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quinta-feira, 29 de julho de 2021

A visita de um Papa conciliador e os seus frutos

Papa Bento em Cuba na crônica escrita para 30Dias pelo cardeal arcebispo de San Cristóbal de La Habana


pelo cardeal Jaime Lucas Ortega y Alamino


O cardeal Jaime Lucas Ortega y Alamino recebe Bento XVI no
aeroporto internacional “José Martí” de Havana, em Cuba,
dia 27 de março de 2012 [© Osservatore Romano]

Avisita apostólica de Papa Bento XVI a Cuba realizou-se no contexto da celebração dos 400 anos da descoberta da imagem da Virgem da Caridade nas águas do mar próximo da costa setentrional na região oriental da ilha. A imagem foi levada às montanhas do sul da região onde estão as minas de cobre; por isso, a devoção popular à Virgem do Cobre.

A visita do Papa a Cuba foi precedida por uma peregrinação missionária de uma imagem da Virgem da Caridade muito venerada pelo nosso povo, que percorreu mais de 30 mil quilômetros atravessando campos, cidades, vilarejos e novos assentamentos. Centenas de milhares de pessoas participaram de verdadeiras manifestações de fé. O que mais impressionava não eram as multidões, mesmo sendo extraordinariamente numerosas, mas era contemplar os rostos, ver os gestos de piedade de homens e mulheres, jovens, adultos e crianças que se ajoelhavam, levantando os braços, faziam o sinal da cruz com lágrimas nos olhos, e gritavam: “Viva Nossa Senhora” quando passava a imagem. Foi uma grande missão nacional que nos permitiu evangelizar nas praças, nos jardins, pelas ruas com carros equipados com alto-falantes, distribuição de panfletos, etc. Constatamos, nesta missão, que a fé está presente em uma percentagem muito grande de cubanos.

No final da missão, em dezembro de 2011, foi anunciada a visita do Santo Padre a Cuba.

A notícia foi recebida com uma alegria extraordinária. A sua presença veio confirmar esta fé do nosso povo, e esclarecê-la com a sua palavra. A visita do Santo Padre ao santuário da Virgem da Caridade do Cobre foi muito significativa e altamente apreciada por todos.

O Papa, nas suas palavras, desde a sua chegada ao nosso país, fez questão de declarar que vinha como Peregrino da Caridade “para confirmar os meus irmãos na fé e encorajá-los na esperança”. Eram as palavras certas e foram ouvidas com emoção por todos os que tinham, como eu, a sorte de acolher o Sucessor de Pedro.

O Santo Padre quis sublinhar que a sua visita era uma continuidade da visita feita pelo beato João Paulo II. Aquela visita pastoral mudou a vida da Igreja em Cuba. A Igreja Católica teve então as suas primeiras manifestações públicas e as primeiras transmissões televisivas de cerimônias católicas. O mundo inteiro e os próprios cubanos compreenderam que a Igreja estava viva, que tinha estado presente em todos os anos de dificuldade e de silêncio. Depois daquele evento o Natal começou a ser celebrado como festa civil, houve participações radiofônicas de vários bispos em algumas datas importantes, e a cobertura feita pela imprensa da morte e do funeral de João Paulo II foi realmente impressionante.

A partir daquele momento começou a se tornar frequente a presença do Papa na televisão por ocasião do Natal, Páscoa e em outras ocasiões, como a Via-Sacra da Sexta-feira Santa; as publicações da Igreja difundiram-se e são muito apreciadas. Depois daquela visita, foi permitida a entrada no país do pessoal religioso, sacerdotes e mulheres e homens consagrados, e a Igreja teve a possibilidade de celebrar publicamente a fé com procissões e outras cerimônias. Foram abertas “casas de oração” em centenas de lugares, onde os fiéis se reúnem para a catequese, a celebração da santa missa e outras atividades.

A missa celebrada por Bento XVI na Praça da Revolução
em Havana, em 28 de março [© Osservatore Romano]
Agora a Igreja espera fazer com que se torne sistemática a sua presença na mídia, principalmente na rádio e na televisão.

Nestes últimos anos, a Igreja incrementou a sua atividade social através da Cáritas, que conta com um grande voluntariado nacional. Em caso de furacões, a ação da Cáritas é eficaz e rápida na distribuição de ajuda que chegam de países estrangeiros e de tudo o que a Igreja de Cuba faz nestas circunstâncias.

A Cáritas tem muitos refeitórios nas casas paroquiais e em outros locais para as pessoas da terceira idade. Também possui creches para crianças de um a cinco anos, pertencentes a famílias irregulares, em várias localidades do país. Essa atividade assistencial da Cáritas é muito apreciada pela população.

Dois anos atrás a Igreja, diante dos conflitos que surgiram com as esposas dos presidiários, que manifestavam para que seus maridos fossem libertados, dirigiu-se ao governo para exprimir a sua preocupação e foi convidada para mediar com as esposas, e pedir-lhes que exprimissem seus pedidos e objetivos. Entre outras coisas, elas propuseram ao cardeal que os maridos fossem mandados para um outro país porque “preferiam ficar separadas pelo mar e não pelas grades do cárcere”.

Estas propostas foram levadas ao conhecimento do governo que decidiu pela libertação de 53 detentos na primavera de 2003, fazendo com que saíssem do país indo para a Espanha, que os acolheu com seus familiares. Dos 53 libertados, doze permaneceram em Cuba por vontade própria e, logo depois, um deles foi para os Estados Unidos. Seguiram-se a libertação de mais 120 detentos por motivos políticos. Alguns destes estavam na prisão há vários anos. O arcebispado de Havana recebe o pedido por parte dos familiares dos detentos e, se for caso de prisão por motivos de consciência ou por motivos políticos, temos a possibilidade de apresentá-los às autoridades. Depois do desencarceramento dos prisioneiros citados acima não foram apresentados novos recursos deste gênero.

Temos que recordar que a pastoral carcerária, que se dedica a todos os tipos de prisioneiros, é bem organizada: trabalha-se com as famílias dos detentos, faz-se visitas regulares no cárcere, com catequese e celebração da Eucaristia.

O Papa Bento XVI tinha sido informado sobre o progresso da vida da Igreja depois da visita do beato João Paulo II. Por isso quis caminhar nas pegadas deixadas por aquela viagem pontifícia. Na sua homilia em Havana, o Papa tocou o tema da verdade, única sobre a qual – disse – é possível fundar uma ética que seja aceita por todos. Anunciou Jesus Cristo como a verdade e evidenciou, fiel ao espírito do seu pontificado, as perplexidades do homem diante da verdade, como Pilatos que “tinha a Verdade diante de si” e não a via em Cristo. O Papa insistiu sobre a racionalidade da fé diante dos que arbitrariamente opõem fé e razão. Todos estes esclarecimentos adquirem uma particular importância para nós.

Indicou na verdade o fundamento da liberdade e fez referência aos passos que foram dados em Cuba com relação à liberdade religiosa, desejando que se estendam cada vez mais as suas possibilidades.

A propósito disto, fez referências tanto à participação da Igreja no campo da educação quanto a dos cristãos na construção da sociedade. O Papa pediu – no momento da despedida – que ninguém se veja impedido de tomar parte nesta tarefa apaixonante “pela limitação das suas liberdades fundamentais, nem eximido dela por negligência ou carência de recursos materiais”.

Assim o Papa convidava todos os cubanos a participarem da construção de “uma sociedade de largos horizontes, renovada e reconciliada”, superando todas as dificuldades e obstáculos nesta tarefa.

A saudação do presidente do Conselho de Estado e
Conselho de Ministros de Cuba Raúl Modesto Castro Ruz,
no final da cerimônia [© Osservatore Romano]
Desejou que a luz do Senhor, que brilhou com fulgor nos dias da sua presença entre nós, não se apague e ajude a todos a reforçarem a concórdia e a “fazerem frutificar o melhor da alma cubana, os seus valores mais nobres sobres os quais é possível fundar uma sociedade renovada e reconciliada”. O Santo Padre salientou que a situação que Cuba vive “agrava-se pelas medidas econômicas restritivas impostas de fora ao País que pesam negativamente sobre a população”.

Resumindo, o Papa fez um apelo para eliminar, na convivência humana nacional e internacional, “posições inamovíveis e pontos de vista unilaterais”, propondo andar adiante no caminho do diálogo paciente e sincero que gera esperança.

Nas suas primeiras palavras sobre Cuba, no avião que o levava à América, o Papa fez referência às mudanças de modelo socioeconômico necessárias a Cuba e disse que nós cristãos devemos apoiar esta busca “com paciência e de modo construtivo, evitando traumas”. É uma sugestão correta, porque qualquer salto brusco ou violento produz traumas sociais que deixam marcas negativas nos povos.

O Santo Padre fiel ao seu programa fundamental como Sucessor de Pedro – o programa apresentado aos cardeais reunidos para o conclave quando explicou que tinha escolhido o nome de Bento porque o seu último antecessor que usara este nome tinha sido um Pontífice conciliador – veio a Cuba honrando verdadeiramente o seu projeto conciliador de seu pontificado, fez isso sem calar a verdade, com clareza e à altura programática do seu sumo ministério.

Já sentimos que as pegadas dos seus passos marcaram o povo cubano, profundamente impressionado pela sua simplicidade e pela bondade refletida nas palavras e nos gestos do Papa Bento XVI, que representam uma bênção especial para toda a nação cubana e para cada um de nós. Esta visita do Santo Padre no Ano Jubilar Mariano de Cuba, encoraja-nos e nos dá força na celebração do Ano da Fé que o Sucessor de Pedro propõe com tanta solicitude à Igreja universal. Será uma ocasião para aprofundar a fé que constatamos estar viva no coração dos nosso irmãos cubanos.

Portanto, permanece um profundo sentimento de gratidão e de esperança na nossa Igreja em Cuba em todo o nosso povo pela visita do Papa Bento XVI, e uma recordação comovida pela sua presença entre nós.


Fonte: Revista 30Dias (mar/abr-2012)

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF