Jogos Olímpicos de Tóquio 2020: partida de handebol feminino entre Suécia e Rússia, no Estádio Nacional Yoyogi (REUTERS / Gonzalo Fuentes) |
Papa
o Papa Francisco, "com o esporte é possível construir a "cultura do
encontro", a realização de uma civilização onde reine a solidariedade,
fundada no reconhecimento de que todos são membros de uma única família humana,
independentemente das diferenças de cultura, cor da pele ou religião. E a
exemplo de Francisco, todos os papas da era moderna foram unânimes ao
reconhecerem que as Olimpíadas são um importante veículo de paz e de
fraternidade".
Por Thales Reis*
Os Jogos Olímpicos da Antiguidade, uma série de
competições entre os representantes de várias cidades-estados da Grécia antiga,
foram realizados na pólis grega de Olímpia, do século VIII
a.C. ao século V d.C, e compartilham um passado – e presente – em comum
interessante com outra instituição tão longeva quanto as Olimpíadas e que
também sobrevive até a nossa era moderna: o papado.
Em 6 de abril de 1896 começava em Atenas, na
Grécia, a primeira edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna. O renascimento do
espírito olímpico, interrompido no ano de 394 pelo imperador romano Teodósio I,
deveu-se, principalmente, ao pedagogo e historiador francês Pierre de Frédy, o
Barão de Coubertin. E em 1908, as Olimpíadas deveriam chegar à Roma, nos
"degraus" do Papa, pela primeira vez.
Mas diferente do que acontece hoje, naquela época,
sediar os Jogos Olímpicos não garantia muitos benefícios financeiros para o
país, e o Comité Olímpico Internacional (COI) enfrentava grande resistência de
políticos e autoridades italianas para hospedar o evento. Para garantir o sucesso
da competição, Coubertin foi pedir a "benção" do Papa e a intercessão
do Vaticano em favor das Olimpíadas. Em 1905, o barão francês se encontrou com
o Papa Pio X, de quem recebeu a aprovação da Igreja para a realização dos
Jogos.
As Olimpíadas de 1908, que seriam sediadas em Roma,
tiveram que mudar de endereço para Londres, na Grã-Bretanha, porque uma erupção
do vulcão Vesúvio obrigou as autoridades italianas a usarem todos os seus
recursos para combater os efeitos da tragédia. A ocasião, porém, marcou a
aliança definitiva do catolicismo com o mundo dos desportos olímpicos. Em 1960,
as Olimpíadas, enfim, desembarcaram na Cidade Eterna.
Um dia antes da abertura, os atletas das 83
delegações que foram à capital italiana se reuniram na Praça São Pedro, dentro
dos muros vaticanos, para um encontro com o papa João XXIII. Aos competidores,
o "Papa Bom" pediu "um exemplo de competição saudável" e
ressaltou a capacidade do evento de unir os povos: “embora pertençais a
diferentes nações, estão fraternalmente associados ao mesmo hobby e
ao mesmo propósito dos Jogos”.
Em 1966, Paulo VI recebeu em audiência integrantes
do COI, que naquele ano realizavam, em Roma, a sua 64ª assembleia geral. Aos
membros do comitê, o papa destacou os valores comuns que proporcionam o diálogo
entre a Igreja e o esporte e ajudam na promoção da paz. Para o Pontífice,
"a prática do esporte em nível internacional, que encontra sua expressão
mais perfeita nos Jogos Olímpicos, tem se mostrado um fator marcante para o
progresso da fraternidade entre os homens e para a difusão do ideal de paz
entre as nações".
Seis anos depois desse discurso, as Olimpíadas e o
mundo do esporte seriam terrivelmente abalados pelo atentado terrorista em
Munique, Alemanha, durante os jogos de 1972, deixando 17 pessoas mortas,
incluindo seis treinadores e cinco atletas da delegação israelense. Diversos
líderes mundiais, inclusive o papa, condenaram o massacre. Em um discurso
histórico, dramático e emocionado, Paulo VI afirmou que a tragédia na sede dos
Jogos Olímpicos "desonra verdadeiramente o nosso tempo".
Além do interesse pelas artes e da religiosidade
intensa, o desporto também esteve no centro das paixões do jovem Karol Wojtyla.
Não por acaso, o papa polonês ofereceu uma série de reflexões sobre as virtudes
esportivas, sempre de valor cultural e religioso, e também não se absteve de
denunciar aquilo que, na sua percepção, poderia colocá-las em risco.
Nos anos de 1980, durante o auge da Guerra Fria, a
"Cortina de Ferro" dividia o mundo em dois, e essa divisão tirou o
brilho e provocou boicotes às Olimpíadas de Moscou (1980) e Los Angeles (1984).
Aos participantes dos jogos de 84, João Paulo II recordou que o evento deve ser
uma “expressão da competição atlética amigável e da busca pela excelência
humana, mas também para o futuro da comunidade humana, que por meio do esporte
expressa externamente o desejo de todos por uma cooperação universal e
entendimento”.
Vinte anos depois, às vésperas dos Jogos de Atenas
de 2004, a primeira Olimpíada após os atentados terroristas de 11 de setembro,
que marcaram o começo dos anos 2000, o papa Wojtyla, já com a saúde frágil e
muito debilitado fisicamente, desejou que “no mundo, hoje atormentado e
comovido por tantas formas de ódio e de violência, o importante evento
esportivo dos Jogos constitua uma ocasião de sereno encontro e sirva para
promover a busca da paz entre os povos”. Naqueles dias, o fantasma do
terrorismo voltou a rondar a competição.
As intenções de João Paulo II foram repetidas,
quatro anos mais tarde, por Bento XVI, que dirigiu-se aos participantes da
edição de Pequim, em 2008, e expressou seus "sinceros bons votos" de
que os Jogos ofereçam à comunidade internacional "um exemplo válido de
convivência entre pessoas das mais diversas proveniências, no respeito pela dignidade
de todos". Na ocasião, Joseph Ratzinger classificou indelevelmente o
esporte como ferramenta de "fraternidade e de paz entre os povos".
As Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, tiveram
palco três anos depois da inesperada renúncia do papa alemão. No Trono de São
Pedro, pela primeira vez, o mundo tinha um latino-americano, vindo da
Argentina, jesuíta e apaixonado por futebol. Aos participantes dos Jogos do
Brasil, Francisco desejou que "o espírito dos Jogos Olímpicos possa
inspirar a todos, participantes e espectadores, a combater o bom combate e a
terminar juntos a corrida", diante de um mundo que "está sedento de
paz, tolerância e reconciliação".
Na edição de 2016, pela primeira vez, uma equipe de
atletas refugiados competiu pelo ouro olímpico sob a bandeira do Comitê
Internacional, mostrando o alinhamento dos realizadores e responsáveis pelos
Jogos com uma importante pauta do pontificado de Francisco: a defesa dos
migrantes e refugiados. Naquele ano, o Pontífice celebrou a iniciativa do COI,
em um momento em que cada vez mais pessoas eram forçadas a fugir de suas casas
para escapar de conflitos, violação dos direitos humanos e perseguição.
Em carta à equipe olímpica de refugiados, Francisco
pediu que os atletas, com "a coragem e a força" que levam, possam
representar "um grito de fraternidade e de paz" ao mundo. O Santo
Padre ainda manifestou seu desejo de que a humanidade, com o exemplo destes
esportistas refugiados, possa "compreender que a paz é possível".
Para o Papa Bergoglio, com o esporte é possível
construir a "cultura do encontro", a realização de uma civilização
onde reine a solidariedade, fundada no reconhecimento de que todos são membros
de uma única família humana, independentemente das diferenças de cultura, cor
da pele ou religião. E a exemplo de Francisco, todos os Papas da era moderna
foram unânimes ao reconhecerem que as Olimpíadas são um importante veículo de
paz e de fraternidade, torcendo para que a chama dos Jogos nunca se apague.
*Thales
Reis é jornalista católico com expertise na análise e cobertura de assuntos
relacionados ao Vaticano, ao Papa e à Igreja Católica no mundo. Possui
especialização nas Escrituras Sagradas do Cristianismo (Harvard University), em
História Moderna da Igreja Católica (University of North Carolina at Chapel
Hill) e MBA em Relações Internacionais (FGV-SP).
Fonte: Vatican News
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