Jolantis |
Onde encontrar a nossa verdadeira humanidade?
As pessoas, em sua maioria, entendem mal a virtude. Elas pensam que a virtude é simplesmente o oposto do pecado, quando, na verdade, o oposto de um pecado é geralmente outro tipo de pecado. O oposto de ir longe demais à direita, por exemplo, é ir longe demais à esquerda.
A maioria das observações sobre os sete pecados capitais se limita a apontar os vícios e a indicar as virtudes que devemos praticar no lugar deles. O que essas observações negligenciam é que o significado original da palavra “virtude” evoca “masculinidade”: ela vem do latim “vir”, que significa homem, varão. Em termos modernos, poderíamos traduzi-la como “humanidade”: humanidade plena e saudável, oposta à humanidade doente e distorcida.
Tomás de Aquino, baseando-se em Aristóteles, situava a virtude no saudável equilíbrio da pessoa que vive de acordo com a natureza humana e com o próprio estado de vida, sem se desviar nem para um extremo nem para outro. A virtude da temperança consiste, por exemplo, em apreciar a comida e a bebida em quantidades razoáveis e saudáveis. Pode-se pecar contra a temperança tanto pela gula quanto pelo comer pouco demais ou descuidadamente, vício este que implica desprezo do corpo e que Aquino chamava de insensibilidade.
Ocorre o mesmo com cada um dos outros pecados mortais: a virtude está no saudável equilíbrio entre duas distorções pecaminosas. A maior parte das neuroses, raivas e disfunções que eu tenho visto entre nós, católicos, se manifesta em pessoas que não captaram este ponto crucial: ao tentarem evitar desesperadamente a luxúria, a gula, a avareza, a preguiça, a ira, a vaidade e a inveja, eles acabam caindo em uma ou em mais das “sete neuroses capitais”: frigidez, insensibilidade, prodigalidade, fanatismo, servilismo, escrupulosidade e pusilanimidade. Meu objetivo, ao escrever sobre os sete pecados capitais, é restaurar a saudável visão tomista das virtudes. Se mais pessoas seguissem Tomás de Aquino, muitos psiquiatras fechariam as portas dos seus consultórios.
Chesterton observou que a Igreja teve que lutar contra uma série de heresias iguais e opostas, que cortavam um pedaço de uma verdade complexa e faziam dela um slogan simplório. Os arianos proclamavam: “Deus é um!”. E negavam que Cristo fosse divino. Os monofisitas retrucavam: “Jesus é Deus”. E negavam que ele fosse também humano. Mais recentemente, a vasta maioria dos católicos rejeitou o ensinamento de Paulo VI de que a contracepção é definitivamente proibida. Dos católicos restantes, uma alta porcentagem rejeita o ensinamento de Paulo VI de que o planejamento familiar natural é permitido.
Da mesma forma, os católicos excessivamente tolerantes entenderam os ensinamentos da Igreja sobre o ecumenismo e a liberdade religiosa, no Vaticano II, como se eles significassem que todas as religiões são basicamente iguais: caminhos “diversos” que levam ao mesmo Deus. A isso, os tradicionalistas radicais responderam rejeitando todo o Vaticano II e exigindo que o Estado prendesse todos os “hereges”.
E assim por diante. Esta oscilação entre falsos extremos certamente permeará a vida humana até o dia da volta de Jesus.
Dois erros profundos quanto à relação entre a graça de Deus e o esforço humano têm duelado ao longo dos últimos 1500 anos. Simplificando: é a luta entre o pelagianismo e o calvinismo. Há muitas sutilezas teológicas no meio, mas, grosso modo, os pelagianos acham que a salvação depende do esforço humano em imitar o exemplo de Cristo, enquanto os calvinistas (e os seguidores da interpretação calvinista de Agostinho, como os jansenistas e alguns dominicanos) acreditam que Deus faz tudo sozinho e que o homem não é livre nem para resistir à graça de Deus. Pelágio via Jesus não tanto como um redentor, mas como um modelo. Calvino imaginava um Deus que cria bilhões de almas explicitamente para o inferno.
O brilhante novelista Anthony Burgess, um pagão que nunca lamentou a sua educação católica, aplicou esta polaridade à política, imaginando a história humana como a oscilação entre as ideologias que pensam que a vida humana pode se aperfeiçoar aqui na terra e as ideologias que não têm esperança de melhoria e se entregam à crueldade e à injustiça. Burgess retrata os perfeccionistas como socialistas friamente burocráticos, malthusianos, cientistas sociais e ateus que promovem a esterilização, o homossexualismo e até a castração como resposta desesperada para a escassez econômica. Os “imperfeccionistas”, por sua vez, são obscurantistas supersticiosos que se prestam a cultos de fertilidade, à guerra e até ao canibalismo.
Em termos atuais, podemos ver os perfeccionistas como os teólogos da libertação e os imperfeccionistas como os cínicos capitalistas de compadrio. Ao longo da história da Igreja, temos visto os dois extremos em ação: os cristãos que imaginaram impor o reino de Deus na terra pela força revolucionária e aqueles que viam no pecado original a impossibilidade de qualquer progresso real. Jason Jones e eu exploramos esta polaridade em “The Race to Save Our Century” [“A corrida para salvar o nosso século“].
Por um lado:
O louvor derramado sobre os pobres nos Evangelhos e as promessas de uma perfeita “Nova Jerusalém” na terra, feitas no livro do Apocalipse, serviram como combustível para os pregadores radicais, para os comerciantes descontentes e para os intelectuais deslocados que, muitas vezes, atraíram seguidores em milhares de movimentos violentos para erradicar todo vestígio do mal e construir a sociedade perfeita, aqui e agora. Os flagelantes começaram fazendo penitência, mas acabaram conclamando à destruição da “corrupta” Igreja católica. A “Cruzada do Povo”, quando se mostrou incapaz de lutar contra os muçulmanos na Terra Santa, passou a focar na perseguição dos judeus em casa, na Europa. Tais movimentos causaram desastres em dezenas de cidades e custaram a vida para milhares de pessoas. Nos anais do antissemitismo histórico, estes eventos estão entre os piores registrados antes do Holocausto. Alguns governantes invocaram temas utópicos quando prometeram acabar com o “mal” em seus reinos, o que, para eles, significava converter à força ou expulsar as minorias religiosas (os judeus foram expulsos, em dada altura, de todos os principais países da Europa, exceto da Polônia). Os líderes da Igreja, apesar de regular e firmemente condenarem tais movimentos utópicos, eram muitas vezes impotentes para evitar as ações lideradas por sujeitos incultos e desequilibrados que se proclamavam profetas.
O contrário de tal idealismo radical é um cinismo cansado do mundo, diante do qual os clérigos, como seres caídos que são, não ficaram imunes:
As crueldades, guerras e extravagâncias ideológicas das revoluções francesa e afins empurraram ainda mais a maioria dos clérigos para os braços de monarquias autoritárias, como pensadores que viam os princípios cristãos legítimos da igualdade moral e da dignidade humana sempre à espreita por trás da retórica iluminista de alguns revolucionários, como Hugues-Felicité Robert de Lamennais, que foi alvo da condenação dos papas que temiam o retorno de surtos anticlericais. Os povos das nações católicas sob ocupação estrangeira, como a Polônia e a Irlanda, ficaram chocados quando os papas confirmaram os seus “legítimos” governantes não católicos em meio a revoltas nacionais populares.
Como o cardeal Josef Ratzinger escreveu em 1982, grande parte do trabalho do Concílio Vaticano II visava desvencilhar da Igreja do abraço pegajoso do Estado e renovar a sua proposta de servir à humanidade com crítica profética de todos os sistemas mundanos (ele também observou com tristeza que muitos católicos interpretavam a disposição da Igreja de criticar o próprio passado como uma licença para abraçar promiscuamente o mundo moderno, com todos os seus erros).
Hoje, o poder do Estado laico cresce diariamente e ameaça a liberdade da Igreja. Bem-intencionados e mal informados, os católicos investem contra um livre mercado de tipo “laissez-faire”, morto há muito tempo, e olham para o Estado laico como para um meio de se estabelecer a justiça terrena. É tentador responder cometendo o erro oposto, dar de ombros e dizer que a justiça na terra é inatingível. Mas isso não funciona.
Os críticos da utopia católica precisam acreditar na justiça e afirmar com clareza que a justiça e a igualdade material não são a mesma coisa. A igualdade perfeita na terra não é possível, nem desejável e nem mesmo justa. Um mundo em que o governo reprime toda diferença humana e controla a vida de cada pessoa é um retrato do inferno na terra. E os governos que tentaram impor esse tipo de igualdade acumularam centenas de milhões de civis assassinados: em comparação com eles, os piores excessos do capitalismo desenfreado parecem obras de misericórdia corporais.
É simplesmente um fato da natureza que as habilidades das pessoas, as suas ambições e as suas circunstâncias são diferentes, assim como é fato que as pessoas só vão trabalhar duro se for pelo próprio benefício e pelo da sua família. Os sistemas econômicos que aceitam estes fatos da natureza humana produzem riqueza muito mais eficazmente do que os sistemas baseados em idealismos ou em coerção. Se quisermos abolir a pobreza extrema e atender às necessidades humanas básicas, teremos que trabalhar com a espécie humana que realmente existe, não com fantasias como a de um Adão não caído ou a de um futuro “homem socialista”.
Mas ao aceitarmos que o homem é um ser verdadeiramente caído, temos que lembrar que ele também foi redimido; que somos chamados a amenizar os piores efeitos da desigualdade e a proteger a dignidade humana de cada pessoa. Portanto, deve haver linhas vermelhas que a competição não pode ultrapassar, e meios para os cidadãos mais pobres defenderem os seus direitos humanos. Na maior parte do mundo desenvolvido, essas linhas e meios foram estabelecidos há décadas e a pobreza extrema foi superada. A desigualdade que existe na América da Norte e na maioria dos países europeus é moralmente sem sentido. Há problemas sociais reais e há meios injustos, que os capitalistas de compadrio empregam para brincar com o sistema. A desigualdade em si, porém, não é um problema. É perfeitamente justo que Bill Gates tenha ficado rico e eu não.
A desigualdade entre as nações é uma questão complexa, mas, no essencial, ela não resulta nem de exploração, nem de colonialismo, e sim de uma luta darwiniana entre sistemas sociais. As nações cujas culturas fundadoras acreditavam na livre concorrência, no governo descentralizado e no Estado de Direito prosperaram. Aquelas cuja cultura fundadora implicava coerção, paternalismo e nepotismo, não. A resposta para esta desigualdade não consiste em empobrecer os países ricos ou inundá-los de imigrantes carentes, mas em promover, de formas não coercitivas, os hábitos que levam à prosperidade.
Durante o transcurso da minha vida, nações como a Coreia do Sul e a Índia fizeram progressos enormes para erradicar a pobreza e permitir que centenas de milhões de pessoas adotem esses hábitos saudáveis, que deveríamos chamar de virtudes políticas. Ao mesmo tempo, centenas de milhões de outras pessoas foram desumanizadas, intimidadas e mantidas na pobreza pela prática de ideologias que negam a natureza humana e tentam reger sociedades como se elas fossem versões coercivas de mosteiros. Temos que chamar essas ideologias pelo nome que elas têm: pecados políticos.
Portanto, devemos olhar para as questões políticas e econômicas de uma perspectiva cristã “realista”, informada por um conhecimento da história e do que ela nos conta sobre a natureza humana. As pessoas foram feitas por Deus para zelarem primeiro por si mesmas e pelas suas famílias, e, depois, pela comunidade mais ampla. Essa inclinação foi acentuada pelo pecado. O impulso humano de melhorar, crescer, adquirir, é a fonte de energia que alimenta todo trabalho, esforço e crescimento. É um combustível que emite seus poluentes: a comunidade deve regulá-los. Mas, sem esse combustível, nada se mexe. Proíba os desejos “egoístas” de um homem e você verá que, sem eles, a única forma de fazê-lo se mexer é a ameaça de bala.
Fonte: https://pt.aleteia.org/
Nenhum comentário:
Postar um comentário