata de modo particular em Lumen
gentium (= LG) 28 e no Decreto Presbyterorum
Ordinis (= PO). O texto de LG 28 foi publicado mais de um ano antes do de
PO. Este, embora muito mais breve, é mais importante, pois se encontra dentro
de uma das quatro constituições conciliares, os documentos mais significativos
do Vaticano II. Em razão disso, começamos nossa breve análise por LG 28, para
depois passar a PO.
2.1. O ensinamento sobre os presbíteros
de LG 28
O texto de LG 28[12] começa
recordando a instituição do ministério por obra de Cristo e a transmissão deste
aos apóstolos e aos bispos, seus sucessores. Estes últimos, por sua vez,
“passaram legitimamente o múnus de seu ministério em grau diverso, a pessoas
diversas na Igreja. Assim o ministério eclesiástico, divinamente instituído, é
exercido em diversas ordens pelos que desde a antiguidade são chamados bispos,
presbíteros e diáconos”[13].
Depois passa a tratar dos presbíteros; o texto ensina: “Presbyteri,
quamvis pontificatus apicem non habeant et in exercenda sua potestate ab
Episcopis pendeant, cum eis tamen sacerdotali honore coniuncti sunt et vi
sacramenti Ordinis, ad imaginem Christi, summi atque aeterni Sacerdotis, ad
Evangelium praedicandum fidelesque pascendos et ad divinum cultum celebrandum
consecrantur, ut veri sacerdotes Novi Testamenti” (AAS 57 [1965],
p. 34). Nesse texto há dois ensinamentos principais: a) os presbíteros não
possuem o ápice do ofício de pontífices – que é conferido aos bispos -, e mesmo
assim são verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento, à imagem de Cristo
Sacerdote; b) suas tarefas correspondem aos tria
munera dos bispos, que evidentemente exercem com menor autoridade e poder
espirituais: pregação, governo, santificação (munus
docendi, regendi, santificandi).
Devemos observar aqui que uma muito difundida tradução italiana dos
documentos do Concílio, o Enchiridion
Vaticanum, não traduziu literalmente a primeira parte do texto. A tradução
correta é esta: “Embora os presbíteros não possuam o ápice do pontificado e no
exercício de seu poder dependam dos bispos, estão, contudo, com eles unidos
na dignidade sacerdotal”. No entanto,
o Enchiridion Vaticanum traduziu como
segue: “Os presbíteros, mesmo não possuindo o vértice do sacerdócio, mas dependendo
dos bispos no exercício de seu poder, estão todavia com eles unidos na
dignidade sacerdotal”[14].
Como notamos por nossos grifos, essa versão traduz o latino pontificatus por
“sacerdócio”. Ora, as duas palavras podem, do ponto de vista teológico, ser
aproximadas quanto a seu significado[15],
dado que o ofício sacerdotal consiste na mediação entre Deus e o povo[16],
o que – como vimos – se desenvolve concretamente de diversas formas, mas,
sobretudo, na celebração eucarística; já o ofício de pontífice consiste em
apresentar as orações da Igreja a Deus[17].
É evidente que são aspectos da mesma função. Todavia, do ponto de vista
terminológico, a tradição teológica e litúrgica prefere chamar apenas o bispo
de “pontífice”[18]:
vem daí, por exemplo, o fato de o Liber
pontificalis ser o livro que contém as orações e as indicações para as
celebrações do bispos, enquanto, para o presbítero, existe o Liber
ritualis[19]. Mas é também
verdade que esses livros litúrgicos correspondem à distinção entre o que cabe
ao bispo ou ao presbítero, exceto a Missa e o Ofício. Portanto, a celebração da
Missa, ápice do exercício sacerdotal, prevê um livro usado indiferentemente por
todo sacerdote, seja ele bispo ou presbítero; esse livro, atravessando uma
lenta evolução, chegou a chamar-se hoje Missal. Vem daí não haver
incompatibilidade entre a tradição litúrgica e a possibilidade de compreender
teologicamente o sacerdócio, mesmo no grau do presbiterato, como exercício de
pontificado. Naturalmente, há uma diferença de grau entre os sacerdotes bispos
e os sacerdotes presbíteros (cf. o já citado DS 1777), e por isso a Igreja,
quando fala de pontificado, refere-se ao episcopado e não ao presbiterato[20].
Se, portanto, traduzirmos o trecho de LG 28 como faz o Enchiridion
Vaticanum, perderemos uma importante distinção. Quando os Padres Conciliares
afirmam que os presbíteros não possuem o apex
pontificatus, pretendem distinguir os presbíteros dos bispos, e não distinguir
o sacerdócio de uns do dos
outros. Pelo contrário, o texto, ao mesmo tempo em que distingue bispos e
presbíteros quanto ao pontificatus, une-os quanto
ao sacerdotium[21]. O texto diz logo
depois o que devemos entender por sacerdotium, chamando a
atenção para o sacramento da Ordem recebido pelos presbíteros, que os habilita
a desenvolver os tria munera em seu grau
próprio, “segundo a imagem de Cristo, sumo e eterno Sacerdote”. Aqui, LG 28
cita Hb 5,1-10; 7,24; 9,11-28. São passagens clássicas, que não nos é possível
examinar aqui minuciosamente, as quais expressam a índole do sacerdócio de
Cristo com base nas categorias de sacrifício e de permanência. LG 28, alinhado
a uma tradição nunca abandonada, tanto magisterial quanto teológica, entende
o múnus sacerdotal sobretudo
como tarefa de oferecer a Deus o santo sacrifício: isso é feito em primeiro
lugar por Cristo, que, com seu sacrifício perfeito e definitivo, estabelece a
nova e eterna aliança; e isso é feito também pelos sacerdotes ordenados – como
diz o Concílio -, à imagem d’Ele.
LG 28 retoma a seguir mais uma vez a doutrina dos tria
munera e, entre estes, reconhece explicitamente a excelência da celebração
no altar: os presbíteros “exercem seu sagrado múnus principalmente no culto
eucarístico ou sinaxe, na qual, agindo na pessoa de Cristo [in
persona Christi] e proclamando Seu mistério, unem os votos dos fiéis ao sacrifício de
sua Cabeça e, até a volta do Senhor, reapresentam e aplicam no sacrifício da
Missa o único sacrifício do Novo Testamento, isto é, o sacrifício de Cristo,
que como hóstia imaculada uma vez se ofereceu ao Pai” (AAS 57 [1965], p. 34).
Segue a enumeração de outras tarefas: o ministério da reconciliação; apresentar
ao Pai as necessidades e orações dos irmãos; reunir a comunidade e conduzi-la a
Deus, sendo, em meio ao rebanho, adoradores do Pai em Espírito e verdade; o
ministério do ensinamento doutrinal, ofertado mediante a palavra e o exemplo
(ibid.).
A LG passa em seguida a tratar da colaboração dos presbíteros com os
bispos e afirma que os presbíteros “formam com seu bispo um único presbitério”
(AAS 57 [1965], p. 35). Os presbíteros, onde quer que atuem, tornam de certa
forma presente o bispo. É significativo que a LG reconheça o necessário vínculo
entre presbíteros e bispo, mas também a real responsabilidade pessoal dos
presbíteros no cuidado da Igreja: “Sob a autoridade do bispo santificam e regem
a porção da grei do Senhor que lhes
é confiada. No lugar onde estão tornam visível a Igreja universal e eficazmente
coopera na edificação de todo o corpo de Cristo” (ibid.; grifo nosso). Além
disso, devemos destacar a expressão segundo a qual os presbíteros formam o
presbitério “com seu bispo”. Mais adiante, o texto retorna à autoridade do
bispo, que deve ser obedecido com respeito, na medida em que ele mesmo deve
considerar os presbíteros como filhos e amigos. A LG afirma que “todos os
sacerdotes, tanto os diocesanos como os religiosos, em razão da Ordem e do
ministério, estão unidos [coaptantur] com o corpo dos
bispos” (ibid.). Essas passagens, postas lado a lado, indicam que o Vaticano II
ensina claramente a superior unidade dos bispos em relação aos presbíteros, mas
também vê estreitamente unidos os seus ministérios[22].
O elemento de união são a Ordem e o sacerdócio.
A sacra ordenação, ao lado da missão, representa também o eixo de uma outra importante afirmação da constituição eclesiológica: “Em virtude da comum ordenação sacra e missão, todos os presbíteros estão unidos entre si por íntima fraternidade” (ibid.); é o tema da fraternidade presbiteral, baseada ontologicamente no sacramento da Ordem, além de funcionalmente na missão comum. O PO acolherá abundantemente o ensinamento aqui apresentado em breves palavras. Depois de diversas indicações concretas, o texto conclui com uma referência à situação do mundo atual: “Já que, hoje em dia, mais e mais o gênero humano se vai unindo numa unidade civil, econômica e social, tanto mais é mister que os sacerdotes, unindo os cuidados e as forças sob a direção dos bispos e do Sumo Pontífice, evitem qualquer dispersão, para levar todo o gênero humano à unidade da família de Deus” (AAS 57 [1965], pp. 35-36).
Referência: Clerus.org
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