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quarta-feira, 7 de julho de 2021

A doutrina católica sobre o sacerdócio ministerial, antes, durante e depois do Concílio Vaticano II (Parte 2/5)

Crédito: Presbíteros
Padre Mauro Gagliardi – Pontifício Ateneu Regina Apostolorum, Roma
  1. O ensinamento do Concílio Vaticano II

O Vaticano II toca o tema do presbiterato em diversos documentos, mas dele trata de modo particular em Lumen gentium (= LG) 28 e no Decreto Presbyterorum Ordinis (= PO). O texto de LG 28 foi publicado mais de um ano antes do de PO. Este, embora muito mais breve, é mais importante, pois se encontra dentro de uma das quatro constituições conciliares, os documentos mais significativos do Vaticano II. Em razão disso, começamos nossa breve análise por LG 28, para depois passar a PO.

2.1. O ensinamento sobre os presbíteros de LG 28

O texto de LG 28[12] começa recordando a instituição do ministério por obra de Cristo e a transmissão deste aos apóstolos e aos bispos, seus sucessores. Estes últimos, por sua vez, “passaram legitimamente o múnus de seu ministério em grau diverso, a pessoas diversas na Igreja. Assim o ministério eclesiástico, divinamente instituído, é exercido em diversas ordens pelos que desde a antiguidade são chamados bispos, presbíteros e diáconos”[13].

Depois passa a tratar dos presbíteros; o texto ensina: “Presbyteri, quamvis pontificatus apicem non habeant et in exercenda sua potestate ab Episcopis pendeant, cum eis tamen sacerdotali honore coniuncti sunt et vi sacramenti Ordinis, ad imaginem Christi, summi atque aeterni Sacerdotis, ad Evangelium praedicandum fidelesque pascendos et ad divinum cultum celebrandum consecrantur, ut veri sacerdotes Novi Testamenti” (AAS 57 [1965], p. 34). Nesse texto há dois ensinamentos principais: a) os presbíteros não possuem o ápice do ofício de pontífices – que é conferido aos bispos -, e mesmo assim são verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento, à imagem de Cristo Sacerdote; b) suas tarefas correspondem aos tria munera dos bispos, que evidentemente exercem com menor autoridade e poder espirituais: pregação, governo, santificação (munus docendiregendisantificandi).

Devemos observar aqui que uma muito difundida tradução italiana dos documentos do Concílio, o Enchiridion Vaticanum, não traduziu literalmente a primeira parte do texto. A tradução correta é esta: “Embora os presbíteros não possuam o ápice do pontificado e no exercício de seu poder dependam dos bispos, estão, contudo, com eles unidos na dignidade sacerdotal”. No entanto, o Enchiridion Vaticanum traduziu como segue: “Os presbíteros, mesmo não possuindo o vértice do sacerdócio, mas dependendo dos bispos no exercício de seu poder, estão todavia com eles unidos na dignidade sacerdotal”[14]. Como notamos por nossos grifos, essa versão traduz o latino pontificatus por “sacerdócio”. Ora, as duas palavras podem, do ponto de vista teológico, ser aproximadas quanto a seu significado[15], dado que o ofício sacerdotal consiste na mediação entre Deus e o povo[16], o que – como vimos – se desenvolve concretamente de diversas formas, mas, sobretudo, na celebração eucarística; já o ofício de pontífice consiste em apresentar as orações da Igreja a Deus[17]. É evidente que são aspectos da mesma função. Todavia, do ponto de vista terminológico, a tradição teológica e litúrgica prefere chamar apenas o bispo de “pontífice”[18]: vem daí, por exemplo, o fato de o Liber pontificalis ser o livro que contém as orações e as indicações para as celebrações do bispos, enquanto, para o presbítero, existe o Liber ritualis[19]. Mas é também verdade que esses livros litúrgicos correspondem à distinção entre o que cabe ao bispo ou ao presbítero, exceto a Missa e o Ofício. Portanto, a celebração da Missa, ápice do exercício sacerdotal, prevê um livro usado indiferentemente por todo sacerdote, seja ele bispo ou presbítero; esse livro, atravessando uma lenta evolução, chegou a chamar-se hoje Missal. Vem daí não haver incompatibilidade entre a tradição litúrgica e a possibilidade de compreender teologicamente o sacerdócio, mesmo no grau do presbiterato, como exercício de pontificado. Naturalmente, há uma diferença de grau entre os sacerdotes bispos e os sacerdotes presbíteros (cf. o já citado DS 1777), e por isso a Igreja, quando fala de pontificado, refere-se ao episcopado e não ao presbiterato[20].

Se, portanto, traduzirmos o trecho de LG 28 como faz o Enchiridion Vaticanum, perderemos uma importante distinção. Quando os Padres Conciliares afirmam que os presbíteros não possuem o apex pontificatus, pretendem distinguir os presbíteros dos bispos, e não distinguir o sacerdócio de uns do dos outros. Pelo contrário, o texto, ao mesmo tempo em que distingue bispos e presbíteros quanto ao pontificatus, une-os quanto ao sacerdotium[21]. O texto diz logo depois o que devemos entender por sacerdotium, chamando a atenção para o sacramento da Ordem recebido pelos presbíteros, que os habilita a desenvolver os tria munera em seu grau próprio, “segundo a imagem de Cristo, sumo e eterno Sacerdote”. Aqui, LG 28 cita Hb 5,1-10; 7,24; 9,11-28. São passagens clássicas, que não nos é possível examinar aqui minuciosamente, as quais expressam a índole do sacerdócio de Cristo com base nas categorias de sacrifício e de permanência. LG 28, alinhado a uma tradição nunca abandonada, tanto magisterial quanto teológica, entende o múnus sacerdotal sobretudo como tarefa de oferecer a Deus o santo sacrifício: isso é feito em primeiro lugar por Cristo, que, com seu sacrifício perfeito e definitivo, estabelece a nova e eterna aliança; e isso é feito também pelos sacerdotes ordenados – como diz o Concílio -, à imagem d’Ele.

LG 28 retoma a seguir mais uma vez a doutrina dos tria munera e, entre estes, reconhece explicitamente a excelência da celebração no altar: os presbíteros “exercem seu sagrado múnus principalmente no culto eucarístico ou sinaxe, na qual, agindo na pessoa de Cristo [in persona Christi] e proclamando Seu mistério, unem os votos dos fiéis ao sacrifício de sua Cabeça e, até a volta do Senhor, reapresentam e aplicam no sacrifício da Missa o único sacrifício do Novo Testamento, isto é, o sacrifício de Cristo, que como hóstia imaculada uma vez se ofereceu ao Pai” (AAS 57 [1965], p. 34). Segue a enumeração de outras tarefas: o ministério da reconciliação; apresentar ao Pai as necessidades e orações dos irmãos; reunir a comunidade e conduzi-la a Deus, sendo, em meio ao rebanho, adoradores do Pai em Espírito e verdade; o ministério do ensinamento doutrinal, ofertado mediante a palavra e o exemplo (ibid.).

A LG passa em seguida a tratar da colaboração dos presbíteros com os bispos e afirma que os presbíteros “formam com seu bispo um único presbitério” (AAS 57 [1965], p. 35). Os presbíteros, onde quer que atuem, tornam de certa forma presente o bispo. É significativo que a LG reconheça o necessário vínculo entre presbíteros e bispo, mas também a real responsabilidade pessoal dos presbíteros no cuidado da Igreja: “Sob a autoridade do bispo santificam e regem a porção da grei do Senhor que lhes é confiada. No lugar onde estão tornam visível a Igreja universal e eficazmente coopera na edificação de todo o corpo de Cristo” (ibid.; grifo nosso). Além disso, devemos destacar a expressão segundo a qual os presbíteros formam o presbitério “com seu bispo”. Mais adiante, o texto retorna à autoridade do bispo, que deve ser obedecido com respeito, na medida em que ele mesmo deve considerar os presbíteros como filhos e amigos. A LG afirma que “todos os sacerdotes, tanto os diocesanos como os religiosos, em razão da Ordem e do ministério, estão unidos [coaptantur] com o corpo dos bispos” (ibid.). Essas passagens, postas lado a lado, indicam que o Vaticano II ensina claramente a superior unidade dos bispos em relação aos presbíteros, mas também vê estreitamente unidos os seus ministérios[22]. O elemento de união são a Ordem e o sacerdócio.

A sacra ordenação, ao lado da missão, representa também o eixo de uma outra importante afirmação da constituição eclesiológica: “Em virtude da comum ordenação sacra e missão, todos os presbíteros estão unidos entre si por íntima fraternidade” (ibid.); é o tema da fraternidade presbiteral, baseada ontologicamente no sacramento da Ordem, além de funcionalmente na missão comum. O PO acolherá abundantemente o ensinamento aqui apresentado em breves palavras. Depois de diversas indicações concretas, o texto conclui com uma referência à situação do mundo atual: “Já que, hoje em dia, mais e mais o gênero humano se vai unindo numa unidade civil, econômica e social, tanto mais é mister que os sacerdotes, unindo os cuidados e as forças sob a direção dos bispos e do Sumo Pontífice, evitem qualquer dispersão, para levar todo o gênero humano à unidade da família de Deus” (AAS 57 [1965], pp. 35-36).

Referência: Clerus.org

Fonte: https://www.presbiteros.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF