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Entre os possíveis exemplos de alegria sacerdotal, um chamou a minha atenção nestes dias, São Filipe Néri. Chamou a minha atenção por sua capacidade de confundir o mundo com o seu jeito alegre de ser. Uma alegria que não se expressava em rituais contínuos de estado psicológico; sua alegria era Christiana Laetitia, tão profundamente marcada pela ambiguidade do mundo que foi capaz de perturbar dois gênios da humanidade.
Goethe, o poeta alemão, pensava em São Filipe Néri como um milagre de harmonia entre renuncia e alegria (Laetitia); uma existência marcada pela presença da simplicidade imediata de quem produz uma ação prontamente regulada pelo puro desejo de imitação do seu Senhor.
De outro lado, Schopenhauer, filósofo alemão do século XIX, também se deixou impressionar pela imagem sacerdotal de Filipe Néri, mas, desta vez, a imagem do santo se transfigurou em uma forma caricatural da tragédia da mente diante da estrutura comum da humanidade e da tragédia comum da santidade.
Para Schopenhauer, a santidade exprimida por São Filipe é a forma autentica de um sacerdote, uma espécie peculiar de intuição do mistério do mal, que induz ao desejo de viver e a acentuação solidária pela dor do outro, que se exprime particularmente através da com-paixão.
Examinando as duas vias podemos concluir que a imagem da alegria sacerdotal corresponde, com mais razão, a esta apresentada sob a luz de Schopenhauer, que não propriamente àquela de Goethe. De fato, a vida sacerdotal não é a de um homem sereno, assegurado de sua salvação, nem certeza de operar de maneira ética. Ou seja, é convicto de não corresponder à Graça recebida. Entretanto, essa descoberta não deve vir por doce humildade ascética, mas por humildade ética, que é a consciência da infinita responsabilidade pelo irmão. Situação que só é superada nos atos de com-paixão, consigo mesmo e com os outros.
É difícil para o hedonismo atual perceber o motivo profundo da alegria sacerdotal, especialmente depois de encontrar este humano profundamente imerso nos mais latentes problemas da sua existência, aqueles tocantes diretamente à falta de sentido da vida e das expectativas desiludidas de uma multidão incalculável de homens e mulheres.
Entretanto, uma coisa é certa, o ser sacerdote confunde a mentalidade moderna do mesmo modo que São Filipe Néri confundiu Goethe e Schopenhauer, que geraram imagens discrepantes e opostas sobre a mesma pessoa.
Pode se dizer do sacerdote como um homem profundamente marcado pelas pré-disposições de um mundo sofredor, e esta caricatura se encontra com a definição de Schopenhauer. Mas, de outro lado, o sacerdote é também a perfeita Laetitia apresentada por Goethe e São Francisco, vivendo uma existência compenetrada de quem crê profundamente no seu Senhor e tem a certeza de não ser desiludido.
Por isso, podemos afirmar: o sacerdote vive a sua felicidade, sem, contudo, deixar de perceber os sofrimentos do mundo. Sua alegria não é um modo de esquecimento ou o disfarce das angustias latentes – Alegres sim, mas daquela alegria cheia de com-paixão que se exprime perfeitamente no capítulo 25 de Mateus – Uma forma de vida operosa, segundo a qual todos serão julgados. A ele não importa a análise complexa de um tratado intelectual que ousa definir o que é e o que não é alegria (laetitia), do momento que já pôs no centro de sua vida o amor na ação restauradora do mundo.
Esta concordância existencial entre com-paixão e laetitia do homem diante de Deus me fez entender o fato pelo qual, dois gênios literários, como Goethe e Schopenhauer tanto se interessaram pela figura sacerdotal de São Filipe Néri.
Fonte: CNBB
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