Presbíteros |
2.2 O decreto conciliar sobre o
ministério e a vida dos presbíteros
O Decreto Presbyterorum Ordinis, promulgado em 7
de dezembro de 1965, se insere conscientemente na interrupta tradição
magisterial e teológica da Igreja Católica[23].
A finalidade do documento é declarada no nº 1: o texto é publicado “com o
intuito de sustentar-lhes com mais eficácia o ministério e de prover-lhes
melhor a vida nos ambientes pastorais e humanos tantas vezes inteiramente
mudados” (AAS 58 [1966], p. 991). Todo o decreto, portanto, deve ser logo
relacionado com as afirmações finais de LG 28, que sublinhava o hodie: as atuais condições
da sociedade, que impelem a Igreja a reconsiderar, mais que a doutrina
teológica sobre o sacerdócio ordenado, as escolhas concretas, organizacionais e
práticas que dizem respeito à vida dos presbíteros, de modo a pô-los em
condições de desenvolver adequadamente seu ministério de
sempre nas mudadas condições do mundo
atual[24].
Também aqui se revela, por conseguinte, a índole eminentemente pastoral que o
Vaticano II quis assumir e que todo intérprete do Concílio deve respeitar, se
quiser ser fiel a seu espírito e a seus textos.
Naturalmente, mesmo se dedicando sobretudo a aspectos concretos, o PO
expõe de modo compendioso também a doutrina sobre o presbiterato, em perfeita
continuidade com a bimilenar tradição da Igreja; a partir desta, evidencia
alguns aspectos que podem constituir uma base sólida para pôr em prática o
estilo presbiteral que o Vaticano II quis apontar como possível contribuição à
situação dos tempos difíceis em que vivemos. Dados os limites deste estudo, não
podemos fazer uma análise detalhada do PO, tendo de nos limitar a indicar seus
temas principais no que diz respeito à doutrina sobre o sacerdócio católico.
O presbítero é considerado servidor de Cristo e dos irmãos[25].
O presbiterato é entendido, portanto, cristocêntrica e eclesiologicamente. O
sacerdócio, de fato, é descrito como participação do ministério de Cristo (nos 1 e 13). Por nada menos que três vezes, o
Decreto retoma da tradição teológica e magisterial a expressão técnica ou a
doutrina do in persona Christi (nos 2; 12; 13)[26].
Também no que diz respeito à essência do sacerdócio ordenado, o Decreto se
insere na linha da tradição, identificando essa essência com o poder de
oferecer o sacrifício e de perdoar os pecados (nº 2). Essa verdade é exposta
pelo PO de acordo com a eclesiologia da LG, evidenciando também a importância
do sacerdócio comum dos fiéis e recordando que os poderes próprios e exclusivos
dos sacerdotes ministros estão a serviço da Igreja, ou seja, da conjunção dos
fiéis num só corpo. A exposição da doutrina segundo aquilo que depois foi definido
“eclesiologia de comunhão”[27] representa
uma confirmação da doutrina de sempre feita de um modo novo, considerado mais
adequado aos tempos atuais. Há, portanto, continuidade e novidade. No que diz
respeito, ainda, ao tema da essência do sacerdócio ministerial cristão como
ofício de oferecer o sacrifício eucarístico, essa doutrina é repetida também no
nº 14, mais uma vez chamando a atenção para a situação atual e mencionando uma
categoria que depois se iria consagrar, a de “caridade pastoral”[28].
Escreve, portanto, PO 14: “A caridade pastoral vem antes de mais nada do
sacrifício eucarístico, que por isso se apresenta como centro e raiz de toda a
vida do presbítero, de sorte que a alma sacerdotal se esforçará por
interiorizar o que na ara sacrifical se passa” (AAS 58 [1966], p. 1013).
O Decreto retoma também a doutrina da clara distinção entre o sacerdócio
comum e o ministerial, que é recebido com o sacramento da Ordem Sacra: “O
sacerdócio dos presbíteros, supondo embora os sacramentos da iniciação cristã,
é conferido por aquele sacramento peculiar mediante o qual os presbíteros, pela
unção do Espírito Santo, são assinalados com um caráter especial e assim
configurados com Cristo Sacerdote, de forma a poderem agir na pessoa de Cristo
Cabeça” (PO 2: AAS 58 [1966], p. 992). Por esse motivo, os presbíteros possuem
uma especial autoridade sacerdotal, que os fiéis não ordenados não possuem (nos 2; 6; 9). Isso não significa, porém, que eles
estejam autorizados a agir de maneira despótica no meio do povo de Deus. O
Decreto, aliás, entre as várias virtudes próprias do presbítero, enumera a
gentileza (nº 3) e a insigne humanidade (nº 6), embora isso não signifique
diminuir a firmeza de caráter e a assídua solicitude pela justiça (nº 3), nem
tratar os homens com base em seus gostos (nº 6)[29].
Diversas consequências derivam da já recordada doutrina da distinção
essencial entre o sacerdócio comum dos fiéis e o ministerial dos presbíteros.
Podemos indicar cinco consequências principais:
1) Em primeiro lugar, o Concílio afirma a excelência, a necessidade e a indefectibilidade
do sacerdócio ministerial (nº 11).
2) Em segundo lugar, os presbíteros são reconhecidos como detentores das
faculdades, ou dos ministérios, que derivam de seu status e que os põem
em estreita conexão com os bispos, a saber, os tria
munera[30]. Essas funções são
reconhecidas como tarefa também dos presbíteros, embora não sejam realizadas
com a plenitude que pertence apenas aos bispos. Já observamos que o mais
importante dos munera é o munus
sanctificandi, de modo particular a celebração da Missa, que assinala a raiz mais
profunda do sacerdócio dos presbíteros. O PO fala do ministério sacramental dos
sacerdotes em diversas passagens e de modo particular nos nos 2, 5 e 13. No nº 13 é frisado, ainda, que no
mistério do sacrifício eucarístico “os sacerdotes cumprem sua função principal”
(AAS 58 [1966], p. 1011). O Decreto dá também amplo espaço ao importante munus
docendi, o ministério da pregação em seus diversos níveis. Sabemos que os
presbíteros não possuem esse múnus com perfeição: eles não possuem a autoridade
– própria dos bispos – de definir a doutrina. Todavia, o munus
docendi do presbítero, embora não seja caracterizado pela potestas
determinandi, possui – sempre em união e submissão ao colégio episcopal guiado pelo
Papa – a potestas praedicandi. Os presbíteros
receberam a autoridade para ensinar a doutrina da Igreja nas formas ordinárias
da homilética, da catequese, da instrução, e em todas as outras formas
conhecidas na práxis eclesial. O PO dedica ao ministério da Palavra de Deus em
particular os nos 2, 4 e 13. O Decreto
explica que a pregação do Evangelho de Cristo é feita tanto mediante palavras,
atendo-se à sã doutrina, quanto pelo testemunho de vida. Enfim, sobre o munus
regendi, podemos ver em particular o nº 6.
3) Desses elementos, os Padres conciliares extraem também o ensinamento
sobre as finalidades do presbiterato, o que é a terceira consequência da clara
afirmação de sua sacramentalidade. No decreto em análise, aparecem em
particular duas finalidades. Os presbíteros são ordenados em primeiro lugar
para a glória de Deus Pai em Cristo (nº 2) e para servir a Cristo, Mestre,
Sacerdote e Rei (nº 1). Em segundo lugar, são escolhidos para edificar a
Igreja, ou seja, para congregá-la e conduzi-la ao Pai por meio de Cristo no
Espírito Santo (nos 1, 6 e 8). Portanto, o
presbiterato tem por finalidade a santificação dos homens (nº 2), que é
impossível sem a conversão (nos 4, 5 e 6).
Trabalhando para promovê-la, os presbíteros se mostrarão ministros daquele
Evangelho que, desde seu início, foi pregado pelo próprio Senhor como convite à
conversão, ou seja, à mudança de vida no que diz respeito aos costumes
desordenados (cf. Mc 1,15).
4) Uma quarta consequência que vem da evidenciação do caráter
sacramental do presbiterato consiste no ensinamento oferecido pelo PO sobre a
fraternidade sacramental dos presbíteros, baseada no sacramento por eles
recebido. Diz o nº 8: “Os presbíteros, estabelecidos na Ordem do presbiterato
pela ordenação, estão ligados entre si por uma íntima fraternidade sacramental;
de modo especial, porém, formam um só presbitério na diocese para cujo serviço
estão escalados sob a direção do bispo próprio” (AAS 58 [1966], p. 1003). Essa
fraternidade é “íntima” porque baseada na ordenação sacramental, mas se
manifesta depois também do ponto de vista funcional, com a colaboração e a
ajuda recíproca entre os presbíteros, em particular aqueles que formam o
presbitério de uma Igreja local. Essa comunhão sacerdotal não se restringe ao
âmbito diocesano: os presbíteros estão unidos em fraternidade sacramental de
modo ontológico e não apenas jurídico. O Concílio, portanto, lembra que “o dom
espiritual que os presbíteros receberam na ordenação prepara-os não para uma
missão por assim dizer limitada e restrita, mas para a missão amplíssima e
universal da salvação […]. Pois todo e qualquer ministério sacerdotal participa
da mesma amplitude universal da missão confiada por Cristo aos apóstolos” (PO
10: AAS 58 [1996], p. 1008). Esse ensinamento é muito importante e se coordena
com o precedente: o presbítero (em particular o presbítero diocesano) vive e
atua arraigado numa Igreja particular – que de qualquer forma não teria sentido
separada da Igreja universal – e ligado a seu bispo e a seu presbitério, mas
isso não implica de modo algum uma visão restrita ou até localista do
ministério presbiteral. O PO, ao contrário, ensina em vários pontos que os
presbíteros devem cultivar um olhar universal (ver em particular os nos 6, 10, 14 e 17).
O Decreto toca de novo o tema da fraternidade sacramental e operacional
nos nos 12, 15 e 22. Esse tema é de grande
importância e foi amplamente estudado depois do Concílio. Influi certamente
também sobre o que o PO diz a respeito da relação entre os presbíteros e os
bispos (nos 5, 7, 12 e 15); entre os presbíteros e a
Igreja (nos 3, 9 e 14); e entre os presbíteros e o mundo
(nos 3, 9 e 17): são todos aspectos muito
interessantes, que aqui não é possível examinar de modo adequado.
5) Uma quinta e última consequência, que deriva da evidenciação do
caráter sacramental do presbiterato, diz respeito à vida espiritual dos
presbíteros, que deve tender à perfeição da santidade. Há muitas referências,
mas o parágrafo mais importante é o nº 12. Nele é dito que os sacerdotes, já em
virtude da graça do Batismo, têm a obrigação de tender à santidade, como todos
os outros fiéis. “Os sacerdotes, porém, se veem obrigados por um título
especial a atingir tal perfeição, pelo fato de eles, consagrados a Deus de modo
novo pela recepção da Ordem, se transformarem em instrumentos vivos de Cristo
Eterno Sacerdote, a fim de poderem ao longo dos tempos completar a obra
admirável d’Ele, que reintegrou com a eficiência do alto toda a sociedade dos
homens” (AAS 58 [1996], pp. 1009-1010). Trata-se de uma aplicação das palavras
do Evangelho: “A quem muito se deu muito será pedido” (Lc 12,48). De outro
lado, o Concílio recorda que, na atribuição feita ao presbítero, há também a
graça de estado sacerdotal, “para que, no serviço dos homens a ele confiados e
do povo de Deus todo, possa tender mais adequadamente à perfeição d’Aquele
[Cristo] a quem representa [partes sustinet]” (AAS 58 [1966],
p. 1010).
Confirma-se mais uma vez, assim, a doutrina da maior excelência do
estado sacerdotal, que o PO já retomara da tradição magisterial e teológica:
uma excelência que infelizmente não se verifica de
facto em todos os casos individuais, mas que é de per si consistente,
porque baseada na diferença “em essência e não apenas em grau”[31] que
existe entre o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial. O nº 12
do PO explica que os ministros realizam sua vocação não apenas guardando o
rebanho, ou seja, no exercício do múnus pastoral, mas também cultivando a
santidade pessoal. Diz que os presbíteros “mortificam em si mesmos as obras da
carne e se dedicam totalmente ao serviço dos homens, e assim podem avançar na
santidade pela qual foram enriquecidos em Cristo, até chegarem ao homem
perfeito” (ibid.). Não basta, portanto, para a santidade do presbítero, o
exercício da caridade pastoral; esta deve conjugar-se com a conformação a
Cristo, com a contínua conversão a Ele, que passa também pela mortificação em
si mesmos das obras da carne. Essa busca da santidade é de grande importância: “Embora
a graça possa levar a termo a obra da salvação também por ministros indignos,
no entanto prefere Deus, ordinariamente, manifestar as suas maravilhas mediante
aqueles que se fizeram mais dóceis ao impulso e à direção do Espírito Santo,
pela íntima união com Cristo e santidade de vida, e que podem dizer com o
Apóstolo: ‘E, se vivo, já não sou eu, mas é Cristo que vive em mim’” (ibid.).
Esse autodespojamento dos presbíteros – pelo qual já não atua neles
principalmente o seu eu, mas, sim, o de Cristo, cuja Pessoa eles trazem em si
mesmos – verifica-se na atitude de não agir, na vida presbiteral, segundo o
próprio gosto ou as próprias inclinações, ou, pior ainda, em proveito próprio,
mas fazendo de modo que, mediante o próprio ministério, apareçam e ajam cada
vez mais Cristo e a Igreja. A esses aspectos o Decreto dedica diversas
referências, entre as quais podemos assinalar os nos 4,
6, 9, 13 e 15.
Somos obrigados a renunciar, aqui, a apresentar muitos outros aspectos
presentes no PO, em particular as indicações práticas. Para concluir, chamamos
a observar que o Decreto não se afasta em nada da doutrina eclesial tradicional
sobre o presbiterato, a qual, aliás, retoma com convicção e de maneira ampla. A
grande continuidade é uma de suas características, portanto. O documento possui
também uma característica de novidade, exposta em sentido pastoral, ou seja, em
relação às exigências concretas dos presbíteros de nosso tempo. Coerentemente
com o modelo eclesiológico conciliar, mais tarde definido “eclesiologia de comunhão”,
o PO sublinha particularmente o aspecto comunial da vida dos presbíteros.
Podemos ver isso já por suas primeiras palavras, que representam também o
título do decreto: a Ordem dos Presbíteros. Trata-se não apenas do sacerdote
considerado em si, mas do sacerdote dentro da Ordem Presbiteral e, no caso de
este pertencer ao clero secular, dentro de um presbitério diocesano. Isso está
evidente também no fato de os termos “presbítero” e “sacerdote” aparecerem
poucas vezes no singular, referindo-se o Decreto de modo geral aos
“presbíteros” e “sacerdotes”, no plural, como se sublinhasse o caráter de corpo
do conjunto dos presbíteros[32].
Como tivemos oportunidade de explicar, a fraternidade sacerdotal e a unidade do
corpo presbiteral é íntima, ou seja,
baseia-se em primeiro lugar na sacramentalidade do presbiterato e não apenas
numa motivação extrínseca, ou seja, em aspectos funcionais. O decreto
conciliar, portanto, acrescenta esse interessante elemento de novidade na
continuidade, inserindo a doutrina tradicional sobre
o sacerdote numa visão pastoral sobre
os sacerdotes. Não há oposição entre esses dois aspectos. A doutrina pastoral sobre
os sacerdotes não se sustenta sem a doutrina teológica sobre
o sacerdote, e esta encontra na outra fecunda aplicações e consequências práticas
para a vida e a missão dos presbíteros (objeto do Decreto), consequências
extraídas ponto por ponto do texto conciliar.
Referência: Clerus.org
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